04 novembro 2014

 

Os verdadeiros direitos adquiridos


Nestes últimos decénios, sobretudo a partir da queda dos regimes de Leste e do Muro de Berlim, as ideias neoliberais adquiriram um novo influxo, sob a égide de um capitalismo eufórico, assente na crença do seu triunfo universal e na eliminação de todos os obstáculos ao seu “livre” desenvolvimento. Um ataque sem precedentes às conquistas do Estado social, aos direitos dos trabalhadores, às organizações sindicais, aos sectores público e cooperativo da economia e a tudo o que faça entrave à regulação pelos mercados da organização social e económica (na verdade, uma desregulação metodicamente levada cabo) passou a ser o grande objectivo das políticas públicas de muitos países, de blocos económicos e de instituições internacionais como o FMI.

Integrada nessa vasta campanha político-ideológica, tem-se destacado, com acérrima persistência, o combate aos “direitos adquiridos”, de que temos tido, em Portugal, brilhantíssimos e, por vezes, inesperados militantes. Pois bem! Esses direitos adquiridos nunca foram os dos grandes proprietários, os dos grandes senhores do capital, os dos titulares de chorudas rendas, os dos administradores pagos a milhões, que, mal perdem uma pequena fatia dos seus proventos, logo soltam aos ventos a injustiça de que se tornam vítimas. Se calhar, também não são os direitos adquiridos dos que pregam contra eles.

Em contraposição a esses direitos adquiridos, que são aqueles que beneficiam a maioria dos cidadãos, está em curso uma gigantesca tentativa de implantar novos e mais sólidos direitos adquiridos em benefício dos magnatas e do capitalismo global. Uma dessas tentativas, muito cautelosa e sigilosamente cozinhada nos bastidores, para não dar azo a grandes vozearias da populaça, chama-se “Grande Mercado Transatlântico”, entre a UE e os Estados Unidos da América e a outra chama-se “Acordo sobre Comércio e Serviços”, entre a UE, os Estados Unidos da América e mais umas dezenas de Estados por esse mundo fora.  

Em qualquer desses grandes acordos, o que está efectivamente em jogo é o estabelecimento de um código muito apertado de regras que permita às multinacionais e aos grandes detentores do capital aprofundarem e perpetuarem os seus direitos, a nível global, precavendo-se contra todas as eventualidades que os possam pôr em causa, incluindo reivindicações salariais, mutações legislativas, perturbações sociais, adopção de sistemas de protecção em benefício das populações que enfraqueçam os níveis de lucro esperados, reversões de serviços privatizados para o sector público, etc., etc., etc., sem esquecer a criação de tribunais arbitrais, de composição e localização muito convenientes à tutela de todo esse complexo de direitos.

Estes, sim, estes são os verdadeiros e intocáveis direitos adquiridos. Mais do que isso: sagrados. Os sagrados direitos do capital.

 





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