17 novembro 2016

 

A Europa que nunca existiu

Jorge Sampaio escreveu no dia 14 um longo artigo no "Público", muito elogiado pelo seu fervor europeísta.Um fervor a meu ver demasiado cego, porque a Europa nunca foi aquele espaço de solidariedade que ele celebra. A Europa de Sampaio é uma narrativa ficcional em que as semelhanças com a realidade são meras coincidências. A UE começou por ser o "Mercado Comum", nascido por razões de "mercado" e foi essencialmente pelas mesmas razões que foi alargando o seu espaço. Mais tarde o "mercado" precisou de uma certa unidade política e então nasceu a UE que rapidamente, após a unificação alemã, mostrou o que era: uma união em que os estados nacionais mais fortes impunham a lei aos mais fracos, sendo as instituições comunitárias uma mera caixa de ressonância desses estados. Com o euro, perdida a soberania financeira, acentuou-se a dependência dos mais fracos. Depois, com o Tratado Orçamental, veio a Europa disciplinar, capitaneada pela Alemanha, que impôs a lei universal da austeridade, que vigia os orçamentos dos dependentes, impõe-lhes exigências, ameaça-os de sanções, mantêm-os permanentemente sob a pressão da disciplina europeia. Perante esta Europa, será estranho desconfiar da Europa e do "projeto europeu"? Como pode taxar-se de "nacionalistas" aqueles que não querem esta Europa, que querem libertar Portugal das amarras do euro, ou pelo menos das correntes do Tratado Orçamental?

16 novembro 2016

 

Homenagem a um portuense ilustre


 

Esta é uma pequena homenagem ao Dr. Miguel Veiga, que ontem, dia do seu funeral, não pude escrever.

Gostava daquele homem, sinceramente, aborrecendo-me, todavia, aquelas loas encomiásticas e mitificadoras de muitos que procuram adornar a sua figura com a aura dos excelsos.

Gostava do seu apego às liberdades cívicas, da sua raiz genuinamente “tripeira”, no que esta tem de melhor e durável, do seu espírito de independência ou rebeldia, cultivado com acinte (até porque suportado pelo património familiar e pelos réditos de uma profissão liberal de prestígio que herdara do pai), do seu gosto pela cultura, pelas artes em geral e pela literatura em particular, do visível prazer que manifestava na intervenção cívica, cultural e política, daquele seu modo simultaneamente formal (ou altamente polido) e afectuoso com que tratava as pessoas com quem se relacionava, do seu gosto requintado, a começar pelo cuidado meticuloso com a sua figura.

O Dr. Miguel Veiga (Miguel Luís Kolback da Veiga) era aquilo que se chama (ou chamava) um burguês ilustrado, nascido em berço de ouro (podia ser e não sei se não terá sido uma das referências de que se serviu ao escrever o livro) uma das personagens de Os Meninos de Ouro, de Agustina Bessa-Luís, portador de uma alegria estridente de viver, amante dos prazeres da vida, tendo-se mantido celibatário até muito tarde (até à idade de ser avô com netos crescidos), filho único que não deixou descendentes, com a sua costela jacobina.

Conheci-o quando estava a fazer o estágio para juiz, em 1977. Então, decidi fazer um trabalho sobre liberdade de imprensa (tema inédito e ainda um bocado suspeito nos meios da velha guarda judicial). Vai daí, resolvi ir ter com o Dr. Miguel Veiga, dando-lhe conta do meu projecto e pedindo-lhe  ajuda, nomeadamente no  campo bibliográfico, tendo sido ele um dos deputados à Assembleia Constituinte com intervenção marcada nessa matéria. O Dr. Miguel Veiga, ainda esplendoroso nos seus quarenta anos, desaparecia por detrás de uma secretária repleta de livros, e as paredes do escritório estavam literalmente forradas de quadros (entre eles, muitas gravuras da Cooperativa Gravura, de Lisboa, de que também me tinha feito  sócio pela mão do nosso colega e meu amigo Dr. Gonçalves da Costa). Com uma afabilidade tocante, o Dr. Miguel Veiga logo me emprestou uma série de livros e dispensou-me os dois grossos volumes das Actas da Assembleia Constituinte. Ficamos amigos, mas amigos com certa cerimónia, pese embora nos encontrarmos frequentemente e termos participado, lado a lado, em seminários e colóquios, nomeadamente da iniciativa da Alta Autoridade Para A Comunicação Social (de quando em quando, o Presidente da Alta Autoridade vinha ao Porto e convidava-nos para jantarmos – jantares que incluíam o Dr. Rui Osório, padre e jornalista do Jornal de Notícias, actualmente cónego e pároco da freguesia da Foz).

A última vez que o vi foi em circunstâncias e local inesperados – na piscina do Clube Fluvial Portuense. Estava eu a vestir-me para vir embora, quando, no lado oposto àquele em que me encontrava, ouvi uma voz quase em surdina: “Senhor Conselheiro, Senhor Conselheiro” (nunca consegui fazer com que ele “dobrasse a língua” e me tratasse simplesmente pelo nome, ou, vá lá!, pelo vulgar Dr.). Nem queria acreditar. Estava sentado num banco, fragilizado, com um jovem a ajudá-lo a vestir-se. Embaraçado pelo tratamento que assim me desnudava perante o, felizmente, escasso número de frequentadores presentes, e envergonhado por não o ter reconhecido logo, abeirei-me dele e, tolhido pela emoção, não disse quase palavra, reservando para mim as interrogações que a situação suscitava.

Dias antes de falecer, ocorreu-me pedir a algum amigo comum e mais íntimo dele que me permitisse visitá-lo na sua casa. Já não fui a tempo, porque a morte, como tantas vezes acontece para gravame da nossa consciência, chegou primeiro.       

09 novembro 2016

 

O desastre


 

Consumou-se o desastre contra todas as expectativas. Trump conseguiu ser eleito para a Casa Branca. Doravante, vai ser um bronco que vai comandar o leme da maior potência  mundial, com  todos os perigos que daí advêm para todo o globo. Isto está cada vez mais parecido com a “nave dos loucos”. O problema não é só ele, Trump; o problema é a sua própria eleição por uma maioria que votou nele. O problema é a resposta à inquietante pergunta: “Como foi possível?” Porque não  foi ele que se colocou no lugar; houve, quem, maioritariamente, segundo regras que ainda são tidas como  consensualmente democráticas, pesem  embora as críticas que se possam fazer ao sistema  norte-americano, o catapultasse para o mais relevante cargo do planeta. A ele, Trump, depois da forma como se exibiu e como pôs a exibir-se a sua dilecta esposa, e de tudo quanto disse e de quanto ameaçou fazer, depois das denúncias que fizeram acerca do seu comportamento com mulheres (esta eleição foi, além do mais, uma derrota para elas), depois das suas torpes investidas nos frente-a-frente e das tomadas de posição muito negativas que gente importante do seu partido e do seu eleitorado natural expressou publicamente, enfim, depois do espectáculo deprimente da sua pobreza intelectual. Como é que foi possível?

Não são inéditos na História estes lances por vezes fatais de eleitorados democráticos, mas, por isso mesmo, é que nos devemos interrogar seriamente sobre o que nos está a acontecer nesta época de tão contraditórios sinais, de tão perturbantes retrocessos sociais, a par de notórios progressos tecnológicos, de tão grandes possibilidades de avanço e de tão autofágicas aventuras.

07 novembro 2016

 

A embrulhada da Caixa

A nomeação da administração da CGD e o estatuto dos seus membros são um erro cujas consequências são ainda imprevisíveis. Espanta a complacência do Governo com os novos administradores. Tudo o que eles pediram o Governo deu... Não havia mais ninguém com as competências exigíveis? É sempre preciso ir buscar ao "privado" para gerir o "público"? Espera-se que, ao menos, os senhores administradores condescendam em entregar a declaraçãozinha do património... É o mínimo que se lhes pede para restaurar a decência. Mas o Governo chamuscou-se escusadamente.

 

As eleições nos EUA

É com assombro e com algum pânico que constato que a corrida à presidência dos EUA é disputada entre uma concorrente politicamente mal preparada e um verdadeiro homem das cavernas... A dinâmica dos partidos tradicionais gerou dois fenómenos contraditórios. No partido democrata triunfou uma candidata do "sistema", para eliminar o "perigo" do candidato dito "socialista", Bernie Sanders. No partido republicano, ao invés, ganhou o candidato antissistema, um populista ultraconservador que os mais conservadores republicanos repudiaram. É claro que se deseja que venha o diabo e escolha Hillary Clinton... E o que espanta é que as sondagens os mostra (quase) empatados...

03 novembro 2016

 

Por cá, a praxe


 

Também por cá o trogloditismo das praxes académicas parece ser do agrado de uma grande parte dos estudantes, a acreditar em inquéritos que têm sido efectuados. Novas formas de integração académica, sim, mas sem pôr de parte os rituais mais ou menos asselvajados de velhas praxes, que, tendo nascido na cidade do Mondego em tempos remotos, se espalharam, em plena fase democrática, por todo esse Portugal onde exista uma instituição qualquer de suposto ensino superior, depois de terem sido pretensamente abolidas na crise académica de 1969, que marcou o início do colapso do regime fascista.

Será certamente um paradoxo, mas a vida está cheia deles – que a praxe, uma manifestação de certo modo obscurantista, ainda para mais quando imitação bacoca ou grosseira de antigos rituais, se tenha rejuvenescido e alargado em plena era democrática.

A praxe já era tida por muitos espíritos lúcidos como o tipicismo provinciano de Coimbra.  Agora é o provincianismo da estudantada do Portugal inteiro. Envergonho-me de ver os rituais da praxe na Baixa de cidades como Lisboa e Porto, porque a estudantada vem para os centros das grandes cidades, em vez de se confinar  aos espaços académicos, precisamente por pensar que aquela mascarada de capas e batinas e caloiros trajados grotescamente às ordens dos encapados é uma coisa bonita de se ver. Os transeuntes deveriam era mostrar o seu enjoo, como uma forma salutar de rejeição daquelas práticas ancestrais.

02 novembro 2016

 

Uma jogada de trampa


Hilary Clinton não será a presidente ideal para os Estados Unidos da América, nem mesmo por ser a primeira mulher a ocupar o cargo, mas, entre ela e Donald Trump, não há que hesitar na escolha. Donald Trump deveria envergonhar qualquer cidadão americano. Ele é o que há de mais troglodita no planeta. Para espantar é que tenha conseguido chegar à fase final da disputa eleitoral como representante de um dos partidos que se revezam no poder, no singular sistema bipartidário dos Estados Unidos. Mais para espantar que tantos americanos se disponham, segundo as sondagens, a votar nele, a ponto de se falar numa pequena margem de diferença entre ele e Clinton, ou mesmo na possibilidade de um empate. O “zelo” da FBI, ao reabrir as investigações à candidata, por causa do correio electrónico, a pretexto de novas revelações, parece ter dado um alento suplementar a Trump. E parece ser uma daquelas jogadas infernais onde se joga muito mais do que o destino dos States.     

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)