24 agosto 2016

 

As Benevolentes


 

Comecei a ler, há cerca de uma semana, “As Benevolentes”, de Jonathan Littell. Vai com sensível atraso, mas eu não leio os livros segundo as modas. Umberto Ecco disse numa entrevista que só lia livros com mais de dez anos, porque se tinham resistido durante esse lapso de tempo, era de encarar a sua leitura. Disse-o com humor, evidentemente, mas há na afirmação uma boa dose de verdade. Hoje, lê-se muito por moda, segundo os ritmos e as lógicas do mercado. Um livro é um objecto de consumo como qualquer outro e, na maior parte dos casos, um objecto que entra rapidamente  em obsolescência. Quando se o procura fora dos ciclos impostos pelo mercado, já provavelmente ele se não encontra nos fundos de reserva das livrarias (se é que ainda há fundos de reserva e se é que ainda existem livrarias) e o mais certo é ter já marchado para a guilhotina.  

O meu exemplar é a 2.ª edição; a 1.ª esgotou em cerca de um mês. Coisa espantosa, se considerarmos o tipo de livro em causa: 900 cerradíssimas páginas (hoje também é moda escreverem-se obras monumentais; pululam por toda a parte os Tolstoi), livro mal jeitoso, incómodo e podendo provocar danos na coluna (antigamente, faziam-se vários volumes de obras assim), mancha tipográfica densa, sem parágrafos, sem destaque para os diálogos, muitas designações em alemão, naquelas palavras compridíssimas em que só os alemães não perdem o fôlego. É preciso vencer muita resistência para ler um livro assim.

Quando apareceu, dizia-se que era a obra do século XXI. Não sei porquê. Ainda por cima, fazer esta afirmação em 2007 não seria demasiado temerário? É verdade que se trata de uma obra portentosa sobre um acontecimento em relação ao qual não cessamos de nos interrogar (a agressão nazi, a monstruosidade do Holocausto), mas não tem, por aquilo que li até ao momento, o impacto inovatório das grandes obras marcantes da 1.ª metade do século XX: “Ulisses”, de James Joyce, as obras de Faulkner, “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust, mesmo as obras de Kafka.

Vamos a ver se levo a bom porto a travessia desta floresta tipográfica.

 





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