31 agosto 2016

 

Dilma


 

Dilma foi “espichada”, como estava escrito nas estrelas. Não digo que tenha sido uma presidente de excelência, mas a sua destituição é um caso de safadeza política, moral e institucional e um retrocesso democrático.

24 agosto 2016

 

As Benevolentes


 

Comecei a ler, há cerca de uma semana, “As Benevolentes”, de Jonathan Littell. Vai com sensível atraso, mas eu não leio os livros segundo as modas. Umberto Ecco disse numa entrevista que só lia livros com mais de dez anos, porque se tinham resistido durante esse lapso de tempo, era de encarar a sua leitura. Disse-o com humor, evidentemente, mas há na afirmação uma boa dose de verdade. Hoje, lê-se muito por moda, segundo os ritmos e as lógicas do mercado. Um livro é um objecto de consumo como qualquer outro e, na maior parte dos casos, um objecto que entra rapidamente  em obsolescência. Quando se o procura fora dos ciclos impostos pelo mercado, já provavelmente ele se não encontra nos fundos de reserva das livrarias (se é que ainda há fundos de reserva e se é que ainda existem livrarias) e o mais certo é ter já marchado para a guilhotina.  

O meu exemplar é a 2.ª edição; a 1.ª esgotou em cerca de um mês. Coisa espantosa, se considerarmos o tipo de livro em causa: 900 cerradíssimas páginas (hoje também é moda escreverem-se obras monumentais; pululam por toda a parte os Tolstoi), livro mal jeitoso, incómodo e podendo provocar danos na coluna (antigamente, faziam-se vários volumes de obras assim), mancha tipográfica densa, sem parágrafos, sem destaque para os diálogos, muitas designações em alemão, naquelas palavras compridíssimas em que só os alemães não perdem o fôlego. É preciso vencer muita resistência para ler um livro assim.

Quando apareceu, dizia-se que era a obra do século XXI. Não sei porquê. Ainda por cima, fazer esta afirmação em 2007 não seria demasiado temerário? É verdade que se trata de uma obra portentosa sobre um acontecimento em relação ao qual não cessamos de nos interrogar (a agressão nazi, a monstruosidade do Holocausto), mas não tem, por aquilo que li até ao momento, o impacto inovatório das grandes obras marcantes da 1.ª metade do século XX: “Ulisses”, de James Joyce, as obras de Faulkner, “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust, mesmo as obras de Kafka.

Vamos a ver se levo a bom porto a travessia desta floresta tipográfica.

 

16 agosto 2016

 

Descanso para todos

O PR iniciou umas curtas férias. Um merecido descanso para ele e sobretudo para nós, portugueses...

12 agosto 2016

 

A pena máxima


 

 

Já vão nuns milhares as assinaturas de uma petição que reclama a pena máxima para os incendiários. A pena máxima será a de 25 anos de prisão, limite que o nosso Código Penal prevê como não podendo ser ultrapassado em qualquer caso. A não ser que os peticionantes queiram outra pena máxima que não essa – a pena máxima máxima, a pena capital, proscrita desde 1867.  Por outro lado, não há nenhuma pena máxima que seja fixa, a não ser como limite inultrapassável. O que há são molduras penais abstractas previstas para as várias categorias de crimes – molduras que têm um limite mínimo e um limite máximo, sendo as penas em concreto fixadas, de acordo com os factores e circunstâncias relevantes, dentro das respectivas molduras.

A moldura penal mais elevada é a que corresponde ao crime de homicídio agravado – 12 a 25 anos de prisão. Porém, como o limite máximo aplicável, mesmo em caso de concurso de crimes, é de 25 anos de prisão, um indivíduo que cometa dois, cinco, dez, vinte, quinhentos crimes de homicídio nunca pode ser condenado em pena superior a esse limite de 25 anos. A menos que tenha cometido um ou vários crimes de homicídio depois de ter sido condenado anteriormente por um ou por vários desses crimes. Nesse caso, pode ser condenado em várias penas autónomas, a serem cumpridas sucessivamente. Será o caso de um indivíduo que foi condenado a 25 anos de prisão por um ou por vários crimes de homicídio, conseguiu evadir-se da prisão enquanto cumpria pena e, antes de ser recapturado, cometeu outro ou outros crimes de homicídio, sendo julgado e condenado autonomamente por esses.

Qual é então a pena máxima a que se referem os peticionários? Os vinte e cinco anos de prisão, previstos como máximo para o crime considerado mais grave de todos? O máximo da moldura penal prevista para o mais grave crime de incêndio? A pena capital?

 

10 agosto 2016

 

A tragédia dos nossos verões


O fogo é a tragédia dos nossos verões.

Durante anos, escrevi sistematicamente sobre essa tragédia. Poderia fazer uma colectânea de artigos dedicados ao tema. Indignava-me. Depois, passei a desinteressar-me, ou seja, conformei-me com a situação. Porque uma pessoa habitua-se e o hábito converte os acontecimentos numa espécie de fatalidade. Já sabemos que, quando o calor aperta, vêm os fogos. Fatalmente. Já temos quarenta anos de fogos mais ou menos violentos. Ora, essa é uma outra tragédia: a naturalização dos incêndios.

Ontem, o Público, em editorial, dizia que o problema é político. Estou em crer que sim. Que, apesar da experiência acumulada, dos estudos e dos diagnósticos realizados, dos meios que nos dizem, anualmente, serem os mais aptos, da aparente mobilização de esforços para, pelo menos, se circunscrever ao mínimo o efeito destruidor dos fogos, nada disso tem resultado. Somos o país com mais incêndios da Europa, como disse, ainda hoje, num dos telejornais, um especialista. Desgraçadamente, somos os primeiros em tudo ou quase tudo o que há de pior. Porque não somos capazes de atacar com competência, com eficiência, com sistema, os problemas que nos afligem. Mas é isto que nos faz desacreditar da nossa capacidade. Nos fogos, como no resto. Mesmo que os responsáveis nos digam que podemos estar descansados. E isto é outra tragédia.

 

Leituras e releituras de férias


 

Empreendi com gana, pela 5.ª ou 6.ª vez, a leitura de Palmeiras Bravas, de Faulkner. É uma leitura sempre surpreendente, que nos reconduz a uma espécie de estado de graça, como só a grande arte tem o poder de agir sobre nós. Ocorreu-me repegar no livro numa das caminhadas matutinas, ao longo das praias, entre Agudela e Funtão (concelho de Matosinhos), pelos passadiços de madeira existentes nas dunas. Essa ideia surgiu-me várias vezes, ao longo dos meses, mas agora impôs-se-me com uma urgência irrecusável, trazida pela maresia, evocativa do cenário do 1.º capítulo da obra – uma zona de veraneio, onde se sente o rumor do mar e o “negro vento cheio do selvático e seco som das palmas”, através do qual caminham, de noite, Harvey Wilbourne e o médico proprietário da modesta vivenda alugada por aquele, mesmo ao lado da do médico, reclamado à pressa para assistir à mulher  que acompanhava Harvey – mulher legítima?, amante?, questionava o médico, tomado de curiosidade pelos hábitos pouco ortodoxos dos seus inquilinos.

A obra foi traduzida e tem um prefácio de Jorge de Sena, que é dos textos mais esclarecedores que tenho lido sobre o escritor norte-americano (Portugália Editora, Colecção Livros de Bolso). Numa passagem desse prefácio, Jorge de Sena dá-nos conta da complexidade e mesmo obscuridade da obra de Faulkner, um escritor contemporâneo – escreve – que imensamente admiro e que muitas vezes, à leitura, me exaspera. E continua: Creio firmemente que é preciso tê-lo traduzido, ter-se lutado com o seu prodigioso, truculento e no entanto pessoalíssimo estilo de escrever e de narrar, para admirá-lo mias profundamente e lucidamente do que o permite a fascinação um pouco entontecedora que deixa a leitura da sua complexa e vasta construção romanesca. Porque, de facto, raras obras do nosso tempo são a tal ponto uma construção em que o heteróclito e o difuso se constituem elementos da própria precisão descritiva a atingir, e em que até as contradições nas atitudes do autor, ou inclusivamente a contradição entre incidentes romanescos, num mesmo romance ou de narrativa para narrativa, se imbricam no conjunto por forma a representarem partes essenciais de um todo.

Ora, aqui está a dificuldade de leitura de um dos maiores escritores do século XX e de todos os tempos confessada por outro grande escritor contemporâneo, que tão profundamente conhecia a cultura e a literatura norte-americanas, porque as viveu por dentro, como homem que adoptou os Estados Unidos da América do Norte como país de exílio.

Não deixa de ser esta uma confissão reconfortante para quem, como eu, tem passado a vida a debater-se com a obra de Faulkner. Mas as culminâncias do saber e da beleza, como de tudo o que verdadeiramente nos implica como seres humanos, só são atingidas por quem está disposto a arrostar com a aspereza do caminho. Um princípio totalmente antagónico, creio, ao espírito deste tempo que nos cabe viver – a era das redes sociais e da superficialidade da comunicação digital.

 

04 agosto 2016

 

Suspeição de juízes

A propósito das decisões judiciais sobre os "colégios amarelos" tem-se falado muito em "suspeição" sobre a imparcialidade dos juízes signatários dessas decisões. Ora, parece-me que é completamente errado enveredar pela indagação do passado cívico ou político dos magistrados, pelas posições que defenderam ou ações que empreenderam nesse domínio, para "explicar" as decisões agora tomadas. Não há juízes sem ideias, sem ideologia, não há juízes completamente neutros e "asséticos". Todos eles têm a sua visão do mundo, a sua experiência vital, uma cultura pessoal construída ao longo da vida. Claro que os juízes decidem de acordo com a lei, e segundo a sua convicção jurídica, não de acordo com a sua convicção pessoal. Mas toda a interpretação legislativa envolve juízos de valor que não são juízos matemáticos, não são operações aritméticas. Há sempre uma margem de incerteza ou de subjetividade ineliminável nas decisões judiciais. Uma margem que é eventualmente corrigível por via da submissão da decisão a recurso. Mas, para avaliar da eventual "parcialidade" de uma decisão judicial, o que importa não é averiguar qual o partido em que o juiz presumivelmente vota ou a religião que ele segue (muito menos quantos filhos tem...). O que é decisivo é avaliar a decisão em si e a fundamentação que a sustenta. Se a decisão é uma solução juridicamente admissível do caso e se está consistentemente fundamentada, não há motivos de "suspeição". Tenho dito.

03 agosto 2016

 

Liberdade condicional

Ainda a propósito de casos recentes, mas falando em abstrato, gostaria de dizer alguma coisa sobre a liberdade condicional. O problema é este: se o recluso continua a negar a prática do crime pelo qual foi condenado, é possível conceder-lhe a liberdade condicional? Isto porque a lei faz depender essa concessão da possibilidade de ser "fundadamente de esperar" que o condenado "conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes" (art. 61º, nº 2, a), do CP). E há quem argumente que, se o condenado não confessa, se não admite a sua responsabilidade, então não é possível formular aquele juízo de prognose favorável. Creio, porém, que essa será uma visão demasiado formalista da questão. O pressuposto estabelecido naquele preceito legal é de ordem material, tem a ver com exigências de prevenção especial. O tribunal tem que indagar se "atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão", como se diz no mesmo, é admissível um juízo favorável sobretudo o comportamento futuro. A lei não exige expressamente a confissão ou o arrependimento para que tal aconteça. E manifestamente aponta para uma apreciação global da situação em que todos os fatores, fácticos e de personalidade, anterior e atual, sejam conjugadamente avaliados. É evidente que a confissão/arrependimento favorecerá a formulação do juízo de prognose favorável (mas sem a determinar automaticamente!). Contudo, a ausência desse fator não pode obstar, só por si, a essa formulação. Tudo dependerá do conjunto do circunstancialismo. Doutra forma, estar-se-á a "impor" a confissão ao recluso, o que não será compatível com os princípios do direito penal. O arguido, ainda que definitivamente condenado, e mesmo depois de cumprida a pena, pode vir a todo o tempo interpor recurso de revisão com vista a provar a sua inocência. Por isso, não se lhe impor a "renúncia" a esse recurso como condição para a concessão da liberdade condicional.

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