24 agosto 2015

 

Um dia negro para o sistema penal

A publicação no Diário da República de hoje da Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto, que cria o Sistema de Registo de Identificação Criminal de condenados por crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menor é uma página negra no sistema penal democrático. Os princípios humanista e ressocializador que sustentam a execução das sentenças penais, estabelecidos na Constituição da República de 1976 e alguns deles solidificados nas leis e na doutrina penal desde o século passado, foram pura e simplesmente esquecidos por um legislador apressado. A proporcionalidade, como matriz estabilizadora de restrição de direitos, foi completamente omitida, quando se permite que alguém tenha a sua vida rigorosamente controlada por mais vinte anos, depois de ter cumprido uma pena de prisão superior a dez anos. O populismo penal, a demagogia e a ignorância sobrepuseram-se à racionalidade e aos princípios constitucionais que devem conduzir as políticas públicas no domínio da justiça penal. Não é este o direito e a justiça que alguma vez foram estudados, defendidos e aplicados por gerações de juristas em Portugal e na Europa. Resta a esperança de uma intervenção rápida do Tribunal Constitucional, por via dos Tribunais ou de alguma instituição com legitimidade para suscitar a fiscalização sucessiva da lei. José Mouraz Lopes

23 agosto 2015

 

Tsipras

Tsipas ganhou as eleições legislativas em janeiro e ganhou o referendo em junho com um claro programa antiausteridade. Com a força dessas vitórias, virou-se contra os implacáveis credores da Grécia. Então embateu contra o muro germânico (reforçado por cruzados flamengos e finlandeses, e mais timidamente por alguns gauleses) e ficou entre a espada teutónica e o dito muro. Então rendeu-se ao inimigo, que o deixou voltar a casa para anunciar aos helénicos a derrota e defendê-la como a "melhor solução possível". Assumindo o seu papel de derrotado, Tsipras defende agora uma austeridade contra a qual sempre se insurgiu. E, para cúmulo, diz que não acredita no que defende!!! Poderá este homem ter a confiança dos gregos, refém confessado que é dos credores?

 

600 anos de Ceuta "cristã"

Independentemente das "razões profundas" que levaram à conquista de Ceuta, há que realçar a exorbitância do empreendimento. Não só pelo investimento financeiro, como pelo próprio investimento político, traduzido no envolvimento pessoal na operação do próprio rei e dos seus filhos, que aliás participaram nas operações militares no "terreno". Um desastre militar teria sido um Alcácer Kibir antecipado... O destino quis porém que o empreendimento tivesse sucesso militar e Portugal inaugurou o seu império, que haveria de abranger todos os continentes. Por extensão, a Europa mostrava as suas garras, que iria exibir incessantemente por todo o mundo até hoje, desde há algum tempo com parceria norteamericana. Não foi propriamente a "globalização" que Portugal inaugurou; foi, sim, o colonialismo e o imperialismo europeu (e ocidental), com todos os seus avatares, desde logo o racismo e a escravatura. A expansão europeia, primeiro invocando a salvação dos "infiéis", depois o "fardo do homem branco" na divulgação da civilização junto dos bárbaros, mais recentemente a imposição da democracia como obrigação do "Ocidente" para bem dos povos de todo o mundo (sobretudo daqueles que se mostram menos recetivos às receitas políticas ocidentais), tem sempre mantido a marca da força, da opressão dos países conquistados, da humilhação dos povos submetidos. Desde Ceuta até hoje (com destaque para o Iraque) tem sido sempre assim. Diga-se que, no entanto, a ideologia imperial tem sido bastante eficaz em disfarçar a sua verdadeira face e esse "disfarce" é um dos instrumentos maiores da sua força. Quanto a Ceuta, lá está, ainda "cristã", desde 1640 nas mãos de Espanha, pela qual optou "livremente" após a recuperação da independência portuguesa. Não se sabe se, caso se tivesse mantido portuguesa, ainda o seria hoje. O mais provável é que não. Poderia ter sido abandonada, se não antes, quando foram evacuadas todas as praças marroquinas, no sec. XVIII. Em qualquer caso, o espírito libertador do 25 de Abril ter-lhe-ia dado certamente o direito à autodeterminação. A ocupação por Espanha não está garantida por muito tempo. Com a longa soberania europeia, Ceuta ganhou uma fisionomia própria, que haverá sempre que salvaguardar (como deveria ter acontecido com Goa...). Mas acabou o tempo das conquistas "d'álém mar": Ceuta pertence a Marrocos, que justamente a reivindica. (Como aliás Gibraltar pertence de direito a Espanha, caduco que é historicamente um tratado imposto a Espanha há três séculos...) Fica um problema por resolver: por que se meteu Portugal em tamanha aventura há 600 anos?

21 agosto 2015

 

A Guerra de Troika


Para uma interpretação filosófica e mitológica dos acontecimentos recentes da nossa União e das lições a extrair do comportamento helénico.

 

É altura de expendermos a nossa opinião sobre os acontecimentos recentes da nossa União e sobre o caso particular de um dos seus membros – a Grécia, essa Grécia que foi parteira da nossa civilização e da democracia, que, sendo boa, se quer na dose certa e concertada com a unidade, no sentido que abaixo veremos.

A União foi criada para termos uma Europa forte, coesa e capaz de enfrentar os graves problemas do nosso tempo. O princípio basilar desta União reside na divisa “Um por todos e todos por Um”.

Este princípio, à primeira vista, parece de apreensão imediata, intuitiva, mas não nos devemos deixar enganar pelas aparências, pois mesmo as cousas aparentemente mais simples carecem, por vezes, de laboriosas investigações filosóficas para se lhes descortinar o sentido. Lembremo-nos do grande filósofo gaulês que, encafuado num quarto bem aquecido, por sinal na Alemanha (o país dos teutões), por cujas guerras se deixara atrair, começou por questionar essa realidade que parece tão palpável - a existência do próprio “eu”. Quantas noites de insónia não terá Descartes consumido, quantas torturas da mente febril não terá ele sofrido, até que se fizesse luz no seu espírito a respeito da sua real existência. “Penso, logo existo”, assim acabou ele por encontrar a chave do mistério. Pois, tal como o filósofo, também nos devemos questionar sobre o sentido profundo do princípio que suporta a nossa União: “Um por todos e todos por Um”.

O grande busílis da questão está em descobrir o “Um”, origem e princípio ordenador, a chave do mistério, aquilo que, na esfera teológica, corresponde a Deus. O “Um” é, pois, a alma do conjunto, do colectivo “todos”. Quem será, então esse “Um”, que dá sentido e orientação aos outros elementos, a todos os outros, e que se apresenta como o radical indivisível desse maravilhoso conjunto que é a nossa União? Eis a questão.

Depois de muito excogitar durante dias a fio e noites insones, disse para comigo: Esse “Um” só pode ser realmente um, a unidade indecomponível na qual todos estão consubstanciados. Pois onde está esse “Um”? Esse “Um” -  discorri então, depois de muito observar a realidade circundante – só pode estar no país que tem a potência originária, a força distintiva, o poder para se impor como Marko. O Marko é realmente a potência originária, a força chanceladora. Esse país é o grande país teutónico, o país que escolheu uma valorosa dama para deter o poder chanceler, uma senhora que ostenta no nome a força irradiante do poder originário do Marko, a senhora Markel. É essa senhora que, assistida pelo seu inseparável Ministro do Grande Tesouro, encarna a alma da União, definindo-lhe o sentido, imprimindo-lhe o princípio de ordem, em suma, dando-lhe o Ser (o famoso Dasein, o “ser-aí”, entre as nações).

Discordo, por isso, dos que entendem que a União deve ter no seu seio países dotados de plena igualdade, cada um valendo por si, soberanamente, e que da livre confluência da vontade de todos é que deveria nascer o sentido, a orientação e a suprema ordem da União. Uma tal solução redundaria em balbúrdia e, no fundo, conduziria à desunião de todos, pois cada país seria orientado apenas pelos seus interesses, uns querendo seguir um determinado rumo, outros querendo enveredar por rumo diverso e todos, no final, apresentando posições díspares. Ora, a unidade deve resultar daquele membro da União que tem a superior característica de ser o “Um”, de possuir o radical da unidade, primus inter pares, comunicando aos demais o superior sentido que fusiona a totalidade no “Um”. Ora, esse tal, que será a cabeça e não simples membro, só pode ser, naturalmente, como já foi afirmado, o país dos alentados teutões.

Contra este princípio de harmonia insurgiu-se o último governo helénico, servindo-se de habilidosas insídias e proclamando uma guerra contra a troika (a chamada “Segunda Guerra de Troika”), depois congeminando uma ardilosa investida contra a Assembleia dos Troikanos, onde dominavam as Altas Individualidades dos teutões. Impregnados do espírito de uma ancestral mitologia, os helénicos chegaram a lançar a atoarda de que o ministro do Grande Tesouro Teutónico queria fazer-se passar por Zeus e sequestrar a Europa para satisfazer os seus desígnios, levando muitos irresponsáveis seguidores das suas artimanhas a acreditar nessa fantasiosa construção.

Porém, a Assembleia dos Troicanos, agitada, é certo, por algumas dissensões, protagonizadas pela figura tonitruante do ministro do Grande Tesouro Teutónico e pela figura mais complacente do Alto Representante da nação gaulesa, acabou por dominar a delegação helénica, levando-a a aceitar um conjunto de medidas que açaimam por completo o seu poder de recalcitração e a sua veleidade de impor aos troicanos a subversão da disciplina teutónica que tem presidido aos destinos da União.

Na verdade, o chefe de fila dos helénicos não teve outro remédio senão dobrar a cerviz, embora dizendo-se de tripas revoltas, e sujeitar-se a uma pesada dívida perene para com os troicanos, deteriorando a sua honra, empenhando os bens do seu povo e acendendo fracturantes querelas entre os seus correligionários, que ainda agora estão no seu começo.

Assim, foi ministrada uma soberba lição, não só ao povo helénico, como também a todos aqueles que têm a tentação de se aventurar por caminhos divergentes dos que são superiormente definidos por quem tem o poder de exprimir a unidade da União. Ou, numa versão mais acutilante: “Quem se eriça com a política que tem sido adoptada pela nossa União e pela qual se define o norte da Europa, é certo e sabido que sai eriçado”.

Vejam o que sucedeu ao povo helénico.

 Vejam, em contrapartida, o glorioso exemplo da nossa Pátria, tão fiel ao poder teutónico e inexcedível no cumprimento das orientações troikanas.

Jonathan Swift (1667-1745)

20 agosto 2015

 

A diferença (subtil) entre promessa e simulação

O PS reapresentou o seu programa eleitoral (por curiosa coincidência no mesmo dia foi divulgada mais uma "carta da prisão" do irrequieto preso nº 44 de Évora...). Ao inicial "cenário macroeconómico", integrado no programa eleitoral, foi agora aditado um novo documento: uma "simulação" da criação de emprego a partir das premissas contidas no tal "cenário". E essa simulação dá a bonita conta de 207.000 novos empregos no espaço da próxima legislatura (se o PS ganhar, é claro). Atenção: não se trata de uma "promessa"! É uma simulação! Qual a diferença? Aí está o problema... Vejamos: o PS não se compromete com nada... O "cenário" é que cauciona aquela "simulação"... É claro que o PS, por sua vez, cauciona esse estudo... Mas diretamente não se envolve nos resultados da "simulação". Se "acertar" dirá que cumpriu o "prometido"; se falhar dirá que era uma "mera simulação", uma simples previsão técnica falível... Veremos como o eleitorado assimilará as subtilezas desta distinção... De qualquer forma, uma nova forma de propaganda eleitoral foi inaugurada, sendo de esperar a apresentação de mais simulações (e também de mais simuladores).

08 agosto 2015

 

A campanha eleitoral


 

 

A campanha eleitoral começa em tropelia e de forma atabalhoada. Para não irmos mais longe, foi há dias a guerra das estatísticas, com a irritada declaração de Passos Coelho, os partidos da oposição em guerra com o governo e os trabalhadores do INE a reagirem em defesa da sua competência e honorabilidade profissionais. Agora vem a bronca provocada pelos cartazes do PS. O principal partido da oposição sai muito mal deste tão lamentável caso. Parece impossível como se fazem coisas tão desastradas e tão amadorísticas.

Colocar fotografias de certas pessoas, para vestirem o papel de vítimas da má governação social do governo, mas em que as situações referenciadas, embora reais, não correspondem às das pessoas retratadas, é um erro crasso e revelador de desconhecimento ou de atropelo de direitos fundamentais. Tanto assim, que as “vítimas” (porque o são) já reagiram e algumas ameaçaram processar o PS, de que, pelos vistos, são colaboradoras ou militantes.

Ao que afirmam, não lhes foi convenientemente explicado o sentido da colaboração pedida, nem explicitado o “se” e o “como” da publicidade que iria ser dada à sua imagem. Trata-se de uma grosseira violação de direitos fundamentais dessas pessoas, para além da malíssima imagem que se projecta no partido, não só por causa disso, como também pela falta de ética, de rigor e mesmo de abastardamento ideológico que o caso encerra. Como reagirão os eleitores depois disto? Afinal, o PS também aldraba ao falar das mistificações numéricas do governo, é o que dirão ou pensarão.

Mas também, pelo lado da coligação, para além da impaciência revelada a propósito das estatísticas, vai um frenesi verdadeiramente entontecedor e uma febre de mostrar, à última hora, brilharetes para engodar a massa anónima dos eleitores, que mete aflição. Afinal, o  “que se lixem as eleições” era só retórica e um sintoma, que se viria a revelar prolífico, de desvio entre o que se foi afirmando e prometendo e o que se foi fazendo.  

05 agosto 2015

 

Mensalão, petrolão

A detenção de José Dirceu, agora no âmbito do "Lava Jato", é um facto sinistro para o PT e de certa forma para toda a esquerda brasileira, que afinal, chegada ao poder, se deixou envolver nas velhas e piores práticas políticas enraizadas nas cliques dirigentes do país. Pouco importa que se adotem políticas sociais progressistas se elas assentam ou permitem a subsistência da corrupção no aparelho de estado. Nunca a corrupção será de esquerda! Quem é corrupto não é de esquerda, nem no Brasil, nem em qualquer outra parte! A investigação do MP brasileiro é um ato corajoso e necessário de "lavagem" do aparelho do estado, para bem do povo!

03 agosto 2015

 

Os três pilares da social-democracia

Questionada sobre o programa eleitoral do PSD/CDS, na sua última entrevista na TVI 25 (dia 30 de Julho), Manuela Ferreira Leite disse que o mesmo não obedece a uma matriz social-democrata. Caracterizando-se a social-democracia por um investimento na função social do Estado em três pilares fundamentais – saúde, educação e segurança social – a ex-ministra do PSD especificou que, nessas três áreas, o programa apresentado  vai no sentido de uma progressiva menorização do papel do Estado e na crescente relevância do sector privado. Assim na saúde, onde a tendência da coligação será para tornar o papel do Estado residual, com a consequente bifurcação dessa área num serviço público, depauperado, para as pessoas de menores rendimentos e num sector privado, cada vez mais sofisticado, para as pessoas de melhores posses.
Também no sector do ensino, nos termos desse programa, o papel do Estado ficará confinado, a la longue, a um ensino público de menor qualidade, enquanto que o ensino privado ganhará maior projecção, isto ainda que se possa dizer que o sector privado também pode desempenhar  funções que ao Estado pertence assegurar. O certo é que ao Estado incumbe, na perspectiva social-democrata, assegurar um serviço público de ensino, para todos, e de excelência.
No capítulo da segurança social, é por demais evidente que o programa do PSD/CDS  visa criar o chamado “plafonamento”, ou seja, definir um tecto máximo de contribuições para o sistema público e, daí para cima,  dar a opção ao trabalhador para continuar a descontar para a segurança social ou subscrever um seguro privado. Portanto, o Estado pagaria apenas as pensões mais baixas, relegando para o sistema privado os que têm melhores rendimentos.  
Tudo isto – redução do papel do Estado na saúde, na educação e na segurança social – com degradação dos serviços públicos em todas essas áreas, reconduziria o Estado para uma função meramente assistencialista.

Quem o diz é uma pessoa que foi figura de proa do PSD e que se reclama de uma formação social-democrata, a qual deve ser para o actual PSD uma espécie de língua morta. Mesmo entre gente do PS, poucos terão um tal espírito crítico, confinados a uma discussão de carácter quantitativo (mais desta medida ou menos daquela, mais ou menos tempo para a chamada reposição dos salários ou devolução da sobretaxa, etc.),  que não de qualidade ou de posição alternativa. Veja-se, por exemplo, o desassombro de Manuela Ferreira Leite a criticar o Tratado Orçamental, que o PS assinou e em relação ao qual não toma posição clara, limitando-se a falar numa adaptação criativa ao longo do tempo.  

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