18 abril 2016

 

Impeachment

Estive ontem à noite a assistir ao espetáculo do "impeachment" (palavra brasileira que quer dizer "destituição", e que brevemente será adotada em Portugal). Fiquei completamente consternado e atemorizado... Fiquei consternado com a verbosidade vazia, a demagogia barata, a conversão de um ato institucional (a votação de um relatório para destituição da PR) num espetáculo televisivo/desportivo de várias horas, com uma agressividade progressiva, à boa maneira do Big Brother... Fiquei atemorizado com o teor das declarações de voto. A bancada evangélica, a bancada da bala, a bancada dos grandes interesses económicos (da finança à indústria, ao latifúndio) desfilaram arrogantemente, sempre invocando deus (nunca esse nome foi tantas vezes invocado em vão), a família (a mulher, os filhos, os netinhos...), a querida terra natal e o amado Brasil, mas não escondiam a pressa em deitar por terra as medidas sociais dos últimos anos. A esquerda saiu derrotada, como era previsível face à composição da Câmara de Deputados saída das últimas eleições. A PR está claramente encurralada e a única possibilidade de a esquerda recuperar a iniciativa é avançar para eleições presidenciais. Só assim se relegitimará. Mas penso que não será com Dilma (que não tem autonomia, nem credibilidade neste momento), nem com Lula, apesar do seu passado, porque ele se tornou, com as revelações da investigação judicial, mais um problema do que uma solução. Enfim os brasileiros é que sabem... Mas uma coisa eu sei: se a esquerda brasileira se insurgir contra o "Lava Jato" para proteger Lula estará a suicidar-se. A esquerda, volto a dizer, não tem contemplações com a corrupção. Onde há corrupção não há esquerda. E isto é válido tanto em Itália, como em Portugal, como no Brasil!

10 abril 2016

 

Mario Draghi


 

 

Mario Draghi veio ao Conselho de Estado defender as políticas do anterior governo e mandar recados ao actual, lançando dúvidas sobre a sua política orçamental, proclamando a necessidade de continuar as reformas estruturais empreendidas por Passos, nomeadamente no que respeita ao mercado laboral e dizendo que era preciso fazer uma revisão constitucional.

Isto já se sabia ou supunha que ele pensava; que ele tivesse o desplante de o afirmar com tanta sobranceria (para outros será franqueza) é que não se estava à espera. Pelo menos eu, não.

Que o presidente da República se lembrasse de o convidar para o primeiro Conselho de Estado, acho que está dentro da sua “idiossincrasia” e da sua proclamada vontade de trazer as partes desavindas a uma convivência harmónica.

08 abril 2016

 

Draghi: a voz da oposição no CE

A participação de Draghi na reunião do CE foi de facto um acontecimento inédito. Não tanto afinal pela abertura a um estranho, o que continua a parecer-me absolutamente inconstitucional (embora a intromissão tivesse ficado restringida a uma "primeira parte" da reunião), mas sobretudo pela atitude assumida pelo mesmo. Na verdade, o que Draghi fez no CE foi, pura e simplesmente, a crítica frontal da política económico-financeira assumida pelo governo português e votada na AR, elogiando o governo passado e derrotado nas urnas... O que Draghi fez foi oposição ao governo português legítimo!!! E, para que não houvesse dúvidas, publicou a sua intervenção na página do BCE. Trata-se de uma ousadia desmedida, denunciadora da sobranceria com que os órgãos dirigentes da UE olham para Portugal. O PR não pode ter sido apanhado de surpresa; se o foi deveria ter reagido! Que Draghi viesse enunciar exprimir os pontos de vista do BCE, em termos genéricos, admitir-se-ia. Agora que venha dizer que o governo português está a seguir o caminho errado e que deve arrepiar caminho e voltar atrás, aos saudosos (para ele) dias de Passos Coelho, parece-me uma injúria à soberania de Portugal!

07 abril 2016

 

Os Panama Papers


 

 

Os Panama Peipers vieram-nos dar uma ideia da face frankenstainiana dos chamados paraísos fiscais. A monstruosa engenharia de fraudes arquitectada para esconder as grandes fortunas mundiais, subtraindo-as ao cumprimento de obrigações fiscais nos países de origem dos seus titulares e ocultando, quase sempre, a sua proveniência criminosa.

Ao mesmo tempo que vai gozando as delícias desses paraísos, mandando às urtigas o Paraíso dos Evangelhos, onde, pelos vistos seria muito mais difícil a um rico nele entrar, do que a um camelo passar pelo fundo de uma agulha, a comandita que os frequenta vai condenando sem remorsos a grande maioria da classe dos “contribuintes” ao Inferno, onerando-a com o peso fiscal e degradando a qualidade de vida dos outros mortais, através da sonegação dos rendimentos ao circuito da redistribuição social da riqueza. Depois de os terem conseguido por formas tortuosas, claramente ilícitas ou explorando, ainda que por formas lícitas, a força de trabalho de quem, muitas vezes, não tem a devida protecção legal em matéria laboral e de direitos fundamentais, esses gozadores dos paraísos fiscais ainda furtam os rendimentos assim obtidos a formas de controle tendentes a criar mais justiça social.

E fazem-no recorrendo a laboriosas e intrincadas aldrabices cujo deslindamento se vem a revelar num xadrez complicadíssimo, para, depois, a sua bateria de advogados vir acusar as instâncias judiciais de falta de celeridade, de incompetência e de desrespeito pelos seus sacrossantos direitos.  

06 abril 2016

 

O Conselho de Estado com mais um membro?

Três ilustres constitucionalistas avalizaram o "convite" do PR a Mario Draghi para a reunião do CE de amanhã. E eu, que não sou constitucionalista nem ilustre, tenho muitas dúvidas sobre a legalidade (constitucionalidade) da participação daquele alto funcionário europeu no nosso CE. Passo a explicar. O CE é composto exclusivamente pelas personalidades referidas no art. 142º da Constituição, do qual não consta aquele funcionário. Claro que o PR pode convidar quem quiser para reunir com o CE. Será talvez até positivo reunir o CE com o "patrão" do BCE. Mas antes ou depois da reunião do CE! Pode o PR convidá-lo para um almoço com os conselheiros, pequeno-almoço, lanche, jantar (ou "brunch" eventualmente), mas fora das reuniões formais do CE, nas quais só os membros podem participar. Aliás, mesmo presumindo que a reunião do CE não terá como objetivo obter o conselho do órgão para a dissolução da AR, a demissão do Governo, ou a declaração de guerra (als. a) a d) do art. 145º da Constituição), mas apenas aconselhar o PR sobre o exercício das suas funções (al. do mesmo artigo), que fará Draghi? Tem legitimidade para aconselhar um PR (de um país soberano) a exercer as suas funções? Vai votar o parecer do CE? Ou apenas mandar umas bocas? Ou não vai haver sequer parecer e a reunião do CE vai ser uma conversa informal, entre um grupo de amigos, coisa que a Constituição não prevê, impondo a emissão e publicitação de um parecer (art. 146º da Constituição)? O PR ainda agora começou mas já inventa... Tudo, claro, dentro da presidência de proximidade e afetividade, extensiva a Frankfurt... E certamente as invenções não vão ficar por aqui... Tem 10 anos para exercitar a sua fértil imaginação...

05 abril 2016

 

Ainda o caso brasileiro


 

Começo por dizer que é salutar a discordância manifestada por Maia Costa em relação às dúvidas que exprimi sobre a actuação de certos magistrados brasileiros no caso Lula, em particular sobre a intercepção e divulgação da escuta em que foi apanhada a conversa daquele com a presidente Dilma.

Não vejo necessidade de alterar a minha posição. O juiz Sérgio Moro resolveu captar e divulgar a referida escuta e, quanto a mim, essa captação e divulgação deixam muitas dúvidas quanto à sua legitimidade, quer do ponto de vista deontológico, quer do ponto de vista da sua legalidade. Certo que o alvo da escuta não era Dilma, mas Lula, tendo aquela sido apanhada por “tabela”. Embora concedendo nesse ponto, a verdade é que, em primeiro lugar, a referida escuta foi efectuada já depois de terem sido cessadas pelo mesmo juiz as intercepções telefónicas, pelo que, dando o dito por não dito, o juiz procedeu de uma forma arbitrária, à revelia da sua própria decisão; em segundo lugar, o juiz deu-se pressa em divulgar a mesma escuta e se a intercepção já foi realizada de forma irregular, a divulgação exaspera o sentido de desvio que parece ter presidido a essa actuação. Mesmo a ter sido legal a intercepção, a divulgação da escuta parece-me totalmente  fora das regras deontológicas e da legalidade processual, embora eu não conheça o que diz a lei brasileira sobre este aspecto. Porém, houve muitas reacções de juristas a denunciar o método utilizado, incluindo pelo menos um juiz do Supremo Tribunal Federal.

Ao proceder dessa forma, o juiz Moro quis ser protagonista e intervir, não já juridicamente, mas na esfera política. Não existe nenhum interesse público fora da investigação que justifique tal divulgação. Os juízes não podem actuar tendo em vista o efeito no público que a sua actuação possa provocar, ou visando o apoio da opinião pública para as suas actuações processuais. Isso parece-me completamente inaceitável e tributário de uma ideia “justiceira”da justiça, em que os magistrados, seja a coberto de um arquétipo que colhe referências na “Operação Mãos Limpas” italiana, seja por se sentirem investidos de um ideal de pureza acima de toda a suspeita, julgam levar a cabo uma missão superior que eu designei de “missão salvífica”. Acho isso perigoso.

 

Sarkozy: outra vítima do ativismo judiciário

Também em França há indícios de "intervenção" judicial no sistema político. Sarkozy viu umas escutas com o seu advogado validadas pelo Supremo francês, escutas essas que revelam a tentativa de aliciar um juiz, oferecendo-lhe contrapartidas, para obter informações sobre um processo que corria termos contra Sarkozy e se encontrava em segredo de justiça. Coisa insignificante, portanto... Contudo, com o avançar do processo, Sarkozy pode ver prejudicada a sua intenção de se candidatar às presidenciais de 2017... E quem tem a culpa? O Supremo, evidentemente! Espera-se uma reação indignada dos indignados lulistas por mais esta intromissão abusiva dos tribunais na vida democrática.

03 abril 2016

 

Leituras atrasadas mas atuais

Atrasei-me, devido à época festiva, na leitura do jornal, mas não posso deixar de voltar ao tema "Lula", apesar do atraso e de ter sido já abordado pelo Artur Costa. Eu tenho de discordar em alguns pontos da análise do meu amigo Artur sobre a atuação do juiz Sérgio Moro. Na verdade, entendo que a escuta feita à Presidenta nada tem de ilegal. Foi uma escuta fortuita, não foi ela o alvo da interceção, mas sim Lula; se as afirmações de Dilma apareceram gravadas foi porque ela falou com o seu amigo. Estando a escuta do telemóvel de Lula autorizada judicialmente, nenhuma ilegalidade foi cometida. Quanto à divulgação da conversação entre os dois, a questão é bem mais complexa. Em todo o caso eu direi: o conteúdo da conversação é de tal forma ignóbil (prometer nomear Lula ministro, não para "ministrar", mas para fugir ao braço da justiça e da lei) que francamente acho que democraticamente é salutar a sua publicação. Francamente, os cidadãos brasileiros não têm o direito de saber como se cozinham impunidades ao mais alo nível do poder? Não têm o direito de conhecer o nível ético-político dos seus governantes? Falar de "desordem jurídica", invocar formalismos jurídicos não será excessivo num caso de tamanha gravidade? E a propósito de "desordem jurídica" não posso deixar de fazer um comentário ao artigo de Boaventura de Sousa Santos do passado dia 30 de março, já aqui comentado pelo Artur Costa, com ele concordando, mas querendo aditar algumas coisas... Já diversas vozes distintas da esquerda portuguesa se tinham elevado em defesa de Lula, como anteriormente de Sócrates, insurgindo-se contra as autoridades judiciárias que os “perseguem” e lançando todas as suspeições sobre os inquéritos criminais em curso. Mas o artigo de Boaventura de Sousa Santos, quer pela “teorização” que desenvolve em torno do “sistema judicial”, quer pelo prestígio do seu autor, merece uma reflexão. Começa por dizer que há trinta anos os “tribunais tinham uma função relativamente modesta na vida orgânica da separação de poderes instaurada pelo liberalismo político moderno”, mas tudo mudou até aos nossos dias. E para essa mudança contribuíram “a crise de representação política que atingiu os órgãos de soberania eleitos, a maior consciência dos direitos por parte dos cidadãos e o facto de as elites políticas, confrontadas com alguns impasses políticos em temas controversos, terem começado a ver o recurso seletivo aos tribunais como uma forma de descarregarem o peso político de certas decisões”. Daí surgiu o “ativismo judiciário” que tanto preocupa BSS. Os tribunais ganharam assim espaço por culpa dos órgãos eleitos, que entraram em crise (porquê?), da maior consciência dos cidadãos (ainda bem, não é?), e da “descarga” de responsabilidades por parte das elites políticas (sacanas!). Não tivesse nada disto acontecido e os tribunais continuariam adormecidos no seu cantinho, o seu lugar natural… Porém, esta visão das coisas é completamente anacrónica. O sistema político-constitucional vigente não é de forma alguma (e estranha-se que BSS não tivesse ainda dado conta disso) o do “liberalismo político moderno”, mas sim o do estado constitucional de direito, que chegou a Portugal com o 25 de Abril, que pôs no centro da vida política a constituição, uma constituição rígida, o que confere um novo vigor ao poder judicial, encarregado de fiscalizar o cumprimento da constituição, a legalidade dos atos da administração pública, e julgar da realização do catálogo de direitos fundamentais, que é diretamente aplicável, e portanto judicializável. Esta reconfiguração do sistema de poderes envolveu naturalmente um poder judicial independente (com um MP autónomo), garantia indispensável para a realização das suas tarefas. Uma independência que lhe permitiu (procurar) levar a sério a efetivação das suas competências nas diversas áreas, incluindo a penal. O alegado “ativismo judiciário”, que em Portugal teve em geral um desenvolvimento modesto infelizmente, resultou da assunção pelo poder judicial dos poderes que a Constituição lhe confere, não de qualquer usurpação de poderes… Porém, BSS, refugiado na sua conceção jacobina do poder, não pode compreender que os magistrados confrontem membros dos outros poderes do Estado (os eleitos…). Por isso ataca a operação Mãos Limpas, à qual acusa de abrir as portas a Berlusconi… Deveriam pois os magistrados italianos ter fechado os olhos a todo o sistema de corrupção montado pelo “arco de governação” italiano (democracia cristã + PSI) durante décadas… BSS não o diz expressamente, claro, mas resulta inequivocamente das entrelinhas… (Errou quem disse que a corrupção mina a democracia! Afinal, em Itália a corrupção sustentava a democracia, e depois vieram os magistrados complicar as coisas!... O combate à corrupção deve cessar quando chega aos titulares de cargos políticos…) Mas as maiores dores de BSS é com Lula. O sistema judicial brasileiro é acusado de provocar a “desordem jurídica” e pôr em perigo a democracia brasileira… Não é portanto o crónico e enraizado sistema de corrupção que é gravemente suspeito de envolver o sistema político-partidário que põe a democracia brasileira à beira do caos!!! É combater a corrupção que mina a democracia!!! Contudo, as dores de BSS são também (e fortes) com a justiça portuguesa. Reconhece, vá lá, que “há um inequívoco sinal de perda de impunidade de quem tem poder e dinheiro”. Mas logo acrescenta a suspeição de que há “seletividade” na in-vestigação criminal. A máxima dor de BSS é mesmo José Sócrates (e como é estranho o empenhamento na sua defesa…). E lança um aviso solene (e perverso): ou ele é acusado e condenado ou então a “justiça” portuguesa vai mesmo ao fundo… (Devem então os magistrados pugnar pela verdade e pela justiça, como estatutariamente lhes cabe, ou antes, perversamente, pela condenação a todo o transe?) E adianta desde já (e prevenindo a hipótese de condenação): “independentemente da culpabilidade que se venha provar”, “alguma relação deve haver” entre o processo e o facto de José Sócrates ter dito em 2005 que queria acabar com os privilégios dos magistrados judiciais!!! Portanto, mesmo que se venham a provar os factos e o “réu” (sic!) condenado, a motivação profunda dos magistrados não será a de perseguir crimes praticados pelo dito “réu”, mas apenas uma vingança mesquinha… (eu tendo a pensar que quem atribui intenções maldosas aos outros mais não faz do que confessar o que faria pessoalmente se estivesse naquelas situações…). Por último, e retomando o tema “seletividade”, BSS sugere uma indagação à atividade do MP (não indicando porém o meio), lançando uma suspeição generalizada sobre esse órgão, que será deliberadamente seletivo, insinua fortemente BSS, ou seja, infringindo o princípio da igualdade, que o deve orientar. Para sustentar essa “tese” cita uma série de casos avulsos, completamente diversos uns dos outros, sem qualquer rigor nem fundamento... Não adianta qualquer explicação porém para a alegada “seletividade”… Que interesse teria o MP nisso? Será que o MP está ao ser-viço de alguém? E quem no MP é responsável, a PGR? Ou haverá algum magistrado, ou não magistrado, na sombra a controlá-la? Algum poder oculto a manipulá-la? Qual? Não o diz BSS. Mas ao lançar a lama da insinuação sem provas, essa poderá fazer o efeito de ricochete e virar-se contra o emissor… Por fim, quero também fazer uma referência a um artigo ("Contra o muro") de Rui Tavares, de 21 de março no "Público" (mais uma vez peço esculpa pelo atraso...). Diz ele "As suspeitas sobre Lula não são propriamente avassaladoras - ocultação de posse de um apartamento que ele diz ter desistido de comprar e de um banal sítio de férias - e francamente ridículas, se pensarmos no habitual para a escala brasileira." Não reparou Tavares que esta afirmação é completamente "assassina" para a classe política brasileira e para o próprio Lula? Admitir complacentemente que é de fechar os olhos à "pequena" corrupção dos responsáveis políticos, que esta só é mesmo corrupção a partir de certo montante (qual?) não é a pior "ajuda" que se pode dar a Lula? Parafraseando Álvaro de Campos, direi: porra, é esta a esquerda portuguesa?

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