31 maio 2016

 

A querela dos contratos de associação


Quarenta mil manifestantes a favor dos contratos de associação no domingo passado, em Lisboa. Quarenta mil com as crianças levadas pelos pais e professores. Vozes enfurecidas que clamavam pelo direito de escolherem a escola onde pretendem ver os filhos prosseguir os seus estudos. Mas o direito de escolha nunca foi posto em causa. O que se põe em causa é que se reclame a exigência de o Estado subsidiar essa escolha.

O que está na Constituição é que “o Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população”. Quanto ao ensino particular e cooperativo, reconhece-o e fiscaliza-o nos termos da lei (art. 75.º, n.ºs 1 e 2).

Neste contexto, é compreensível que o Estado recorra acidentalmente ao ensino privado para cobrir necessidades da população que ele não esteja e enquanto não estiver em condições de as prover. Não que tenha a obrigação de subsidiar o ensino privado para garantir um direito de escolha dos pais ou dos alunos, mesmo que existam escolas públicas que possam satisfazer tais necessidades.

Se os  pais preferem optar pelo ensino privado, podendo optar pelo ensino público, é justo que sejam onerados com os encargos que essa opção acarreta. Não podem é pendurar-se no Estado para que ele abra os cordões à bolsa e pague as contas dos colégios privados. E estes muito menos razão têm para reclamar o subsídio do Estado, inserindo-se como se inserem no mercado e devendo sujeitar-se às suas leis.

Também não é o facto de eventualmente o ensino privado sair mais barato ao Estado, do que o ensino público, que deverá fazer aquele recuar nos objectivos constitucionais de criar uma rede pública de ensino que cubra as necessidades da população, como lembra hoje, no Público, José Vítor Malheiros.

Assunção Cristas foi ao ponto de defender na manifestação de domingo que a escola pública não tem nada que ser privilegiada e que, na concorrência entre a escola pública e o ensino privado, a escolha deve recair no que for melhor. Pondo de parte os critérios e processos que poderiam orientar a aferição da qualidade de uma e outra das escolas, essa escolha continua a competir aos pais, não ao Estado. E competindo aos pais, compete-lhes suportar o ónus da escolha. Já se sabe que Assunção Cristas o que quer, dentro das suas opções ideológicas, é fragilizar o ensino público, como pretendeu fragilizar o serviço nacional de saúde, quando defendeu que todos os cidadãos deveriam poder inscrever-se na ADSE, que actualmente alimenta as instituições privadas de saúde. Mas isso é defraudar a Constituição.

30 maio 2016

 

Alemanha: dos gestos piedosos às convicções profundas...

A chancelerina esteve em Verdun no centenário da batalha, deu a mão a Hollande a até partilhou com ele o mesmo guarda-chuva, gesto que encerrou definitivamente os confrontos sangrentos do passado. Mas Schaeuble continua a entender que Portugal e Espanha devem ser punidos pelo défice excessivo... Regras são regras, diz ele... E o AfD, um partido em ascensão meteórica no eleitorado, é contra a integração na seleção alemã de futebol de Boateng (embora nascido na Alemanha e de mãe alemã)... Esta Alemanha parece ser cada vez mais uma fonte de instabilidade e de incertezas.

 

As escolas amarelas

Todos vestidos de amarelo, invadiram Lisboa professores, alunos, irmãos de alunos (alguns ainda infantes), pais, mães, avós, empregadas domésticas internas, e demais familiares dos mesmos alunos, das escolas privadas subsidiadas pelo Estado e que estão a ver a vida andar para trás com a decisão do novo Governo de pôr fim a uma situação absolutamente iníqua, qual seja a de subsidiar escolas privadas onde existem escolas públicas (a questão é tão simples como isto...). Invocam descaradamente a violação da "liberdade de ensino" quando ninguém as quer proibir de ensinar, apenas lhes quer tirar a "mama" do subsídio público (que elas, escolas privadas, capitaneadas por liberais convictos, deveriam ser as primeiras a recusar). O "investimento" feito na manifestação de ontem (investimento político e investimento financeiro...) mostra que a direita (o CDS exibiu-se na primeira fila) aposta nesta frente de combate e quer fazer dela uma batalha política frontal contra o novo Governo. Qualquer cedência do Governo seria obviamente uma derrota política grave não só para a área da educação, como para toda a estratégia política do Governo, que sairia claramente enfraquecido a nível global. Estou seguro que o Governo sabe disso e não vai ceder.

19 maio 2016

 

O pacto do ensino


Há dias ouvi, na rádio, uma habitual colaboradora dizer que a questão do ensino não podia estar sujeita às flutuações de cada governo que estivesse a exercer o poder. Tinha de ser objecto de um pacto alargado entre as forças políticas. Referia-se, como é evidente, à polémica surgida a propósito dos contractos de associação com os colégios privados.

Como o problema surgiu com as medidas tomadas pelo novo governo nesse âmbito, o facto que despoletou a observação da colaboradora foram essas mesmas medidas, como se elas tivessem vindo alterar um estado de coisas que, em princípio, devesse ser respeitado em nome da estabilidade.

Ora, o que se impõe perguntar é o seguinte: não foi o anterior governo que começou por alterar um estado de coisas existente, ensaiando uma política de protecção de certos sectores do ensino privado com desvantagem para o ensino público, indo para além dos limites que a Constituição consente, no que diz respeito ao emprego dos recursos públicos em matéria de ensino e em virtude dos quais o ensino privado deve ser subsidiário do ensino público, suprindo carências deste, onde elas existam e enquanto existirem? E não o fez no último ano do seu mandato, como aliás aconteceu noutros domínios fundamentais, projectando as suas consequências para um futuro que poderia já não ser o da continuação da sua política, tão marcada por uma determinada visão ideológica?

Pois se assim é, então o governo anterior é que deveria ter respeitado o “pacto constitucional” – único que se impõe respeitar e ao qual todos os outros se devem submeter.

06 maio 2016

 

A propósito do herbicida cancerígeno e outras coisas mais


Agora toda a comunicação social se preocupa com o glifosato, o herbicida que provoca o cancro. Trata-se de um químico largamente usado na agricultura, principalmente  em certas zonas do país, e também para eliminação de ervas na margem de ruas citadinas.

Como em tudo o mais, é quando a casa começa a arder que nós nos lembramos dos bombeiros. E vêm declarações de entidades públicas, de políticos, a prometer a análise da situação e a eliminação do herbicida que elimina ervas daninhas e dá cabo das pessoas. Mas, pelos vistos, o alerta contra o referido herbicida já vem de trás e, salvo erro, já foi objecto de declarações públicas no passado. Quando é que se passa das declarações aos actos?

Esta é uma velha pecha nossa – a forma relaxada com que encaramos problemas de responsabilidade colectiva. Vamos ainda pensar, quando já devíamos ter actuado. Periféricos como somos, podíamos, talvez, tirar algum benefício do nosso atraso; aproveitar a experiência de outros, mais avançados, e não cairmos em erros e práticas ruinosas em que esses outros já incorreram e estão em vias de os eliminarem ou já os eliminaram, quando nós os vamos copiar, para depois, com o sinal vermelho claramente aceso, pensarmos em solucionar o problema.

O glifosato parece que é largamente usado na agricultura portuguesa em múltiplas aplicações e também no cultivo de plantas transgénicas, especialmente o milho, milho esse que está a ser produzido no nosso país em circunstâncias que não são muito bem conhecidas, quase em regime de clandestinidade. Em princípio esse produto não seria para ser usado directamente na alimentação humana, mas, segundo me disseram, não há controle sobre o seu uso, podendo servir para fabrico de boroa de milho, sem que se saiba, pois a farinha usada pode conter milho transgénico e os produtos que se adquirem na padaria não contêm a informação relativa ao seu fabrico, nem ao modo como são obtidas as matérias que entram na sua produção. Claro que já existe perigo no facto de o milho transgénico ser usado na alimentação de animais e, por essa forma, entrar na cadeia alimentar, mas usá-lo directamente acarreta um perigo acrescido, para além de a omissão de informação sobre o seu uso traduzir um desrespeito, pelo menos, por normas de precaução e pelos direitos do consumidor.

Mas não é só do glifosato que se trata; é, genericamente, do uso e abuso de substâncias químicas na produção agrícola e frutícola, tão irresponsável e arbitrariamente usadas, que mesmo os produtos adquiridos nas feiras tradicionais ou directamente a pequenos produtores estão sob suspeita, às vezes até em maior grau, pois a ignorância é maior e há menos controle desse tipo de produção. O consumidor é também, por vezes, mais induzido em erro, por força da sua própria ignorância e da sobrevivência de uma “ideologia do campo”, porque pensa que, adquirindo “produtos da província” ou pretensamente “caseiros”, está mais protegido. Aliás, nunca houve, como agora, o recurso a essa ideologia (talvez, até “mitologia”) para atrair o consumidor, sinal de que, quanto mais são as referências a uma mítica província, aos ares lavados da serra e às fontes virginais da natureza, mais longe estamos de tudo isso.

A comunicação social, em especial a televisão, bem poderia dedicar mais um pouco do seu tempo a essa problemática, mas, já se sabe, isso são temas que não interessam ou, pelo menos, não têm a acuidade de temas como o futebol, as telenovelas e as intrigas da política e da sociedade. No tipo de ideologia em que vivemos imersos, o que é fundamental é secundário e o que é secundário é fundamental.

Mas, já agora, duas observações mais:

No tempo dos governos de Cavaco Silva, acabou-se com a agricultura, em nome do eldorado da CEE. Viu-se ao que isso conduziu. Podia-se ter fomentado uma agricultura saudável, de pequena escala, do tipo de agricultura biológica, hoje cada vez mais em voga, mas preferiu-se distribuir dinheiro da dita CEE para acabar com a nossa produção agrícola.

A outra observação diz respeito ao Tratado Transatlântico que está a ser negociado entre a União Europeia e os Estados Unidos da América. Negociado? Alguém sabe do que se passa? Esse famoso tratado, que anda a ser “tratado” subterraneamente, com mil cuidados, soube-se agora, por uma das benéficas fugas de informação que têm vindo a acontecer, que fortes lóbis do outro lado do Atlântico, a começar pelo presidente Obama, e também deste lado, militam a favor do aplanamento de algumas barreiras que ainda subsistem na Europa ao “livre comércio”, como, por exemplo, o uso de pesticidas, os transgénicos, as experiências laboratoriais com animais para o fabrico de cosméticos, para além de uma maior “flexibilização” das leis do mercado laboral (sabem o que isto quer dizer, não sabem?) e outros atropelos justificados por uma maior “liberdade comercial”.

Por que negociarão tão em segredo? Por que andam sempre com a palavra “transparência” na boca, como conatural à democracia, e tão facilmente escamoteiam a transparência e metem ao bolso a democracia?

 

03 maio 2016

 

Quem anda a reverter o quê?


Muito têm os representantes da política dos últimos quatro anos verberado com acrimónia as reversões a que este governo tem procedido. Mas que outro rumo poderiam as coisas tomar, senão o de se reverter o que foi feito? Na verdade, o que eles fizeram, uma vez aos comandos da governação, foi aproveitarem-se dessa circunstância para mudarem de cima abaixo a sociedade portuguesa, aos níveis económico, social, laboral e político, retirando peso, influência e poder às classes médias e aos trabalhadores, transferindo para o capital rendimentos que sonegaram a essas classes e aos beneficiários de pensões e prestações sociais, privatizando açodadamente empresas do sector público e de carácter estratégico, alienando património a estrangeiros, pondo em causa o Estado social. Ou seja: não fizeram outra coisa, senão reverter o que tinha sido construído e se fora solidificando, com resistências, ao longo de décadas. Foi a primeira tentativa radical de inflectir tudo o que se conquistara e remanescera do “25 de Abril”. Uma tentativa de liquidação total da sua herança e do que dela subsistira na Constituição.

Foram medidas estruturais as que tomaram? Se o foram, o sentido dessas medidas era o de uma desestruturação do que estava estruturado, ou uma estruturação contrária ao Estado de direito social plasmado no texto constitucional.

Admiram-se, então, de não se respeitar o que eles andaram a destruir?   

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