01 março 2017

 

Assim vai a política




Onde se fornecem alguns casos exemplares da política que vai pelo mundo
Comecemos pela grande nação americana.
O recém-eleito presidente da primeira potência mundial apostou em governar de uma forma directa e o mais básica possível, bem ao jeito do seu espírito de fortes e bem demarcadas oposições, como as que existem entre o dia e a noite, o preto e o branco, o amigo e o inimigo, o céu e o inferno, os eleitos e os réprobos.
Grande senhor que comanda os destinos do país mais poderoso do mundo, não se demora em argúcias argumentativas, nem em considerandos complicados. Vai direito ao assunto, como um touro contra a paliçada. Assim é que o referido presidente começou a emitir decretos partindo da divisão do mundo em duas partes claras: a dos bons e a dos maus cidadãos do universo, proibindo a entrada no país aos que não simpatizam com a sua cabeleira peculiar e com os seus negócios e acolhendo generosamente os restantes. Também mandou construir um muro ao longo da fronteira do país com um dos seus vizinhos, para evitar contágios entre os seus nacionais e os cidadãos do outro lado, a pretexto de estes últimos se dedicarem ao crime e traficâncias várias, que não são as do seu mundo.
A grande novidade é que os decretos estão redigidos numa linguagem simples, que tem como símile a mente esquemática de onde brotam. Basta dizer que estão ao nível da capacidade intelectual de um aluno médio ou mesmo mau do secundário. Acontece que alguns juízes desse grande país resolveram levantar obstáculos à aplicação desses decretos, porque se enredam em complicadas interpretações jurídicas que já não se usam nos tempos que correm e não são capazes de se pôr ao nível do padrão do presidente ou de um aluno sofrível (ou até abaixo da média) do secundário.
Em matéria de provas criminais, pelo menos para os casos mais escabrosos, o presidente da grande potência também tem uma linearidade clarividente. A tortura é um método garantidamente eficiente. Em noventa e muitos por cento dos casos produz resultados positivos: o torturado (que é como quem diz, o criminoso) confessa. Daí que seja um método de bondade insofismável. Se algum criminoso resistir às provas, é porque realmente está inocente, como nos bons tempos medievais da ordália, ou tão empedernido no crime que merece morrer às mãos dos seus carrascos. Nada que seja digno de perturbação.


Passando para a esfera nacional
No âmbito da política doméstica, será de realçar o caso do nosso ministro do Tesouro. Os opositores à actual situação querem desvendar o mistério dos bilhetinhos trocados entre o ministro e um banqueiro nomeado para a banca estadual. Que se esconderá nesses bilhetinhos? Que cousas inconfessáveis terá o ministro debitado nesses papelotes? Terá feito juras comprometedoras? É um caso deveras importante para os negócios do Estado e a prosperidade do nosso país.
Outro caso digno de toda a atenção é o do ex-presidente da Nação com o livro que deu à estampa. Diz-se que ali pode estar exposto e desnudado um outro mistério palpitante: o do homem que era quinta-feira, ou o homem das quintas-feiras. Um enigma interessante cuja exposição e deslindamento não ficarão nada a dever ao livro de um célebre escritor britânico, que usou o mesmo tipo de personagem.
Eis, cidadãos do mundo e meus compatriotas, alguns inocentes exemplos de divertidos e edificantes casos (porque uma cousa não prejudica a outra) da nossa e alheia política neste século
Do vosso sempre At.º e Ven.or


Jonathan Swift

(1665-1745)





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