03 maio 2017

 

Defesa e justificação de António Costa



António Costa tem sido criticado em vários sectores por causa da tolerância de ponto que resolveu dar aos funcionários públicos no próximo dia 12, dia da chegada do Papa a Portugal, para participar nas cerimónias do dia 13, em Fátima. Para além de razões ligadas ao tema da laicidade, implicando a separação do Estado das várias igrejas ou confissões religiosas, o centenário da 1.ª aparição calha a um sábado, pelo que dar tolerância de ponto na véspera corresponderia a uma deferência excessiva para com o representante máximo da Igreja Católica.
Eu, porém, faço desse acto uma outra leitura, mais conforme ao laicismo que deve orientar as instituições políticas do Estado em geral e do governo em particular. Ei-la. O actual Papa tem-se distinguido pelas suas ideias e pelo seu magistério em matéria social, económica e mesmo política com acento progressista. Ele é conservador e tradicionalista em matérias como a ordenação de mulheres, o aborto, a sexualidade, mas, no que respeita àqueles domínios, tem-se mostrado muito próximo de certas ideias de esquerda. Basta ver as suas posições relativamente à globalização económica, à centralidade do dinheiro e do lucro nas sociedades actuais, à desregulação financeira e laboral, aos excluídos e aos refugiados das guerras que lavram pelo mundo e, em especial, no Médio Oriente, ao ambiente e aos ecossistemas, à exploração de quem trabalha, criticando a ausência de tempos livres necessários para a entrega à família, à educação dos filhos e à realização pessoal de cada um. Leia-se o trabalho de António Marujo no semanário “Expresso” de sábado passado, onde o jornalista se ocupa de uma questão que tem vindo a assoberbar o espírito de católicos e não católicos: será o Papa Francisco de esquerda? – trabalho esse que recorta muitas das afirmações e declarações do Sumo Pontífice, em que este diz, a certo passo, que nunca foi de direita e que até leu textos do Partido Comunista argentino que “contribuíram para a sua formação política”.
Ora, António Costa e o seu governo, ao decretarem a tolerância de ponto no próximo dia 12, não quererão, por certo, quebrar a regra do laicismo que deve estabelecer uma separação nítida entre a esfera do Estado e a do religioso. Não estou a ver António Costa a cair nessa armadilha. De forma que a única explicação que encontro para a referida decisão é a de que se pretendeu homenagear as ideias profanas, laicas e progressistas que o Papa tem vindo a defender. E também, claro, enviar a mensagem de que os católicos não têm de ser necessariamente de direita, como poderia pensar-se, na decorrência de um tão longa tradição lusa (e não só) de colagem da Igreja a posições conservadoras e mesmo reaccionárias. Assim, no seu espírito, o dia 12 seria para homenagear o homem que ocupa a cadeira de S.Pedro, ao passo que o dia 13 seria para as cerimónias na Cova da Iria, essas sim de carácter estritamente religioso e a serem oficiadas pelo Sumo Pontífice.


Daqui se conclui que só há que louvar o espírito de clarividência de António Costa e o seu rigor demarcativo, e juro que, ao contrário do que sucede muitas vezes nos meus escritos, não estou a usar de qualquer processo de ironia.





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