05 outubro 2014

 

A desconstrução da República


Hoje é o dia 5 de Outubro. Sim, hoje é o dia do centésimo quarto aniversário da implantação da República em Portugal. Numa outra perspectiva, seria o ano zero em que a República deixou de ser um acontecimento a assinalar no calendário, por obra e graça da eliminação dos feriados considerados menos relevantes no que diz respeito a efemérides da nossa História. Um dia roubado às pausas no trabalho, suscitadoras de reflexão e celebração, em prol de uma extensão da produtividade, quer dizer, de um dia mais a averbar na contabilidade do capital das empresas, sem custos adicionais para elas. Por sinal, calhou ser domingo e a falta do feriado não se notou.

Mas o pior ainda não é isso. O pior é a degradação dos ideais da República a todos os níveis: na cidadania, na qualidade da democracia, no funcionamento das instituições, na prestação de serviços públicos (da escola à saúde, da promoção da Ciência e das Artes à expectativa  - e já não digo segurança - de emprego, da habitação aos transportes), na protecção dos jovens e dos velhos, na diminuição das desigualdades, não só entre cidadãos, como entre o interior e o litoral, os agregados rurais e os centros urbanos.

Uma grande mole humana tem-se visto obrigada a emigrar, num dos maiores surtos de abandono do país da nossa História; os cérebros têm desertado para outras paragens; profissionais de vários ofícios (médicos, enfermeiros, engenheiros, arquitectos, juristas, pilotos da aviação) têm procurado quem lhes dá emprego lá fora ou vão no encalço de quem os alicia com melhores proventos.

O país despovoa-se, a natalidade reflui a olhos vistos, as nossas empresas, incluindo as mais emblemáticas e representativas de sectores estratégicos, são alienadas a estrangeiros. Entre a política e os negócios, descobrem-se, em cada dia que passa, episódios de ligações perigosas.

Há uma incerteza na aplicação da lei, tanta é a legislação que muda de um dia para o outro, a ponto de o cidadão não saber com o que conta. Isso é particularmente notável nas leis fiscais. E, pior do que isso, desprezam-se princípios que se tinham como adquiridos ou solidificados na ordem jurídica e direitos e garantias constitucionais que se tinham como irreversíveis, dado o seu carácter fundamental e a sua natureza partícipe do património dos direitos humanos. A esta investida, que é acompanhada por uma autêntica campanha ideológica, chamou o ex-Procurador-Geral da República, Cunha Rodrigues, “a descontrução do direito”, num ensaio publicado no Jornal de Letras n.º 1144, correspondente à quinzena de 6 a 19 de Agosto de 2014.

Não é outra coisa senão “descontrução” o que se tem vindo a fazer em vários níveis da sociedade portuguesa. Para dizermos tudo numa palavra, a descontrução que se tem vindo a empreender é a do próprio conceito material de República. Daí que a abolição do feriado seja  apenas o indício simbólico dessa desconstrução.





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