30 março 2017

 

Cristiano Ronaldo


O aeroporto do Funchal é agora aeroporto Cristiano Ronaldo. A alternativa a esse nome era Alberto João Jardim. Entre um e outro, sempre é melhor o primeiro, mas é uma tristeza confrangedora que a Madeira só tenha essas duas personalidades dignas de relevo suficiente para os seus nomes figurarem em lugares públicos. Os nomes desses dois ocupam todo o espaço disponível da celebridade da ilha, sendo que um é um futebolista e outro, um político cuja singularidade reside num caciquismo paroquial e no espalhafato anticontenitental. O futebolista acabou por suplantar o politico, averbando mais uma vitória neste campeonato dos nomes.
Os aeroportos internacionais só em casos excepcionais devem ser crismados com nomes de personalidades. Já foi mau terem posto o nome de Sá Carneiro ao aeroporto de Pedras Rubras. Para mim será sempre o aeroporto de Pedras Rubras – um nome invulgar, quase poético. Pedras Rubras. E o aeroporto de Lisboa será sempre o aeroporto da Portela. Em Paris, um dos aeroportos tem o nome de Charles De Gaule, mas Charles De Gaule, por sobre as polémicas e desavenças que possa ter causado, foi o símbolo da França livre num dos momentos mais críticos da história do século XX, em que a França foi invadida e ocupada pelas tropas alemãs. E o seu nome só foi posto ao aeroporto de Roissy depois da sua morte. Em Portugal, Humberto Delgado foi também o símbolo da resistência ao salazarismo, mas não atinge a estatura épica de Charles De Gaule. Bastar-lhe-iam, penso, todas as memórias que perpetuam o seu nome por cidades e vilas de Portugal.

Quanto a Cristiano Ronaldo, francamente!… É um herói do futebol.Leva o nome de Portugal na ponta dos pés? Pois leva, mas isso não é a mesma coisa que ter desbravado os mares e dobrado o Cabo Bojador, mas até parece. Além disso, é um moço de trinta, trinta e poucos anos; tem muito para andar ainda e muito para provar fora do relvado. Pode ainda dar muitos chutos que causem calafrios. A ver vamos. Por sobre isso, tem já memórias de sobejo na sua ilha natal.

 

As virtudes britânicas

A anglossaxonofilia é um sentimento de que sofrem acentuadamente os nossos comentadores encartados. Agora que o Reino (des)Unido apresentou o requerimento de saída da UE, todos eles estão chorosos desta perda para a Europa. Teresa de Sousa é das mais inconsoláveis e inconformadas. Ontem escrevia no "Público": "O mundo anglo-saxónico, que construiu a ordem liberal em que vivemos, retira-se. Não é propriamente uma boa notícia." Esta é a narrativa oficial dos ditos comentadores: o "mundo anglossaxónico" é a pátria da liberdade e foi o educador do mundo inteiro! A Revolução Francesa é ignorada (ou censurada). Todas as revoluções e lutas na Europa e no resto do mundo pela liberdade, pelos direitos humanos, globalmente entendidos, são omitidas; o mundo limitou-se a copiar a cartilha liberal anglo-americana. Bela leitura (falsificação) da história. Na mesma linha, o editorialista Diogo Queiroz de Andrade exaltava o mesmo reino, "um ativo membro da comunidade internacional que nunca teve medo de intervir além-fronteiras". Efetivamente e infelizmente a Grã-Bretanha tem sido um membro demasiado ativo desde o sec XVIII, quando começou a construir um império imenso pelas várias partes do mundo, não tendo renunciado a múltiplas intervenções neocoloniais após o encerramento oficial do império. Como é possível esta exaltação do "intervencionismo" britânico, sendo tão recentes os casos do Iraque e da Líbia, por exemplo?

23 março 2017

 

Vem por aqui!


Agora é o BCE que nos quer morder as canelas. Ameça-nos com multas por não termos realizado as reformas de fundo que se impunham. Ou há-de ser por um motivo, ou por outro. Dá a impressão que as instituições europeias, agora uma, logo outra porfiam em criar-nos um obstáculo qualquer. A nossa navegação no seio da UE assemelha-se à viagem de Ulisses por entre Sila e Caríbdis: sai-se de uma armadilha e surge outra a seguir, na tentativa de nos barrarem o caminho para Ítaca, sendo que Ítaca, neste caso, é o rumo autónomo que pretendemos imprimir à nossa vida colectiva. Vem por aqui!, dizem-nos eles no seu cântico negro, que é o de baixar salários e pensões, facilitar despedimentos, baratear a mão de obra, degradar o Estado Social e por aí fora. Esse é o caminho. Se este não for seguido, multa. Esta gente dá a impressão que não aprende nada com o que se passa à frente dos seus olhos. Trabalham para a desintegração. Só conhecem a linguagem do “meter nos eixos” (os pobres países periféricos, os do Sul mandrião). O resto deve ser como gastar dinheiro em copos e mulheres, como disse o outro, o inefável Dijsselbloem. O trabalhista, hein?    

 

Um trabalhista holandês

Aquelas graçolas javardas do Dijsselbloem sobre copos e mulheres nos países do sul da Europa só podem entender-se se tiverem sido proferidas em estado de ressaca e incontinência depois de uma noitada de copos e mulheres no bairro vermelho de Amsterdão. Se não foi assim, se ele disse o que queria mesmo dizer, só há uma saída, que é precisamente a porta de saída, por falta dos requisitos mínimos de educação e civilidade exigidos num dirigente europeu. Que este episódio tenha sido possível já diz bem do estado da Europa, agora que vai festejar 60 anos de idade numa cerimónia que se anuncia fúnebre, que muito fica a dever a dirigentes como este. Que ele seja "trabalhista" revela o ponto a que chegou o trabalhismo na Holanda (e não só), que aliás o povo holandês justamente puniu nas últimas eleições, lançando o dito Dijsselbloem para o desemprego a nível interno (e por isso ele tenta agarrar-se desesperadamente ao tacho europeu). A saída seria uma ótima oportunidade para ele fazer o tal mestrado que disse ter e não tinha. Outra hipótese, mais consentânea com o perfil do sujeito, seria um lugarzinho no Goldman Sachs... Há lá outros colegas com a mesma idoneidade...

16 março 2017

 

O "naming" do aeroporto da Madeira

O aeroporto da Madeira vai ter um novo "naming": CR7. À partida, eu seria levado a pensar que a proposta só poderia vir de algum humorista, ou então de um inimigo declarado (ou oculto) daquela região. Mas não, é o próprio governo madeirense que lhe quer pôr aquele nome. Pensando bem, no entanto, a coisa talvez não seja tão estranha. Não meteram os srs. deputados o Eusébio no Panteão Nacional? Não é isso bastante mais grave para a respeitabilidade e a credibilidade nacional?

 

A Holanda

Temia-se o pior, mas afinal pode dizer-se que as eleições na Holanda até correram bem. Vejamos. A direita xenófoba ficou aquém do previsível e ficou sobretudo marginalizada, sem poder de influir na solução de governo. A direita clássica ganhou, mas moderadamente. Os verdes de esquerda, um partido realmente de esquerda, quadruplicou os deputados, tendo agora uma bancada de 16, o que não  é nada mau. O partido trabalhista, aliado à direita na Holanda e à Alemanha austeritária na Europa, sofreu justamente uma derrota brutal, tão brutal que o secretário-geral lembrou-se na noite eleitoral de prometer o regresso à social-democracia... E a boa notícia para Portugal é que esta derrota dos "trabalhistas" arrasta a queda de Dijsselbloem, pajem do sinistro Schäuble, e conhecido inimigo dos países do sul da Europa.

14 março 2017

 

Opinião e treta

O processo de Sócrates voltou a reacender-se na comunicação social com o anúncio de diligências finais requeridas pelo Ministério Público e com a aproximação do termo do prazo sucessivamente prorrogado para a conclusão do inquérito. Tal foi pretexto para novas parangonas na imprensa e emissões especiais nos meios audiovisuais.Uma dessas emissões foi dedicada à opinião dos ouvintes. Que pensavam estes da imagem da justiça resultante do tempo, alongado tempo, da duração do inquérito? O bastonário da Ordem dos Advogados, entrevistado na mesma emissora da rádio e colocado face ao mesmo problema, tinha afirmado que a justiça “não saía bem do retrato”. Esse foi o ponto de partida para a audição dos ouvintes.
Eis o que penso ser uma iniciativa demagógica favorecedora de um certo “populismo” em relação à justiça. O que poderiam os ouvintes dizer sobre tal assunto, desconhecendo em absoluto a realidade do processo? Pois se mesmo os indivíduos familiarizados com os assuntos judiciários, incluindo o bastonário da Ordem dos Advogados, mas fora da situação concreta dos autos, não podem honestamente emitir uma opinião sobre o caso, como poderiam opinar sobre ele os leigos? Se me confrontassem com tal caso, eu diria que não saberia responder, que estava “fora da jogada”.
Foi ultrapassado o prazo que a lei determina de forma geral para o inquérito? Foi. Houve prorrogações sucessivas que foram sendo feitas? Houve. Isso é ilegal? Não. É inadmissível que um processo de investigação se estenda por tanto tempo? Depende. A imagem da justiça sai apoucada? Não necessariamente.
Se há investigações que podem ser levadas a cabo dentro dos prazos legais, outras há que manifestamente não podem, nomeadamente devido ao volume e complexidade da matéria sob investigação. Há crimes de uma engenharia tão complexa, sobretudo na área financeira, de uma tão meticulosa, quão labiríntica elaboração e, além disso, tão continuada no tempo e tão disseminada no espaço, que se torna impossível deslindá-los dentro dos prazos que a lei prescreve. O caso do processo crismado de “Operação Marquês” parece cair dentro do âmbito dessa complexidade. A acrescer ao que se disse, há que ter ainda em conta que muitas das diligências a levar a cabo dependem de respostas de autoridades estrangeiras (cartas rogatórias) sobre as quais as autoridades judiciárias nacionais não têm controle. Como fazer então? Chegar ao termo dos prazos e deixar a investigção por concluir? Seria essa a boa justiça? Seria essa a forma de a termos respeitada e com boa imagem?

Ora, só se saberá se o tempo que foi gasto com a investigação do referido processo foi desnecessário e se as autoridades judiciárias que têm mão sobre ele agiram com lassidão,prolixidade, retardamento ou incúria, depois de se poder analisar o que realmente se passou dentro dele. Opinar em termos abstractos é opinar no vazio. É preencher tempo de antena só para se dizer que se discute um tema actual. Nem tudo pode ser matéria de opinião. Em vez desta, o que temos normalmente é treta.

08 março 2017

 

As bem amadas instituições independentes

É enternecedor este empenhamento da direita na defesa dos reguladores e de todas as instituições autónomas. Pena é não ter começado mais cedo, quando a mesma direita era governo e o Tribunal Constitucional, no exercício das suas competências, chumbava os orçamentos que ela aprovava. Essa tinha sido a boa altura para a direita fazer pedagogia democrática...

 

Nova (ou velha?) Portugalidade

A "Nova Portugalidade" era até ontem um movimento nacionalista absolutamente desconhecido. Mas a associação de estudantes e o diretor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas fizeram-lhe ontem o favor de a dar a conhecer a toda a gente, com o cancelamento da conferência de Jaime Nogueira Pinto... Se não tivesse havido cancelamento, nem sequer se saberia que tinha havido tal conferência... Com inimigos assim, esta Nova (velha) Portugalidade não precisa de amigos...

03 março 2017

 

Consultar, mas por mera curiosidade...

Fiquei atónito, como cidadão e como jurista, com a decisão tomada ontem pela famosa comissão parlamentar de inquérito à CGD sobre os não menos famosos emails trocados entre Domingues e Centeno, segundo a qual tais mensagens poderão ser conhecidas por todos os membros da comissão, mas não poderão ser utilizadas na audições nem no relatório final. Ou seja, os deputados poderão satisfazer a sua curiosidade, mas não usar os documentos para a descoberta da verdade... Uma grande originalidade sem dívida. Uma coisa, porém, é certa, e há lá deputados juristas que necessariamente a sabem: os emails podem versar sobre assunto público, mas são correspondência privada, protegida pela norma do nº 4 do art. 34º da Constituição: é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na mesma, salvo em matéria de processo criminal. O que não é o caso...

 

A tradição memorialística anglossaxónica

Com grande respeito se fala em Portugal da tradição anglossaxónica de os políticos reformados escreverem as memórias, uma autêntica "prestação de contas ao povo", segundo dizem os admiradores da tradição. Tenho algumas dúvidas sobre a verdadeira natureza daquela tradição. Lembrando-me do caso de Clinton (o Bill, claro), e do Tony (o Blair, claro) e de como enriqueceram com as "memórias", fico realmente na dúvida. Agora junta-se ao clube dos memorialistas o casal Obama. E parece claro que a tradição ainda é o que era, ou antes, é melhor do que era... Na verdade, o simpático casal vai receber "à cabeça" 60 milhões de dólares por dois livros, ele escreverá as memórias presidenciais, ela a autobiografia ("para inspirar os jovens"). Nada mau. E ninguém lhes leva a mal. Cá no nosso burgo, Cavaco quis também ele adotar a tradição anglossaxónica, mas logo vieram dizer que ele tem é inveja da popularidade do atual presidente, que devia é estar calado, ainda é muito cedo para abrir o bico, etc. Enfim, a tradição anglossaxónica continua a ter muito admiradores em Portugal, mas quando praticada nos países de origem.

01 março 2017

 

Assim vai a política




Onde se fornecem alguns casos exemplares da política que vai pelo mundo
Comecemos pela grande nação americana.
O recém-eleito presidente da primeira potência mundial apostou em governar de uma forma directa e o mais básica possível, bem ao jeito do seu espírito de fortes e bem demarcadas oposições, como as que existem entre o dia e a noite, o preto e o branco, o amigo e o inimigo, o céu e o inferno, os eleitos e os réprobos.
Grande senhor que comanda os destinos do país mais poderoso do mundo, não se demora em argúcias argumentativas, nem em considerandos complicados. Vai direito ao assunto, como um touro contra a paliçada. Assim é que o referido presidente começou a emitir decretos partindo da divisão do mundo em duas partes claras: a dos bons e a dos maus cidadãos do universo, proibindo a entrada no país aos que não simpatizam com a sua cabeleira peculiar e com os seus negócios e acolhendo generosamente os restantes. Também mandou construir um muro ao longo da fronteira do país com um dos seus vizinhos, para evitar contágios entre os seus nacionais e os cidadãos do outro lado, a pretexto de estes últimos se dedicarem ao crime e traficâncias várias, que não são as do seu mundo.
A grande novidade é que os decretos estão redigidos numa linguagem simples, que tem como símile a mente esquemática de onde brotam. Basta dizer que estão ao nível da capacidade intelectual de um aluno médio ou mesmo mau do secundário. Acontece que alguns juízes desse grande país resolveram levantar obstáculos à aplicação desses decretos, porque se enredam em complicadas interpretações jurídicas que já não se usam nos tempos que correm e não são capazes de se pôr ao nível do padrão do presidente ou de um aluno sofrível (ou até abaixo da média) do secundário.
Em matéria de provas criminais, pelo menos para os casos mais escabrosos, o presidente da grande potência também tem uma linearidade clarividente. A tortura é um método garantidamente eficiente. Em noventa e muitos por cento dos casos produz resultados positivos: o torturado (que é como quem diz, o criminoso) confessa. Daí que seja um método de bondade insofismável. Se algum criminoso resistir às provas, é porque realmente está inocente, como nos bons tempos medievais da ordália, ou tão empedernido no crime que merece morrer às mãos dos seus carrascos. Nada que seja digno de perturbação.


Passando para a esfera nacional
No âmbito da política doméstica, será de realçar o caso do nosso ministro do Tesouro. Os opositores à actual situação querem desvendar o mistério dos bilhetinhos trocados entre o ministro e um banqueiro nomeado para a banca estadual. Que se esconderá nesses bilhetinhos? Que cousas inconfessáveis terá o ministro debitado nesses papelotes? Terá feito juras comprometedoras? É um caso deveras importante para os negócios do Estado e a prosperidade do nosso país.
Outro caso digno de toda a atenção é o do ex-presidente da Nação com o livro que deu à estampa. Diz-se que ali pode estar exposto e desnudado um outro mistério palpitante: o do homem que era quinta-feira, ou o homem das quintas-feiras. Um enigma interessante cuja exposição e deslindamento não ficarão nada a dever ao livro de um célebre escritor britânico, que usou o mesmo tipo de personagem.
Eis, cidadãos do mundo e meus compatriotas, alguns inocentes exemplos de divertidos e edificantes casos (porque uma cousa não prejudica a outra) da nossa e alheia política neste século
Do vosso sempre At.º e Ven.or


Jonathan Swift

(1665-1745)

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