11 janeiro 2015

 

O processo de Sócrates


 

Anda para aí uma grande confusão à volta do processo de Sócrates e da situação de prisão preventiva em que se encontra. Confusão que parece deliberada, nuns casos, e levianamente criada noutros casos. Há pessoas com responsabilidades que têm produzido declarações públicas que, para além de perturbarem o trabalho sereno da justiça, só contribuem para a descredibilização das instituições judiciárias e do próprio Estado de direito democrático. Aliás, o objectivo de tais declarações parece ser mesmo esse.

Na verdade, como entender que certas individualidades, algumas das quais já desempenharam altas funções a nível do Estado e têm formação jurídica, afirmem com veemência que a prisão de Sócrates é ilegal? Não o podem afirmar com convicção. Se não conhecem o processo, se não sabem quais são as razões que determinaram a sua prisão preventiva, quer do ponto de vista das provas indiciárias, quer do ponto de vista  dos fundamentos legais que lhe subjazem, não podem conscientemente afirmar que a prisão é ilegal. Já não falo de Mário Soares, que não tem, ao que aparenta, as melhores condições para uma análise serena, objectiva e lúcida, mas de outras pessoas com responsabilidades. Das duas, uma: ou querem, dolosamente, insinuar na opinião pública a ideia da ilegalidade da prisão de Sócrates, com vista a concitarem as pessoas contra o processo, ou agem completamente dominadas pela cegueira partidária ou movidas por qualquer interesse obscuro.

Com franqueza: eu não sei se a prisão preventiva de Sócrates foi bem ou mal determinada. Tenho como única referência o habeas corpus que correu trâmites no Supremo Tribunal de Justiça, mas é da natureza do habeas corpus não ir além de uma análise perfunctória que se limita a apreciar se a prisão preventiva decretada não é patentemente ilegal, mas não o mérito da decisão que a decretou. Essa análise compete a outra instância – a do recurso para o Tribunal da Relação. De forma que a próxima decisão desse tribunal será o primeiro teste, de ordem substancial, à adequação da medida coactiva que foi aplicada. Esperemos, pois. As personalidades que se têm pronunciado de forma tão descarada sobre a ilegalidade dessa prisão, em particular os juristas, têm a obrigação elementar de saber isto.

 

Uma outra questão que tem vindo à baila, incluindo pela boca de certos juristas, é a de os portugueses terem o direito de saber quais os factos concretos (leia-se: os indícios e até, pasme-se! as provas em que se fundamentam) que levaram à prisão do ex-primeiro-ministro. Era o que faltava! Que houvesse uma espécie de julgamento popular dos fundamentos da prisão preventiva aplicada a certos cidadãos! E que se mandassem às urtigas as cautelas requeridas legalmente para que uma investigação obtenha êxito e seja subtraída a intervenções perturbadoras vindas de fora!

Compreendo que Sócrates queira trazer o seu processo para a ribalta pública e que muitas pessoas o acompanhem nesse desiderato. Essa seria a forma de criar alarido à volta do processo judicial e de fazer submergir a investigação numa confusão pública generalizada.

As respostas de Sócrates à TVI são já uma manifestação desse intento. Com efeito, ele não se limita a defender-se de imputações feitas nos órgãos de comunicação social, mas preocupa-se fundamentalmente com lançar o descrédito sobre o processo, visando a investigação judicial e as entidades que a dirigem e que presidem aos respectivos actos.

Ora, esse tipo de “defesa” feita na comunicação social não me parece legítima. Aliás, para defender-se de imputações feitas na comunicação social, ou de simples juízos desabonatórios ou informações incorrectas, ele pode sempre usar o direito de resposta e simultaneamente apresentar queixa-crime por ofensa à honra, no caso de imputações ou juízos desonrosos e reclamar indemnização pelos danos causados.

Compreendo que esse tipo de “defesa” seja considerado perturbador, mas também não vejo que as declarações feitas por Sócrates sejam atentatórias do segredo de justiça. O que é que ele revelou que se possa considerar prejudicial às investigações? Podem, como disse, tais declarações serem perturbadoras para o processo, mas não me parece que sejam violadoras de qualquer sigilo.

 

Por fim, gostava de fazer mais uma observação: está a insinuar-se na comunicação social a ideia de que é livre a opinião sobre a culpabilidade ou inocência de uma pessoa. Não é. Essa é matéria subtraída à liberdade de expressão e de opinião. Alguns órgãos de comunicação social têm prestado um mau serviço à democracia e ao Estado de direito, propondo debates ou fóruns em que se dá a entender que é livre a opinião sobre essa matéria. Estão é a promover, no seu pior, a justiça popular.





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