27 janeiro 2015

 

Tsipras: o primeiro dia

Tsipras tomou ontem posse como primeiro-ministro perante o PR da Grécia. Sem gravata, prestou o juramento devido com a mão sobre o coração, não sobre a Bíblia, separando assim as águas entre o Estado e a Igreja Ortodoxa. Anteriormente tinha visitado o Patriarca de Atenas para lhe comunicar que a cerimónia seria puramente civil, a primeira vez na história da Grécia moderna. Após a posse, dirigiu-se ao lugar onde foram fuzilados 200 comunistas gregos durante a ocupação alemã e depositou uma coroa de flores no monumento aí erguido. Não é preciso explicar o profundo significado deste ato. Anunciou depois o seu governo, escolhendo para ministro das Finanças um conhecido (e reconhecido) economista que ensina numa universidade americana e é declarado opositor da austeridade. Um dia "inicial, inteiro e limpo". Virão dias difíceis. A coligação com um partido de direita é aparentemente estranha. (A recusa de participar no governo por parte do KKE é ainda mais...). Mas a partida da viagem não podia ser melhor. Há que mobilizar solidariedades... Gregos somos agora todos nós, os que queremos uma política diferente, uma Europa diferente. A Itália e a França têm agora uma oportunidade de se afirmar. Em Espanha e em Portugal, há que esperar pela palavra do povo. Esperar, no sentido de ficar à espera das eleições, e também no sentido de ter esperança na coragem de o povo assumir um voto de mudança.

26 janeiro 2015

 

O Muro

O que aconteceu na Grécia é uma brecha no Muro de Berlim.
Talvez que, de brecha em brecha, o Muro caia mesmo.
A vitória do Syriza é a única, até ao momento, que pode acarretar mudanças a nível europeu.
A questão é que a gente não queira deixar a Grécia sozinha, mas queiramos forjar uma solidariedade entre os povos europeus, principalmente os do Sul, os tais que foram designados de PIIGS (os que estão separados pelo Muro). Um dos males desta política de destruição sistemática do bem estar dos povos e do modelo do Estado Social (veja-se o que está a acontecer no nosso país, mesmo a nível da saúde) é cada qual agir solitariamente e com plena submissão aos credores internacionais, querendo, aparentemente, fugir da "pocilga" e deixar lá os outros, como os gregos, com os quais os nossos politicos não se querem identificar. Veja-se as declarações que já foram produzidas em Portugal e Espanha.
Ora, também é tempo de demolir essa mentalidade nefasta; deitá-la abaixo com o Muro.

 

Poderemos?

Os gregos puderam, os espanhóis gritam "Podemos"... E nós, portugueses? Os gregos puderam porque romperam o círculo vicioso Nova Democracia/PASOK dos últimos 40 anos. (A propósito, viram o ar fúnebre do Passos Coelho hoje?) Em Portugal só demolindo o "arco da governabilidade" (e mandando os destroços ao dr. Mário Soares, que o inaugurou) se poderá esperar uma rutura com o passado. Mas será que o povo português vai querer poder? (E haverá vontade das forças políticas à esquerda de apresentarem uma verdadeira alternativa credível?)

 

Je suis grec

Pas besoin d'expliquer pourquoi.

 

Syriza

Já era tempo de se abrir uma janela no universo claustrofóbico da União Europeia.

18 janeiro 2015

 

A "liberdade de expressão"

A blasfémia só é corajosa quando é dirigida contra a religião dominante. Ridicularizar ou insultar a religião dos "outros" não revela coragem e pode ser perigoso. Perigoso porque pode ser visto por esses outros como agressão à sua própria comunidade. Sobretudo quando a religião constitui um elemento identitário central dessa comunidade. Ainda mais quando existe um historial de colonização/exploração/domínio sobre essa mesma comunidade ainda não resolvido. A liberdade de expressão não pode ignorar estes condicionalismos.

 

Romaria de Évora

Depois de Eduardo Lourenço, da galeria de notáveis só falta mesmo o Tino de Rans.

11 janeiro 2015

 

Charlie Hebdo


 

 

Sim, somos todos Charlie Hebdo, mas ainda estamos todos entupidos para pensar friamente no que se passou, no que se trem passado. Não é só a liberdade de expressão e de imprensa que estão em causa. É muito, muito mais do que isso. O que é que leva estes jovens ocidentais a aderirem a uma causa destas, que é, em tudo, o contrário da construção de uma sociedade justa, livre, tolerante e plural?, uma sociedade que é o regresso à mais nefanda intolerância da Idade Média e às trevas alimentadas por um totalitarismo religioso sem fronteiras?

 

O processo de Sócrates


 

Anda para aí uma grande confusão à volta do processo de Sócrates e da situação de prisão preventiva em que se encontra. Confusão que parece deliberada, nuns casos, e levianamente criada noutros casos. Há pessoas com responsabilidades que têm produzido declarações públicas que, para além de perturbarem o trabalho sereno da justiça, só contribuem para a descredibilização das instituições judiciárias e do próprio Estado de direito democrático. Aliás, o objectivo de tais declarações parece ser mesmo esse.

Na verdade, como entender que certas individualidades, algumas das quais já desempenharam altas funções a nível do Estado e têm formação jurídica, afirmem com veemência que a prisão de Sócrates é ilegal? Não o podem afirmar com convicção. Se não conhecem o processo, se não sabem quais são as razões que determinaram a sua prisão preventiva, quer do ponto de vista das provas indiciárias, quer do ponto de vista  dos fundamentos legais que lhe subjazem, não podem conscientemente afirmar que a prisão é ilegal. Já não falo de Mário Soares, que não tem, ao que aparenta, as melhores condições para uma análise serena, objectiva e lúcida, mas de outras pessoas com responsabilidades. Das duas, uma: ou querem, dolosamente, insinuar na opinião pública a ideia da ilegalidade da prisão de Sócrates, com vista a concitarem as pessoas contra o processo, ou agem completamente dominadas pela cegueira partidária ou movidas por qualquer interesse obscuro.

Com franqueza: eu não sei se a prisão preventiva de Sócrates foi bem ou mal determinada. Tenho como única referência o habeas corpus que correu trâmites no Supremo Tribunal de Justiça, mas é da natureza do habeas corpus não ir além de uma análise perfunctória que se limita a apreciar se a prisão preventiva decretada não é patentemente ilegal, mas não o mérito da decisão que a decretou. Essa análise compete a outra instância – a do recurso para o Tribunal da Relação. De forma que a próxima decisão desse tribunal será o primeiro teste, de ordem substancial, à adequação da medida coactiva que foi aplicada. Esperemos, pois. As personalidades que se têm pronunciado de forma tão descarada sobre a ilegalidade dessa prisão, em particular os juristas, têm a obrigação elementar de saber isto.

 

Uma outra questão que tem vindo à baila, incluindo pela boca de certos juristas, é a de os portugueses terem o direito de saber quais os factos concretos (leia-se: os indícios e até, pasme-se! as provas em que se fundamentam) que levaram à prisão do ex-primeiro-ministro. Era o que faltava! Que houvesse uma espécie de julgamento popular dos fundamentos da prisão preventiva aplicada a certos cidadãos! E que se mandassem às urtigas as cautelas requeridas legalmente para que uma investigação obtenha êxito e seja subtraída a intervenções perturbadoras vindas de fora!

Compreendo que Sócrates queira trazer o seu processo para a ribalta pública e que muitas pessoas o acompanhem nesse desiderato. Essa seria a forma de criar alarido à volta do processo judicial e de fazer submergir a investigação numa confusão pública generalizada.

As respostas de Sócrates à TVI são já uma manifestação desse intento. Com efeito, ele não se limita a defender-se de imputações feitas nos órgãos de comunicação social, mas preocupa-se fundamentalmente com lançar o descrédito sobre o processo, visando a investigação judicial e as entidades que a dirigem e que presidem aos respectivos actos.

Ora, esse tipo de “defesa” feita na comunicação social não me parece legítima. Aliás, para defender-se de imputações feitas na comunicação social, ou de simples juízos desabonatórios ou informações incorrectas, ele pode sempre usar o direito de resposta e simultaneamente apresentar queixa-crime por ofensa à honra, no caso de imputações ou juízos desonrosos e reclamar indemnização pelos danos causados.

Compreendo que esse tipo de “defesa” seja considerado perturbador, mas também não vejo que as declarações feitas por Sócrates sejam atentatórias do segredo de justiça. O que é que ele revelou que se possa considerar prejudicial às investigações? Podem, como disse, tais declarações serem perturbadoras para o processo, mas não me parece que sejam violadoras de qualquer sigilo.

 

Por fim, gostava de fazer mais uma observação: está a insinuar-se na comunicação social a ideia de que é livre a opinião sobre a culpabilidade ou inocência de uma pessoa. Não é. Essa é matéria subtraída à liberdade de expressão e de opinião. Alguns órgãos de comunicação social têm prestado um mau serviço à democracia e ao Estado de direito, propondo debates ou fóruns em que se dá a entender que é livre a opinião sobre essa matéria. Estão é a promover, no seu pior, a justiça popular.

07 janeiro 2015

 

Insinuações (pouco) diplomáticas

Numa breve "carta à diretora" do "Público" (hoje) o "embaixador aposentado" Francisco Seixas da Costa, depois de defender que aos diplomatas também deve ser atribuído um subsídio de exclusividade, à semelhança do que presumivelmente acontecerá com os magistrados, remata assim: "Reconheço, contudo, que os diplomatas estão longe de terem, nas suas mãos, instrumentos de pressão tão convincentes como aqueles que os magistrados possuem nos dias de hoje face aos políticos." Donde decorre que o diplomata considera que as investigações abertas e as condenações de ex-governantes não são mais do que "instrumentos de pressão" dos magistrados para obterem o dito subsídio (e eventualmente outras "regalias"), e que os atuais governantes cederam à "pressão" com receio de que lhes aconteça o mesmo... Parece-me bastante primário tal raciocínio, mais próprio de um motorista de táxi. Habitualmente os diplomatas, e concretamente o referido, desenvolvem argumentação mais subtil, profunda e perspicaz sobre os temas que tratam. Mas será melhor dar algum desconto: todos nós temos os nossos dias maus...

06 janeiro 2015

 

Como prevenir o terrorismo infantil

Li a notícia e fiquei incrédulo! O governo inglês apresentou ao parlamento um projeto de lei que obriga os professores, incluindo os educadores de infância (!!!), a vigiarem os seus alunos, de forma a detetarem (e denunciarem) aqueles que correm riscos de serem "seduzidos" pelo terrorismo!!! Nem Orwell, nem Huxley se lembraram de ficcionar coisa tão tenebrosa... E agora não é ficção, é a realidade... A Inglaterra vem sofrendo um acelerado retrocesso da sua celebrada cultura liberal, iniciado por Blair (o Tony) e agora continuado por um Cameron em pânico com a popularidade crescente do UKIP. Competir com a extrema-direita aprovando medidas ainda mais à direita é um completo desvario: a extrema-direita nunca ficará satisfeita, pedirá sempre mais e mais... A "Europa dos valores" está a ser enterrada aceleradamente.

05 janeiro 2015

 

Ulrich Beck

Morreu há poucos dias. Tornou-se famoso pela sua teorização da "sociedade do risco". Ultimamente assumira-se como um militante de oposição à "Europa alemã" promovida pela chancelarina "Merkievel". Vale bem a pena ler o livro "De Maquiavel a Merkievel: estratégias de poder na crise do euro", publicado pelas Edições 70. Retiro do livro este parágrafo, enunciando um apelo a um projeto cosmopolita à maneira kantiana, que sabe bem ler num alemão de hoje: "Está na altura de também os «excedentários» (Zygmunt Bauman), o precariado, os membros da classe média ameaçados de decadência, os jovens com boa formação académica que não têm qualquer hipótese de arranjar um emprego fixo, as pessoas idosas cuja pensão sofreu cortes, em suma, todos aqueles que são afetados como «danos colaterais» humanos em toda a Europa pela política de austeridade, tomarem a peito o imperativo cosmopolita: têm de cooperar a nivel transfronteiriço e empenhar-se, em conjunto, não por menos Europa, mas sim, a partir da base, por uma união política que se reja por princípios social-democratas, uma vez que só esta será capaz de enfrentar eficazmente as causas da miséria."

 

Um "senador" e outros "históricos"

Dizia o "senador" António Barreto ao "Público" no final do ano: "O sistema judicial vive em autogestão. Tem que se rever o atual modo, em que as decisões estão nas mãos dos senhores juízes e dos senhores magistrados." Penso que ele não quer pôr os deputados ou o governo a fazer as sentenças e as acusações... A ideia dele é ("apenas") a de pôr fim ao "autogoverno limitado" das magistraturas que a nossa Constituição consagra. Um "apenas" que afinal é tudo. Porque é precisamente esse autogoverno limitado (ou seja, a gestão conjunta das magistraturas por magistrados e representantes dos outtos órgãos de soberania) que garante a independência do poder judicial, um dos pilares do Estado de Direito! Este e outros proponentes do fim da "autogestão" o que querem afinal é o regresso ao velho "Conselho Superior Judiciário" do Estado Novo, dominado pelo governo, a par do fim da autonomia do MP, que passaria a ficar dependente do MJ... Estaria então o poder judicial politicamente bem "legitimado", ou seja, com a canga às costas, e não haveria seguramente mais ex-ministros, ex-primeiro-ministros, ex-deputados, ex-diretores-gerais, banqueiros, investigados, muito menos detidos... Berlusconi bem tentou uma "reforma da justiça" assim e não a conseguiu. Mas em Portugal a ideia tem adeptos e promotores e está, parece, a ganhar fôlego, se bem interpreto as descabeladas afirmações de muitos "históricos" da nossa vida política sobre o "estado da justiça"... Mas cuidado: a independência do poder judicial é uma "linha vermelha", cuja pisadura será fatal para a nossa democracia.

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