27 novembro 2015

 

Patético

No seu discurso de derrota, na tomada de posse do novo Governo, o PR teve um assomo de leão ferido e, depois de lançar os piores presságios sobre o futuro do Governo, avisou ameaçadoramente que mantém todos os seus poderes, para logo acrescentar "exceto o de dissolver a AR". Ou seja, ameaçou com o uso de todos os poderes, mas reconheceu que lhe falta o único poder que lhe daria realmente poder... Patético. Um final de mandato penoso. Nunca se viu uma coisa assim desde o 25 de Abril.

25 novembro 2015

 

A indigitação do novo governo


O presidente da República não teve outro remédio senão indigitar António Costa para formar governo. Até certo ponto, pode dizer-se que foi vítima das suas próprias armadilhas, primeiro, ao resistir ao apelo de sectores da oposição, sobretudo da área socialista, para marcar as eleições para antes das férias de Verão, a fim de dar tempo a que o novo governo saído das eleições apresentasse o orçamento a tempo; depois, ao anunciar que só daria posse a um governo estável, sólido, rejeitando a ideia de um governo minoritário; finalmente, ao alinhar os princípios nucleares a que devia obedecer esse governo ou um acordo de incidência governamental ou parlamentar entre partidos para a formação do governo, pensando, desse modo, arrumar com os partidos à esquerda do PS.

Tudo isso lhe saiu furado, metendo-se num beco sem saída caracterizado pela diminuição drástica dos seus poderes, por força de o acto eleitoral recair no período constitucional em que lhe era defeso dissolver a Assembleia da República. Saiu-lhe, além disso, frustrada a tentativa de ligar o PS aos partidos de direita que exerceram o governo durante os últimos quatro anos (ao que ele chamava “cultura de compromisso”). E, finalmente, teve que acabar por conferir posse a um governo minoritário do PS com apoio parlamentar dos partidos à sua esquerda, que, no seu plano e na sua conformação ideológica, deveriam estar completamente arredados do poder.

Imagino o sofrimento, o desespero e a contrariedade que essas voltas que a História deu, no fim do seu mandato e que ele, de modo nenhum esperava, lhe devem ter causado. Ele bem tentou outro desfecho, vendo-se no autofabricado “beco sem saída”, mas não conseguiu, de todo em todo, dar-lhe a volta.

Atentando no ínterim que foi criado entre as eleições e a tomada de posse do governo do PSD/CDS e no alongado intervalo que se lhe seguiu entre a rejeição desse governo e a indigitação de António Costa, tendo feito arrastar o processo com audições de carácter corporativo, uma ida à Madeira e outras coisas mais, é-se levado a pensar que o PR esperava que sobreviesse alguma sacudidela em sectores da sociedade portuguesa, reacções internacionais desfavoráveis ao processo, tanto da EU, como de outras instâncias, principalmente as célebres reacções dos mercados e, até, provavelmente, alguma deterioração da situação, que suscitassem uma reviravolta salvadora. Nada disso aconteceu.

Houve, sim, foi a reacção quase sempre destemperada de membros do governo rejeitado e um grande alarido na comunicação social, onde campeavam analistas avessos a esta solução governativa, que se mobilizaram para uma campanha sem precedentes, muitos deles colunistas de periódicos e comentadores nos audiovisuais que, em vez de opinião, fizeram militância político-partidária, apontando o descalabro que aí vinha, usando uma linguagem muitas vezes de cunho fraudulento, multiplicando insinuações e descobrindo diferenças ou mesmo pequenos detalhes entre programas partidários, que agigantavam ao ponto de aparecerem como obstáculos intransponíveis ou impossibilitadores de uma ligação tida como contranatura. Isto, quando o que estava e está em causa é um apoio de partidos de esquerda a uma solução de governo com princípios mínimos de salvaguarda do Estado social, e não, ao contrário do que foi trombeteado, uma espécie de revolução bolchevista. Parece incrível, mas é verdade.  

24 novembro 2015

 

Até que enfim!

O PR acabou por tomar a única solução constitucional, a que permite a formação de um governo com apoio parlamentar maioritário. Tanto tempo para afinal fazer a única coisa que desde o princípio podia fazer!!! Ainda ontem, tentou a última jogada procurando impor mais "garantias"... Acabou por aceitar as mesmas que já tinha e, manifestamente derrotado, nomear António Costa, informando o País não através de uma das suas grandiloquentes "comunicações aos portugueses", mas por um comunicadozinho escrito colocado no site da presidência... Estará a estas horas ainda a engolir o elefante vivo... Será certamente uma refeição demorada... Está a chegar ao fim a presidência mais indigente e sectária desde o 25 de Abril, a única aliás que merece esses qualificativos. Faltam ainda dois meses, esperemos que não haja mais estragos presidenciais. Depois, boa viagem até â Quinta da Coelha!

21 novembro 2015

 

Auto de S. Bento

(A cena passa-se numa sala reservada do Palácio de S. Bento)
 
Passos – Ganhámos as eleições, temos o direito de governar.
Costa – Pois então governem.
Passos – Apelamos a que vocês se juntem a nós. Até estamos dispostos a dar-lhe um lugar no nosso governo.
Costa – Um lugar no vosso governo?... Mas nós não queremos lugar nenhum no vosso governo. Governem vocês, ora essa!
Passos – É chegada a altura de nós nos entendermos, amigo Costa. Precisamos muito da vossa ajuda. Quero eu dizer, o país precisa que nós nos entendamos.
Portas – Em nome do superior interesse nacional, amigo Costa, eu próprio estou disposto a sacrificar o meu lugar de vice no governo e dá-lo a si.
Costa – Ora, ora, ora! Não me venha com isso, seu Portas duma figa! Agora é que vocês se mostram muito generosos, mas até aqui vocês diziam cobras e lagartos de mim. E você, Portas, foi particularmente implacável comigo. Você assumiu o papel de me dar os golpes mais baixos durante a campanha.
Portas – Ó amigo Costa, campanha é campanha! Golpes verbais não são golpes reais. Você também mandou as suas farpas contra a coligação patriótica.
Passos – O que se diz na campanha eleitoral peca muitas vezes por excesso. Você também se excedeu, não me diga que não. Mas agora estamos numa outra fase – a fase de termos que nos entender, a bem do país.
Costa – Não contem comigo. Entendam-se vocês os dois.
Passos – Mas é que precisamos de nos entender os três.
Costa – Foram vocês que ganharam as eleições, não é o que dizem? Governem, pois!
Portas – Mas é que precisamos da vossa mãozinha, caro Costa.
Costa – A nossa mãozinha não é para vocês. Tirem daí o sentido. Nós sempre dissemos na campanha que não vos dávamos mãozinha nenhuma. Que era para acabarmos com o que vocês fizeram. Com que cara iríamos agora aparecer aos nossos eleitores se vos déssemos a mãozinha do nosso partido? Nem pensar. Isso está completamente fora de causa.
Passos – Então quer dizer que vão dar a mãozinha aos partidos que não fazem parte do arco da governação…
Costa – Não há nenhum arco da governação. Todos os partidos representados na Assembleia da República têm direito a participar e a fazer parte do governo. O arco da governação é uma invenção que precisa de ser destruída.
Portas – Não me diga que vai alinhar com a Catarina e com o Jerónimo?
Passos – Com os partidos radicais?
Costa – Radicais são vocês, que fizeram uma política de empobrecimento do país, de destruição de parte da classe média, de fomento da emigração em massa dos nossos jovens, de liquidação do Estado Social.
Passos – Fomos obrigados a isso pela situação em que encontrámos o país em 2011.
Portas – Vocês deixaram o país na bancarrota e foram vocês que chamaram a troika.
Costa – Isso é a vossa cassete. Mudem de disco.
Passos – Quer dizer que você está mesmo resolvido a dar a mão aos partidos da extrema esquerda?
Portas – Aos velhos comunistas?
Costa – Os comunistas já não são o que eram, já não comem criancinhas e nós não vamos dar-lhes a mão, que é nossa e só nossa. Estamos a fazer esforços sérios para um entendimento à esquerda que constitua uma alternativa ao vosso governo de direita.
Passos – Mas isso vai contra a tradição democrática de quarenta anos.
Costa – É essa tradição que queremos quebrar. Algum dia teria que ser.
Passos – Mas vocês têm o dever de deixar passar o nosso governo.
Portas – Fomos nós que ganhámos as eleições.
Costa - Deixar passar como?
Passos – Se não querem colaborar connosco, deixem ao menos a vossa mão quieta. Não a levantem a favor nem contra. Basta isso.
Costa – Nós somos homens de punho erguido; não o viramos para baixo nem o escondemos. O que você me continua a pedir é que colaboremos convosco, nomeadamente desistindo de votar contra o vosso programa, ainda que ele não corresponda à política que queremos para o país.
Passos – Mas nós é que ganhámos as eleições…
Portas – Sim, nós é que as ganhámos. Temos todo o direito de governar.
Costa – Governem, já disse.
Passos – Temos o direito de exigir, quer dizer, de pretender … que ao menos vocês não nos estorvem, isto é, que deixem passar o nosso programa, abstendo-se.
Costa – Abstendo-se de…
Portas – Votar a favor ou contra, já que não querem comprometer-se.
Costa – E então isso não é uma forma de comprometimento?  Não é isso então uma forma de lavar as mãos como Pilatos? Nem pensem numa coisa dessas. Queremos mudar de página e temos na actual composição do Parlamento força para o fazermos.
Passos - Vão então aliar-se aos radicais da extrema esquerda?.. Aos comunistas?...
Portas – Quebrar a arca da santa aliança… a arca, quer dizer, o arco da governação?
Costa – Sim, é isso mesmo que pretendemos.
Passos – Isso é roubar-nos os votos que conquistámos nas urnas.
Costa – Não, não é. Vocês é que nos querem roubar os nossos votos, subtraindo-os à maioria de esquerda que existe no Parlamento.
Portas – Isso é sequestrar os votos que, por direito, conquistámos.
Costa – Vocês é que nos querem sequestrar os nossos votos, impedindo-nos de votarmos como queremos.
Passos – Ai ele é isso?... Pois vamos dizer que nos roubaram.
Portas – Vamos dizer que nos sequestraram.
Costa – Já nos habituámos às vossas saídas teatrais.
 
(Passos e Portas vêm à janela gritando a plenos pulmões e fazendo grandes gestos de desgraça)
Passos – Estamos roubados!
Portas – Estamos sequestrados!
Passos – Não nos deixam governar!
Portas – Aqui d’el- rei! Ó povo deste país! Não nos deixam governar!   
 
António Artô

 

Senhor Presidente, não invente!

Senhor Presidente, já chega! Para quê o arrastamento de uma situação absolutamente insólita: um governo nado-morto, rejeitado pela AR? Para quê este desfile interminável em Belém de personalidades (escolhidas a dedo), associações, partidos, cujas opiniões sobre a situação política é publicamente conhecida? O programa com que o PS se propõe governar, em aliança com a esquerda, não é para ser avaliado e avalizado em Belém, mas sim em São Bento, pelos deputados eleitos. É que o nosso regime político é, desde 1982, essencialmente parlamentar, dependendo o governo unicamente da AR. É elementar, vem nos livros... É certo que o regime tem uma componente presidencialista: o PR tem um poder enorme, tem o poder de dissolver a AR. É a isso que se chama em linguagem jornalística a "bomba atómica". Mas o PR não deve ser nenhum bombista compulsivo. O PR pode não gostar do programa anunciado, pode ser um programa contrário à sua maneira de ver os interesses do país, mas tal não bastará para legitimar a detonação da bomba. Mas ainda que se admitisse que o PR pudesse fazer uma interpretação "generosa" desse seu poder incendiário, ainda assim, há que recordá-lo, esse poder está subtraído ao arsenal de Vossa Excelência até ao fim do seu mandato. Por isso, parece não haver outra saída, que seja constitucional, e não passa pela cabeça de ninguém que seja adotada uma solução inconstitucional, que não seja a nomeação do secretário-geral do PS para primeiro-ministro. Há quem diga que o nado-morto poderia (sem violar a Constituição) ir vegetando por alguns meses, à espera de melhores dias... Parece, porém, que isso não corresponderia ao "regular funcionamento das instituições", que ao PR cumpre vigiar e fazer cumprir... Uma AR foi eleita recentemente, traduzindo a vontade do povo, e está no pleno exercício das suas funções, produzindo legislação. É essa AR que tem legitimidade para sustentar um novo governo. E o país precisa de um governo, ou pode passar sem ele? Por tudo isto, senhor Presidente, decida, e por favor não invente!

17 novembro 2015

 

Hollande no mau caminho

Hollande parece estar a seguir um caminho demasiado parecido com o de Bush, o que é mau. Também Hollande declara estar em guerra com o terrorismo, também mandou bombardear à toa posições alegadamente dos terroristas, e internamente reclama uma revisão constitucional para o PR ter mais poderes excecionais em situações como a agora vivida (uma espécie de "Patriot Act"?)... Todos os presidentes franceses se sentem de alguma forma herdeiros de Napoleão (o I, claro), mas os tempos não aconselham muito opções imperiais... A par da investigação dos factos ocorridos na noite do dia 13 e da perseguição dos autores dos atentados terroristas, Hollande também deveria mandar estudar por que razão "franceses mataram franceses", como ele próprio reconheceu... E para quê aqueles bombardeamentos desenquadrados de qualquer estratégia, mesmo apenas de tipo militar? O problema do terrorismo hoje resulta e situa-se na Síria, por casa de uma guerra civil que o ocidente estimula, ajudando os "moderados" (ou seja, os aliados do ocidente), porque o objetivo do ocidente na Síria é simplesmente derrubar o regime ali instalado, não por ser uma "ditadura", mas porque é um regme não alinhado com o ocidente e inimigo de Israel... Não é nenhuma "primavera árabe" que o ocidente quer na Síria, mas uma "primavera à moda de Washington", e para isso move a guerra contra o regime sírio, desastabilizando toda a região e criando as condições ideais para a proliferação do terrorismo... O que a Síria precisa é de paz; e essa paz só chegará com a procura negociada de uma solução política, uma negociação que inclua todas as forças que estão no terreno e sejam representativas das diversas correntes do povo sírio, entre as quais obviamente o partido que está no poder e que o ocidente quer excluir de qualquer negociação, o que é além do mais irrealista. Sem paz na Síria continuará a haver terrorismo e refugiados aos montes a bater às portas da Europa...

12 novembro 2015

 

Assis e o seu mestre Glucksmann

A morte de Glucksmann veio mesmo a propósito para Assis revelar o nome do seu mestre. Este artigo saído hoje no "Público" da pena de Assis, bem alinhado com as posições político-ideológicas reacionárias do mestre, parece uma crónica dos anos mais frios da guerra fria, tal a carga anticomunista primária que o impregna. Será que Assis não sabe que a União Soviética já não existe? Que a guerra fria acabou? Para quê este panegírico de um "ocidental sem vergonha do ocidente", em cuja imagem inequivocamente Assis se revê? Será que o seu Ocidente está em perigo, ameaçado pela invasão dos bárbaros bolchevistas? (Estará a sra. Merkel avisada?) Ou será que o visado é afinal António Costa?

10 novembro 2015

 

Dia grande!

A demissão do governo da direita pela maioria parlamentar de esquerda é de tal forma relevante que me parece uma refundação do 25 de Abril! Aqui escrevi que não acreditava que António Costa, formado politicamente no PS anticomunista (e ministro por duas vezes em governos do PS presididos por elementos da ala direita, Guterres e Sócrates), fosse capaz de acabar com o "arco da governação". Mas foi! E explicitamente declarou o óbito de tão abstrusa construção. Aqui lhe presto a minha homenagem, por não se ter atemorizado com a "oposição interna" nem com os avisos do PR e da sra. Merkel. Este dia pode vir a ser não só um dia de recomeço para Portugal, como também para a UE, onde a Grécia está a precisar dramaticamente de companhia, onde será possível inverter o caminho da submissão à Alemanha para iniciar o da procura de novos entendimentos e solidariedades, para enfrentar ou pelo menos confrontar a ordem teutónica reinante. Um pequeno país não pode fazer tudo, como se viu com a Grécia, mas pode fazer alguma coisa, um "alguma coisa" que pode vir a abrir novos caminhos... De realçar ainda, no dia de hoje, a derrota do sectarismo à esquerda, que ainda não foi erradicado, mas que sofreu tremendo desaire...

09 novembro 2015

 

A atitude que se impõe


Se o facto de o PS não querer deixar passar com os seus votos ou a sua abstenção o programa do governo da coligação PSD/CDS, antes o rejeitando e formando uma maioria alternativa de governo com os partidos à sua esquerda, constitui uma obstrução ilegítima; se essa atitude configura uma prática inconstitucional e, mais do que isso, uma fraude, um roubo e um sequestro de votos; se há nisso uma clara atitude antidemocrática, uma usurpação de poder; se isso se vem a traduzir num golpe de Estado, como copiosamente se tem dito nestes últimos dias e na própria Assembleia da República, então, meus senhores, que o presidente da República impeça a materialização dessas ilegalidades, ilegitimidades, inconstitucionalidades e atitudes criminosas com esses exactos fundamentos e sem floreados de linguagem, denunciando o caso, para os devidos efeitos, à Procuradoria-Geral da República.

04 novembro 2015

 

Os temas-tabu


 

Já disse o que pensava sobre as exigências do presidente da Republica e de toda a direita portuguesa relativamente à indiscutibilidade do Tratado Orçamental e da pertença ao euro e outras coisas mais para se ser governo. Concordo, pois, com o “post” precedente de Maia Costa. No fundo tenta-se transformar  essas matérias em componentes do chamado “pensamento único”, ou, na sua formulação negativa, em elementos indissociáveis do: “Não há alternativa”. O mais grave é que parece que nem se pode pensar de outra maneira. São matérias-tabu.

Procurei nos meus arquivos algum material sobre isso. E deparei com um número do Le Monde Diplomatique dedicado a esses temas – “Portugal nas amarras do novo Tratado Orçamental” – Edição Portuguesa –Março de 2012.

Eis o que escreveu, num longo artigo, João Galamba, deputado e dirigente do PS:

 

O Pacto Orçamental (Fiscal Compact) que consta do novo tratado, determina que os Estados signatários se comprometam, sob pena de pesadas sanções políticas e financeiras, a manter um défice estrutural das contas públicas igual ou superior a 0,5% do PIB e, para os países com dívida pública superior a 60%, a reduzir o volume da dívida até esse valor a um ritmo anual de 1/20.Mais do que os limites de défice, o maior problema deste novo Pacto que, no fundo, representa o regresso à pureza original do Pacto de Estabilidade e Crescimento) são as imposições em termos de redução da dívida pública. Tendo em conta os actuais níveis da dívida pública (87% na zona euro, 82% na União Europeia), este pacto constitucionaliza a austeridade em toda a Europa durante os próximos anos; para alguns países europeus, entre os quais Portugal, este pacto implica anos, senão mesmo décadas, de austeridade. Os líderes que assinaram este pacto estão a dizer aos seus cidadãos e ao mundo que a política europeia dos próximos anos vai ser a mesma que tem sido seguida nos últimos dois anos. O que está, portanto, é para  continuar e aprofundar.

(…)

E  sobre a moeda única na crise:

 

A crise das dívidas soberanas é uma ficção que a direita inventou para poder pôr em prática as únicas políticas que conhece e que sempre defendeu e para evitar reconhecer aquilo que deveria ser óbvio: a actual crise foi, em grande medida, causada por uma união monetária disfuncional e a sua resolução implica, necessariamente, uma profunda transformação na actual arquitectura institucional da moeda única. A austeridade, o ataque aos salários e ao emprego e o desmantelamento do Estado social não são respostas a esta crise. São as únicas respostas que a direita europeia imagina para toda e qualquer crise. E foi assim que se transformou uma crise sistémica da moeda única, para a qual a direita não tem respostas credíveis, num problema comportamental de alguns países incumpridores.

(…)

 

A NATO é a nossa Pátria?

A NATO é a nossa Pátria? A Europa de Merkel/Schäuble é o nosso lar? O Tratado Orçamental é a nossa livre opção de desenvolvimento e progresso para o País? A acreditar na fúria com que a direita política (com o Presidente da República à cabeça) e o seu braço armado na comunicação social (comentadores, escrevedores, escriturários) ataca os partidos à esquerda do PS por não serem fiéis aos “compromissos internacionais” do Estado português, seriam esses “compromissos”, e não a própria Constituição portuguesa, os verdadeiros elementos de identidade de Portugal, estando pois vedado o poder político a quem os “renegue”… A direita está de facto de cabeça perdida com a possibilidade de demolição do “arco da governação” que tem sido a garantia da sua sustentabilidade no poder, mesmo quando não o exerce diretamente… A direita está histérica com a eventualidade de perder a muleta do PS que, ao longo dos anos, sozinho ou coligado, tem constituído o parceiro indispensável para a continuidade da política neoliberal. A abertura do PS à esquerda, acabando com a ostracização de uma parcela substancial do eleitorado, se se concretizar, constitui quase uma refundação do regime inaugurado em 1974… Esperemos que, por sectarismo (tão caro à esquerda), não se perca esta oportunidade, que pode não se repetir proximamente… Mas já agora falemos dos “compromissos internacionais” tão queridos à direita. Como chegámos à NATO? Pela mão de Salazar! Alguma vez o povo português foi ouvido expressamente sobre essa adesão depois do 25 de Abril? Não!!! Pertencer ou não à NATO não é aliás uma questão urgente. Mas ser contra a NATO não é trair a Pátria; é antes ser fiel ao disposto no art. 7º, nº 2, da Constituição! (Quem tiver dúvidas, leia!) E a “Europa” alemã de hoje, com a sua hierarquia entre estados centrais e periféricos, bons e maus, trabalhadores e preguiçosos, cumpridores e relapsos, nada há a opor ou sequer a discutir nesta Europa? Sentimo-nos bem assim, tratados como europeus de 2ª classe? Não é lícito, no mínimo, lutar por uma mudança na relação de forças, procurar alianças para que tal mudança se torne possível? E o euro é um dogma? Não há países que não aderiram por vontade própria ao euro? Não será melhor estudar todas as hipóteses, incluindo a nossa saída do euro? Não terá já o abutre Schäuble feito esse estudo? Sabemos agora, por confissão do arguido, que a expulsão da Grécia foi analisada e discutida no Eurogrupo, tendo o governo português inclusive sido um dos países favoráveis (assim confirmando ser uma das vozes do dono…)… E o Tratado Orçamental, uma imposição alemã a todos os países do euro, uma imposição que beneficia claramente a Alemanha e satélites e prejudica radicalmente os países frágeis como Portugal, não o podemos contestar? Temos de lhe entoar cânticos de louvor, fazer juras de fidelidade eterna a tudo o que tenha o cunho alemão? Alguma vez o povo foi perguntado sobre esse TO? Não, ele foi pura e simplesmente imposto pela Alemanha e toda a Europa do euro se dobrou e agora tem que mandar os projetos de orçamento para Bruxelas (Berlim) para análise prévia pelos senhores do lápis azul… Será que é traição procurar mudar as coisas?!!! Enfim, é claro e evidente que a direita (com o PR no comando), quando exige o cumprimento dos “nossos compromissos internacionais”, o que pretende é não mais do que excluir a esquerda do poder e assegurar uma tranquila continuidade da política seguida nos últimos quatro anos, ainda que em aliança com o PS, ainda que com algumas cedências ao PS… É o pânico por uma mudança significativa de agulha na política do País que aterroriza a direita. De um susto sério, pelo menos, já ninguém a salva… Esperemos que o susto se torne em realidade cruel…

02 novembro 2015

 

As semelhanças entre os tribunis portugueses de hoje e os da extinta República de Weimar

No artigo que ontem saiu no "Público", intitulado "O que está em causa", Boaventura de Sousa Santos, após judiciosas e pertinentes considerações sobre a captura do Estado pelo modelo neoliberal (com as quais estou inteiramente de acordo), sai-se com estas observações sobre o poder judicial: "Mas a procura da captura do Estado vai muito além do sistema político. Tem de abarcar o conjunto das instituições. Por exemplo, há instituições que assumem uma importáncia decisiva, como o Tribunal de Contas, porque estão sob a sua supervisão negócios multimilionários. Tal como é decisivo capturar o sistema de justiga e fazer com que ele actue com dois pesos e duas medidas: dureza na investígação e punição dos crimes supostamente cometidos por políticos de esquerda e negligência benévola no que respeita aos crimes cometidos pelos políticos de direita. Esta captura tem precedentes históricos. Escrevi há cerca de vinte anos: "Ao longo do nosso século, os tribunais sempre foram, de tempos a tempos, polémicos e objecto de aceso escrutinio público. Basta recordar os tribunais da República de Weimar logo depois da revolução alemã (1918) e os seus critérios duplos na punição da violência política da extrema-direita e da extrema-esquerda." (Santos et al.. Os Tribunais nos Soríedades Contemporâneas - O caso portugués. Porto. Edições Afrontamento, 1996, página 19.) Nessa altura, estavam em causa crimes políticos, hoje estão em causa crimes económicos." Injusta será, parece-me, uma acusação generalizada ao sistema judicial, porque haverá pelo menos dois juízes da Relação de Lisboa ainda não capturados. Também não esclarece BSS se o Tribunal de Contas já foi reduzido a essa condição (do Tribunal Constitucional não fala sequer...). E note-se que para BSS é irrelevante que na Alemanha os crimes imputados fossem políticos e aqui e agora de natureza económica... Que um político seja acusado de violência política ou de corrupção é a mesma coisa... BSS crê que o "sistema judicial" português foi "capturado" pelo modelo neoliberal, porque persegue os crimes "supostamente" (só supostamente, certamente por respeito devido ao princípio da presunção de inocência) por políticos de "esquerda" [de "esquerda"???] e deixa incólumes os crimes cometidos (já não supostamente...) pelos políticos de direita. Portanto, o sistema judicial deve preocupar-se não tanto com a existência de indícios da prática de crimes, mas sim com a orientação política dos seus autores, deixando de lado logo à partida os de "esquerda" (???), aliás presumivelmente inocentes, e perseguindo os de direita, seguramente culpados. Assim, fugirão os tribunais à captura pelo modelo neoliberal e escaparão ao emparceiramento com os de Weimar.

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