06 junho 2017

 

Delação premiada


A delação premiada está na ordem do dia. É um assunto escabroso. Parece que a associação sindical dos juízes envereda decididamente por ela. O sindicato do Ministério Público, idem. Há, portanto, se não uma unanimidade de pontos de vista entre os magistrados de ambas as magistraturas, pelo menos um consenso entre as suas organizações profissionais. A Ordem dos Advogados está contra. Eu confesso que tenho mais dúvidas do que certezas. A divisão entre estes dois campos profissionais indicia alguma coisa? Talvez.
A delação premiada facilita a investigação dos crimes de colarinho branco? Pois facilita. E dificulta as estratégias de defesa? Pois dificulta. Será então por aí que passa a divisão entre aqueles dois campos?
No sábado passado, no programa “Expresso da meia-noite” da SIC Notícias, o jornalista Ricardo Costa insistia muito na eficácia e na celeridade que a adopção de uma tal medida poderia trazer à investigação. Como se a eficácia e a celeridade fossem valores supremos do processo penal. E, deslumbrado, afirmou por várias vezes que, se a delação premiada estivesse em vigor no processo Sócrates, porventura já se teria deslindado a intrincada trama do processo. Tudo com mais eficácia e muito menos perda de tempo. Afinal, não é isso que se tem visto no processo Lava Jacto, cujo juiz de instrução, Sérgio Moro, promovido a estrela, passou há dias por Portugal, recebendo grande aplauso da assistência que o escutou em dois auditórios, nas Conferências do Estoril e na Faculdade de Direito de Lisboa?
Pois é, mas a delação premiada não deixa de ser uma delação. Não lhe chamemos colaboração premiada, que isso não passa de travestir com uma expressão bondosa uma crua e acho que imoral realidade. Delação que só existe por causa dum prémio – o favorecimento do sujeito que delata com um tratamento penal suavizado, se não mesmo com o perdão de pena. O investigador alicia o sujeito que está a ser interrogado a delatar os seus companheiros ou comparsas, acenando-lhe com o benefício que daí resulta. Faz, portanto, apelo ao elementar egoísmo humano para lhe quebrar as resistências psicológicas e levá-lo a deslindar a teia criminosa e delatar os colegas. Isso não é colaboração alguma. A verdadeira colaboração é espontânea (não movida por um interesse proposto ao pretenso colaborador) e resulta de um arrependimento ou auto-reflexão do sujeito, que o leva a reconsiderar a sua conduta e avaliá-la como tendo um sentido negativo, passando em consequência a rejeitá-la.
Mas, como digo, posso estar a desconsiderar qualquer vertente relevante do problema. Há muito tempo li um livro do sociólogo suíço Jean Ziegler. Acho que se chamava “Os Senhores do Crime” ou coisa parecida. Aí ele defendia a quebra de certos “tabus” do processo penal para o sucesso do combate ao crime organizado do nosso tempo – as máfias do crime. Não sei se ele se referia também à delação premiada como método indispensável para o combate a certos tipos de criminalidade. Sei que o que é preciso, desde já, é responder a esta questão: A delação premiada é mesmo um meio indispensável para descobrir crimes de colarinho branco, nomeadamente o crime de corrupção? Não vamos pôr à cabeça a eficácia e a celeridades processuais.
Em segundo lugar, importa responder a esta outra questão: como é que essa figura se concilia com o quadro axiológico da nossa Constituição?







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