26 abril 2015

 

Um filme assinalável


E lá passou o dia “25 de Abril”, sem que me tivesse suscitado nenhum comentário, talvez porque já não haja nenhum cravo a assinalar a memória dele.

Para mim o grande acontecimento do dia foi uma sessão de cinema, na sala de bolso do Teatro do Campo Alegre: Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rosselini. Que grande filme! Aí encontrei o que há de mais belo e comovente em corações humanos, quando homens, mulheres e crianças se irmanam para sacudirem o jugo da opressão e reencontrarem um rosto que tenha o nome de dignidade (o nome laico de santidade).

 

 

O seu a seu dono

No último texto que coloquei no blogue (como vender a nossa imagem...), esqueci-me, lamentavelmente, de indicar o seu autor. Trata-se de Jonathan Swift, o escritor inglês de que temos vindo a publicar, de quando em quando, alguns textos, por sinal inéditos.
Houve quem identificasse logo o seu autor, mas fizesse chegar ao meu conhecimento o lapso.
Aqui fica a correcção. O seu a seu dono.

23 abril 2015

 

Imigração: uma ideia genial de Cameron

A solução de Cameron para o problema dos imigrantes que naufragam no Mediterrâneo é simples e genial: impedir que eles se façam ao mar!!! Assim, não chateiam, não obrigam a Europa a gastar dinheiro com as operações de salvamento, nem com os centros de internamento para os sobreviventes, não há sequer imagens terríveis que incomodam as pessoas de bem à hora do telejornal, perturbando o jantar. Eles devem ficar onde estão, nos seus miseráveis países, assolados por guerras e dominados por regimes tirânicos que os europeus, e em particular os ingleses, estimulam e sustentam. Impedi-los de embarcar, devolvê-los à origem quando não se afundarem no mar: eis a proposta humanitária do governante inglês. É uma ideia popular nestes tempos sombrios que atravessamos.

 

TEDH: muito liberal, pouco social...

O TEDH é um baluarte incontestável das liberdades, nomeadamente da liberdade de expressão. O pior é quando aborda outros direitos, os direitos sociais e sindicais. Por exemplo, no passado dia 21, apreciou a queixa contra o Estado Espanhol de um sindicato de polícia, por recusa do direito à greve. E alinhou inteiramente com as razões securitárias alegadas pelo governo espanhol. Eu sei que o tema é polémico. Mas noutros temas polémicos o TEDH tem sido corajoso e inovador. Aqui, porém, foi notoriamente conservador. É a matriz do tribunal: liberal, por um lado, pouco "social" pelo outro.

21 abril 2015

 

Como vender a nossa imagem no estrangeiro


Conselhos para uso de quem tem o pesado fardo de governar o país

 

Se há cousa em que o nosso reino se tem empenhado com sucesso nos últimos anos é na venda do nosso património. Em mui escasso lapso de tempo, conseguimos alienar praticamente tudo o que de valioso tínhamos para despertar a cobiça de outras terras e de outras gentes, desejosas de tirarem proveito das nossas cousas. Pouco nos resta já para oferecer à cupidez alheia, ressalvando uma ou outra grande indústria, como a de viagens celestes, que, pese embora a recalcitração de vários concidadãos oponentes, há-de ter, querendo Deus, o seu feliz desfecho negocial. Inclusive conseguimos despachar para os quatro cantos do globo boa parte da nossa melhor e mais qualificada mão-de-obra, representada por tantos concidadãos talentosos das mais novas gerações.

Para completarmos com glória esta empresa que nos tem firmado como bons negociantes, resta-nos vender a nossa própria imagem.

Eis alguns  conselhos práticos que  ouso  formular para esse objectivo:

1 - Afirmar com ênfase a superioridade da mão-de-obra que nos resta e encarecer o seu  muito atractivo custo para os investidores estrangeiros. Nunca dizer, porém, em termos crus, que a nossa mão-de-obra se faz pagar pelos mais baixos soldos do mercado formado pelas várias nações, como na realidade acontece, muito pelo esforço que tem sido feito no sentido do seu máximo abaixamento. Poder-se-ia dar a ideia de má qualidade, que de todo nos não convém, e ferir a susceptibilidade dos nossos obreiros, que também nos poderia ser fatal, sobretudo por via de agremiações que se intrometem na defesa dessas classes.

Por que não empregar, por exemplo, um termo como flexível? A nossa mão-de-obra tem muita flexibilidade. Aqui está um termo elegante, sóbrio e de uma maleabilidade ímpar. E, acima de tudo, engenhoso. Dizer que temos uma mão-de-obra muito flexível significa, para bom entendedor, que ela não oferece grande resistência às pressões de quem a compra. Quer dizer que quem a leva não se arrependerá, pois leva bom artigo por um preço imbatível e quem a oferece fica satisfeito, porque na realidade não tem outro modo de ganhar a vida.

Eis um vocábulo que é imediatamente entendido por quem se venha a revelar interessado na aquisição da nossa mão-de-obra e que, simultaneamente, não ofende o orgulho de quem se obriga a oferecê-la. Assim, a arte da palavra complementa a arte de bem governar os povos.

 

2 - O nosso povo tem sido sacrificado com medidas muito duras, cujos efeitos se têm traduzido na falta de emprego, na falta de dinheiro para comprar os bens essenciais e para acudir à doença ou a outro qualquer percalço, para sustentar as famílias e para educar os filhos, entre outras perniciosas consequências. Muitos são os que têm caído na miséria, sem tecto onde se abrigarem e sem comida para se alimentarem. Não fosse a caridade de muitos concidadãos e instituições de solidariedade, e muitos desses desgraçados não resistiriam às condições adversas que têm suportado.

Também as classes medianas têm sido sobrecarregadas com enormes sacrifícios, cuja consequência tem sido o empobrecimento e a degradação para os escalões mais baixos da sociedade.

Ora, na venda da nossa imagem, os sacrifícios do povo e das classes medianas devem ser pintados com cores heroicas e garridas e não como sinal de aviltamento. Proclame-se e, se possível for, determine-se por decreto, que o nosso povo é um grande povo magnânimo, sempre disposto aos maiores sacrifícios pelo bem comum e que aquilo que parece inércia ou moleza provocada pelas duras medidas que tem sofrido não é senão expressão de vitalidade e de grande capacidade de resistência às condições adversas. Tal há-de representar uma mais valia para atrair investimentos estrangeiros, pois ninguém gosta de aplicar o seu dinheiro em países cujos autóctones pareçam refilões e recalcitrantes, ou de índole molengona.

 

3 - Deus dotou-nos com um solo invejável, um sol magnífico e uma costa ridente. Pois devemos aproveitar esses dons para vender a imagem do país.

Temos aldeias espalhadas pelo interior que estão praticamente abandonadas, por mor da fatídica falta de condições para a fixação das populações locais. Trata-se agora de valorizar esse património aos olhos do estrangeiro, mostrando-lhe como é bom viver em zonas rurais tão castiças, longe do bulício desgastante das cidades e beneficiando das modernas vias de comunicação que tivemos o talento de multiplicar pelo país.

Uma parte do nosso território, eriçado de encostas onde se produzem vinhos de reputação internacional, muito graças ao esforço titânico dos nossos antepassados lavradores, já está a ser explorado, desde há séculos, por ricas empresas estrangeiras. Pois podemos agora cativar o forasteiro para o aprazível lazer campestre, chamando às nossas aldeias o investimento fecundo de capitalistas estrangeiros e facilitando até a sua fixação nesses locais, o que só nos honrará como grande povo hospitaleiro.

O sol é outra das nossas riquezas. Devemos vendê-lo a quem o pode comprar e a quem o pode gozar. Sobretudo as nossas costas, tão soalheiras e marginadas por um mar tão doce, são um fabuloso cartaz de promoção do nosso país. O nosso litoral poderá, assim, ser uma grande fonte de receita, vendido a bom preço por metro quadrado a cidadãos de outras nações mais poderosas, mas menos afortunadas das riquezas do astro-rei.

 

Eis uma honesta súmula  de propostas para bem vender a nossa imagem e o nosso país. Estou certo de que, assim, poderemos transaccioná-lo com tudo o que tem de valioso por um preço deveras estimável, firmando-nos como uma das nações mais comercializáveis do mundo.

 

O reduto final


O sistema de segurança social é o reduto final que se impõe atacar para completar a obra de aniquilação do Estado Social, que foi a grande obra do “25 de Abril”. Sem ele, o “25 de Abril” perde toda a sua razão de ser. De modo que atacar o Estado Social no seu cerne é pôr um ponto final na revolução que tantas esperanças trouxe ao povo português.

 

A palavra e a coisa


Devolver até 2020 os salários e vencimentos que foram cortados há anos atrás é, evidentemente, um eufemismo. Quando forem repostos, esses salários e vencimentos não são os mesmos. Faltam os juros das quantias subtraídas e as actualizações, que deveriam ter acompanhado a subida do custo de vida. Portanto, na realidade, representam muito menos do que aquilo que foi tirado e materializam uma degradação salarial, que foi, aliás, o objectivo pretendido.

Falar em empréstimo, como também já tem sido afirmado, é outro engodo. Um empréstimo ou mútuo (para falar em termos jurídicos correctos) implica, pelo menos, a igualdade dos contraentes e a vontade livre para contratar. Nem uma coisa nem outra existiram. Se empréstimo houve, ele foi forçado, imposto por uma das partes à outra, valendo-se a parte dominante da sua superioridade e da força coactiva inerente à sua posição. A isso não se chama empréstimo.

20 abril 2015

 

IVG: a nova estratégia do "não"

Cientes de que revogar ou alterar a lei da IVG não será fácil, os opositores da IVG mudaram de agulha: agora conformam-se com a lei, mas querem mudar o regulamento. E querem uma tal mudança que, na prática, a filosofia da lei (liberdade de opção das mulheres até às 10 semanas) ficaria seriamente em crise. Na verdade, a petição entregue na AR grupo "Pelo direito a nascer" (o nome já diz tudo), que juntou 48 115 assinaturas (tendo assim o direito a ser areciada pela AR) apresenta diversas propostas de alteração do regulamento, sendo as mais significativas: a IVG deixa de ser gratuita; o aconselhamento prévio deve incluir a apresentação às mulheres das ecografias feitas para determinação do termpo de gestação; esse aconselhamento pode ser feito por médicos objetores; o pai deve participar no processo de decisão; as mulheres que abortem devem deixar de gozar de licença paga pela segurança social. Não é preciso explicar o efeito pretendido pelos proponentes: condicionar ou mesmo pressionar psicologicamente, mas também financeiramente, a decisão da mulher (uma decisão que deve ser livre e pessoal, embora responsável evidentemente). É uma inegável chantagem que se pretende introduzir no processo de decisão, subvertendo o espirito e a letra da lei. A última novidade é que o Cardeal Patriarca Clemente, que parece uma pesssoa sensata, resolveu declarar o apoio solene e oficial da Igreja a esta iniciativa. E defendeu mesmo que se trata de assunto urgente que deve ser tema da próxima campanha eleitoral (esqueça-se a austeridade e outros malefícios governamentais!). E acrescentou ainda um argumento francamente pouco católico (creio eu): o argumento demográfico - estamos a precisar de gente, portanto as mulheres que se ponham a procriar, mesmo que não queiram levar a cabo a gravidez! Mais alto do que o seu interesse pessoal mesquinho está o interesse da Pátria! (Valha-nos deus, digo eu).

 

Mare nostrum: a hipocrisia europeia

Desde há alguns anos que o Mediterrâneo se converteu num cemitério: pelo menos desde que foram fechadas as fronteiras terrestres da fortaleza Europa. Os naufrágios tornaram-se frequentes, num ritmo imparável. Os migrantes começaram a chegar em catadupa à pequena ilha de Lampedusa. A Itália preocupou-se, não podia sozinha enfrentar um movimento migratório de tal envergadura. Por isso, foi criado o programa "Mare nostrum", com suporte financeiro europeu, essencialmente de caráter socorrista. Mas ficava muito caro. Afinal, como disse perspicazmente Cameron, o programa de socorro aos náufragos acabava por estimular a migração para a Eutropa, precisamente o que a Europs não queria. Ou seja, a Europa pagava e ainda ficava com os "invasores" dentro de casa... E assim, foi liquidado o tal programa. Um claro exemplo da "Europa dos valores"... Agora, com este último naufrágio, de dimensão desmedida, a Europa sente alguns "remorsos" (será mesmo?): foi anunciada uma cimeira europeia urgente para encontrar analisar o "problema" e encontrar "soluções". Mas alguma coisa se pode esperar de realmente novo e eficaz? Não tem Cameron eleições à porta, não seria um suicídio aceitar uma política de imigração diferente? E a Alemanha, que não gosta nada do sul da Europa, vai gastar dinheiro com o sul do sul? E, no entanto, a Europa é a maior responsável por esta onda interminável de migração. Não só pela colonização de África, mas, bem mais recentemente, pela "intervenção" na Líbia (missão "humanitária", lembram-se?), no desencadeamento da guerra civil na Síria, na venda de armas às duas partes nas infindáveis guerras civis que percorrem o continente africano, no apoio aos governos corruptos e tirânicos, inimigos dos seus povos, mas "amigos" do Ocidente... Os que vêm nas barcaças parecem sobreviventes de Auschwitz e é de facto um verdadeiro genocídio que eles e os povos a que pertencem vêm sofrendo. Fugidos ao inferno onde vivem, acabam no fundo do mar ou embatendo nos muros ou no arame farpado das fronteiras europeias. A Europa agora chora lágrimas de crocodilo. Por quanto tempo?

15 abril 2015

 

O estado enfermo da nossa saúde


 

 

O  que transpirou para o público da situação das urgências nos hospitais neste Inverno, o que se foi passando e continua a passar-se com o corpo clínico e de enfermagem em vários estabelecimentos hospitalares, as queixas constantes, tanto de utentes, como de profissionais do sector acerca da aflitiva falta de meios, por força de uma atroz asfixia  financeira, as  demissões em bloco de responsáveis em alguns desses estabelecimentos, são sinais que nos têm vindo a alertar para o estado lastimável a que tem sido reconduzido o serviço nacional  de saúde.

Esse pressentimento, quando não certeza mais ou menos indubitável, de que a nossa saúde está a ir por água abaixo, fortaleceu-se com a visão da recente reportagem levada a efeito pela TVI, em condições precárias, pois grande parte das imagens foi obtida através de uma câmara oculta e com alguns profissionais a falarem com voz distorcida e imagem ocultada, facto que também revela bem o medo de falar a cara descoberta e de mostrar de forma patente como correm as coisas pelos nossos hospitais.

A reportagem certamente será passível de algumas críticas, descontadas as condições em que  foi efectuada, mas as imagens estão lá, muitas delas parecendo irrecusáveis e mostrando como há duas caras para a saúde: uma limpinha, festiva e airosa para mostrar para fora e outra, sombria, por vezes pavorosa, que é a de todos os dias.

De facto, o nosso Estado Social deseja-se e recomenda-se - um dos melhores do mundo -, como disse já não sei quem.

03 abril 2015

 

Manoel de Oliveira II


 

O funeral de Manoel de Oliveira foi muito concorrido. Estiveram presentes as obrigatórias altas personalidades da política, pessoas ligadas ao cinema e à cultura, gente famosa internacionalmente, como o actor Jhon Malcovitch, que fez questão de ir ao cemitério de Agramonte e muitas, muitas pessoas anónimas. Entre estas, muitas pessoas do povo. O que é que terá movido estas pessoas a participarem na “última despedida” ao cineasta? Eis uma interrogação que me fui pondo enquanto aguardava o préstito fúnebre. Manoel de Oliveira não era propriamente um cineasta muito popular. Antes pelo contrário. Era um artista de cunho erudito, de difícil penetração nas camadas populares e mesmo de pouca aceitação nos estratos de cultura massificada, com o seu cinema de ritmo lento, um pouco teatralizado, fazendo lembrar, às vezes, Karl Theodor Dreier, e com uma temática muito selectiva.

É claro que também produziu filmes como Aniki Bóbó, Douro Faina Fluvial – filmes de uma fase recuada – e, mais recentemente, O Porto da minha infância, que certamente calaram fundo na alma de muitos portuenses e susceptíveis, sobretudo o primeiro, de criarem uma espécie de legenda popular. Mas isso bastaria para atrair tantas pessoas anónimas e do povo? Quase que senti vontade de perguntar a muitas dessas pessoas que me rodeavam o que sentiam por Manoel de Oliveira. Espontaneamente, porém, as pessoas minhas vizinhas começaram a falar comigo, numa atitude muito portuense (ou nortenha?) e, às tantas, verifiquei com espanto que sabiam muito mais coisas da vida pessoal e familiar de Manoel de Oliveira, do que eu. Fiquei varado, como se costuma dizer.

Influência da comunicação social, sobretudo da televisão, que nestes dois últimos dias tem dedicado largos espaços ao cineasta? O facto de Manoel de Oliveira ser indiscutivelmente uma figura portuense, a que sua mais do que provecta idade conferia uma aura de singularidade, despertando uma espécie de enternecida admiração?

O certo é que ouvi várias destas pessoas afirmarem que Manoel de Oliveira era do Porto e que do Porto seria sempre, do Porto não sairia, querendo elas aludir à hipótese, inimaginável, de o levarem para o Panteão Nacional.

Ao ouvir isto, despertaram-se-me, do fundo de uma memória ancestral, arreigados sentimentos de um orgulho muito próprio, que se diz ser atributo do carácter da velha Cidade Invicta e que se traduz, na prática, num inalienável amor aos seus filhos mais dilectos.

Está visto! Se quiserem levar Manoel de Oliveira para o panteão, terão de criar um na cidade do Porto.   

 

Manuel de Oliveira


 

Estávamos convencidos que ele não morria, que era imortal como as imagens a que deu vida. Ele próprio, questionado sobre a sua longevidade (pelo menos de uma das vezes que o ouvi), parecia assumir um estado entre o perplexo e o culpado, ele, tão comum aos outros homens, tão participante do destino deles e ignorando a razão por que os deuses lhe concediam a graça de uma vida que se ia perenizando. Porquê eu? Por que razão me acontece isto a mim?, manter-me activo a filmar com esta idade?, interrogava-se para o jornalista que recolhia as suas palavras. “Sou um homem tão comum como os outros.”

O certo é que o cineasta mais velho do mundo, o portentoso criador de imagens que, tendo dobrado o Cabo das Tormentas do centenário (um século de vida) não tinha descanso, andando daqui para acolá numa realização febril de projectos, o génio que tinha sido o protagonista de uma juventude prestigiosa, portador de uma compleição atlética, herói de carros de corrida (dir-se-ia de “veículos alados”), o galã que fora de filmes de outros, o artista português e do mundo que sacrificou a sua vida ao cinema, ao ponto de sofrer prejuízos materiais e provavelmente danos morais, acabou mesmo por se ausentar de nós. Na Páscoa, na Primavera, como se quisesse recordar-nos simbolicamente o filme que o guindou a uma notoriedade para além das nossas fronteiras – O Acto da Primavera – onde se encena a paixão de Cristo, através de um auto popular que ele filmou magistralmente.

O seu desaparecimento deixa-nos um pouco mais órfãos do ponto de vista cultural, humano e artístico. Assim, também nós nos vamos sentindo mais ausentes, perdendo sucessivamente as figuras que nos são mais familiares e que foram constituindo os nossos pontos de referência.

Ficam-nos as imagens que nos deixou, essas, imperecíveis, e nas quais o Mestre, desconfiando certamente da perenidade da graça que os deuses lhe iam concedendo, cedeu à tentação de nelas inscrever a sua pessoa, aparecendo como figura secundária de alguns dos seus últimos filmes. Num deles (Cristóvão Colombo- O Enigma, se não me engano) aparece em diálogo com a sua mulher, deixando-nos testamentariamente um pouco da sua vida de entrega à 7.ª Arte e do papel que a sua mulher representou nessa entrega.

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