29 agosto 2014

 

Meet(ing)s

Dantes havia meetings. Eram comícios, manifestações, encontros de protesto ou de apelo à ação política. Faziam parte da agenda política da sociedade. Agora a palavra perdeu o "ing" e a "coisa" perdeu o caráter político/contestatário. Os "meets" aliás nasceram nos EUA e foram importados para Portugal por mero mimetismo. Não se inserem na luta política. São encontros de jovens sem objetivos específicos, são puros atos de exibição, potenciados pelas novas técnicas de comunicação. Os seus promotores e atores não pretendem nada, apenas "mostrar-se". Querem ser notícia, "aparecer" numa sociedade que os ignora. Isso envolve um risco elevado. É que, para aparecerem, precisam da comunicação social, mas para aparecerem na comunicação social, têm que ser apresentados como um risco, preferencialmente tem que haver distúrbios, ou mesmo "sangue"... Sem isso não há notícia, o "meet" não tem "interesse jornalístico". "Aparecer", para esses jovens (sobretudo se africanos), significa pois necessariamente serem exibidos como "perigosos". É este o risco e o paradoxo do protagonismo que procuram. E a comunicação social, sobretudo no mês de agosto, agradece estas não-notícias...

 

O direito penal e os animais não humanos

A tendência neocriminalizadora não para. A nova lei de criminalização de maus tratos a animais é um exemplo típico, académico, paradigmático, de direito penal simbólico: bem jurídico duvidoso; penas desproporcionadas; manifesta ineficácia da punição. As intenções são boas, mas delas está o inferno cheio... E o direito penal não serve para tranquilizar consciências...

 

Madame La Garde, arguida por favorecimento numa fraude, mas virtuosa

Madame La Garde, a diretora do FMI, foi constituída arguida em França, por favorecimento numa fraude, quando ministra das Finanças, do conhecido Bernard Tapie. A gravidade da imputação é enorme, e envolveria a demissão do cargo, se houvesse vergonha. Mas ela nega... E basta negar para conservar o lugar que Dominique SK perdeu, por se envolver com uma empregada de hotel (um caso sem relevância penal, como a justiça penal americana, com algum atraso, reconheceu). Isso, sim, era muito grave. Para o FMI, antes corrupto que libertino...

28 agosto 2014

 

As imagens terríveis deste Verão


São terríveis as imagens que ficam deste Verão tíbio.

A Faixa de Gaza reduzida a escombros pelos bombardeamentos sistemáticos de Israel: casas escalavradas, hospitais atingidos, escolas protegidas pela ONU, onde se acoitavam refugiados, atacadas, centros vitais destruídos. Montões de pedra, ruínas fumegantes, crianças entre destroços, pessoas chorando os seus mortos. Uma carnificina levada a cabo pelos falcões de Israel, com o objectivo de dizimar os palestinianos da Faixa de Gaza. O Hamas não é uma organização com a qual se simpatize e tem culpas no cartório, provocando, mesmo sabendo que a reacção vai ser brutal e pesada para o seu povo, possivelmente instrumentalizando civis inocentes e jogando com a contabilidade das vítimas do seu lado, mais do que as que é capaz de produzir do outro lado, mas a resposta israelita é brutal e não olha a meios.

A guerra na Ucrânia, outro foco de violência, com uma aeronave da Malasian Airways abatida, provavelmente pelas forças chamadas rebeldes, mas não sendo admitida por nenhuma delas, causando centenas de mortes de pessoas inocentes. Isto para além das mortes nas próprias fileiras, de um e outro lado, brutalidades, desalojados, numa escalada de agressividade, que vai pondo em confronto, de forma cada vez mais visível, os verdeiros contendores: a Federação Russa e a União Europeia, com os inevitáveis Estados Unidos da América.

Os fundamentalistas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante, desalojando povos, perseguindo minorias étnicas e religiosas, cometendo assassinatos em massa, praticando as mais cruéis atrocidades, exercendo vindicta, instrumentalizando inocentes, em nome de objectivos religiosos expansionistas que pretendem estabelecer um vasto domínio territorial submetido à sua perigosa ideologia e à autoridade da sharia (lei religiosa como lei regente da organização social e política), tal como eles, do seu particular ponto de vista, a entendem, porque são várias as facções islâmicas que se digladiam.  

Ainda a semana passada um membro deste grupo tenebroso (ao que tudo indica, nascido na Inglaterra) apareceu em imagens difundidas por todo o mundo vestido de negro, encapuzado, com dois buracos para os olhos, empunhando um facalhão na mão esquerda e tendo à sua direita, de joelhos, de cabeça rapada e envergando uma túnica alaranjada, o jornalista norte-americano Jhon Folley (free lancer), em cujo ombro apoiava a sua mão direita, perorando [o carniceiro] para as câmaras, pronto a degolar o dito jornalista, em retaliação por os Estados Unidos estarem a enviar armamento para o Iraque, para anularem as acções destes loucos fanáticos, onde também se contam alguns milhares de jovens europeus, que não encontram outros objectivos em que empregarem as suas tristes vidas.

Verdade que estes actores brutais, descendentes da Al-Qaeda, são em grande parte produto de uma certa estratégia ocidental e, particularmente, norte-americana, que começou na guerra do Afganistão e continuou depois na Zagreb e no Iraque e noutras partes do mundo.

E já que falei no Iraque, eis no que deu a invasão deste território em 2003, empreendida por Bush filho e Tony Blair, entretanto convertido ao catolicismo, ao que dizem, tendo essa invasão como pretexto motivações forjadas (não me refiro, evidentemente, ao regime ditatorial de Saddam Hussein).

Lembram-se daquela cena nos Açores com os quatro (Bush, Tony Blair, Durão Barroso e Aznar) posando para a posteridade? Pois que bonita posteridade!

22 agosto 2014

 

"As mulheres têm de ser protegidas de si próprias"

Quem o diz é a deputada e investigadora Elza Pais a propósito das mulheres vítimas de violência doméstica. Pois bem: o paternalismo em direito penal não é tolerável. Não se pode proteger a vítima da própria vítima. A "libertação" das mulheres vítimas de violência doméstica não pode ser obra de terceiros. O direito penal não pode intervir onde não há bem jurídico violado. As intenções progressistas podem redundar por vezes em propostas de tipo totalitário... Amigavelmente, poderia dizer à deputada Elza Pais que, ao emitir opiniões sobre direito penal, tem de ser protegida de si própria...

 

BES: a propósito de um artigo de jornal

O "Público" de ontem inseria um interessante artigo de Boaventura Sousa Santos e Conceição Gomes intitulado: "O caso BES: o teste de stress à justiça portuguesa", que vale a pena comentar. Estranho antes de mais o recurso à linguagem do capitalismo financeiro ("teste de stress")... Poderá ser (ou tentar ser) uma imagem literária ou um recurso estilístico irónico, mas é de mau gosto. Deixemos o stress e os seus testes para a gente do FMI e similares... Mas vamos ao que realmente importa. Depois de um intróito com evidentes laivos populistas (a tão glosada "impunidade dos poderosos"), os autores concentram-se em apresentar algumas sugestões (ou "exigências") ao MP e aos tribunais. E é essa parte do artigo que é digna de atenção. A primeira é a criação de uma equipa de investigação chefiada pelo MP e constituída por magistrados e agentes policiais e por peritos. Este ponto é verdadeiramente essencial. Foi trabalhando assim que o MP italiano conduziu o caso "Mani pulite", com os resultados que se conhecem. Uma equipa coesa, com direção clara de um magistrado do MP, multidisciplinar, atuando segundo uma estratégia previamente definida, e eliminando procedimentos burocráticos que atrasam o andamento da investigação. Segundo foi noticiado, a PGR já nomeou uma equipa com estas características. Terá pois sido escolhido o caminho certo... Este deverá ser o método de trabalho em todos os "casos difíceis". A complexidade da investigação não se compadece com a utilização de métodos tradicionais e rotineiros de investigação. O MP, em definitivo, tem de fazer a filtragem da criminalidade, aplicando massivamente os processos alternativos (nomeadamente a suspensão provisória do processo) na pequena criminalidade, para concentrar-se na grande criminalidade. A diretiva emitida há algum tempo pela PGR sobre a suspensão provisória do processo aponta também no bom caminho, embora os resultados não sejam ainda visíveis. Outro aspeto importante apontado pelos autores do artigo é a necessidade de um cumprimento rigoroso do prazos processuais, mesmo que não perentórios. A investigação, o inquérito, deve primar não só pela eficiência como pela qualidade. Há sempre o risco, nas investigações complexas, de cometimento de nulidades, nomeadamente de excesso de prazos. Mas o MP tem que nos habituar a um rigor superlativo, para mais num processo como este, que será um dos mais mediatizados de sempre (dentro e até fora de fronteiras, possivelmente), e que pode inaugurar uma nova fase na "justiça" portuguesa. Um outro aspeto referido pelos autores é o da necessidade de, na fase de julgamento, "disponibilizar formação especializada obrigatória a todos os magistrados que poderão vir a julgar este tipo de criminalidade, bem como a assessoria técnica". Ora bem: a ideia parece justa, mas não é. A assessoria técnica, sim, obviamente. Mas não a "formação especializada" dos juízes. Se a formação complementar dos juízes, efetuada com regularidade no CEJ, é uma medida essencial para a sua atualização, já a formação "especializada" destinada aos eventuais julgadores de um caso concreto me parece uma ideia completamente disparatada e até perigosa, porque os juízes dos tribunais criminais não podem ser especializados em tipos de crimes (juízes para a criminalidade eonómica, juízes para a corrupção, juízes para os homicídios, juíze(a)s para a violência doméstica, juízes para a droga...). Eles terão de saber julgar todo o tipo de crimes. E onde sobrevierem especiais dificuldades ténicas, aí entra a assessoria, e não juízes "especializados", que seriam uma espécie de tribunais especiais... Já a ideia de o CSM dever acompanhar o julgamento, para verificar o cumprimento dos prazos e dos princípios de gestão processual, parece-me ótima. Temos exemplos recentes (e nem vale a pena individualizar) de arrastamento intolerável de julgamentos e de carência evidente de capacidade de gestão do julgamento. Aqui é preciso também inovar, para melhor, evidentemente. Era também importante, digo eu, uma esforço da comunicação social para melhorar a qualidade da informação. Será possível? Voltando ao artigo, concordo com os autores na ideia que o "sistema judicial" deve atuar com responsabilidade democrática, e que este caso, pela sua especial relevância, não pode arrastar-se indefinidamente e apagar-se ingloriamente, como aconteceu com outros. É incontestável, digo eu agora, que os olhos de toda a gente estão postos na "justiça". E esta tem de responder com a celeridade imposta pelos prazos processuais, respeitando todos as regras e princípios, proferindo no final uma decisão transparente e fundamentada.

20 agosto 2014

 

Leituras rígidas e leituras moles da Constituição

Paulo Rangel veio mais uma vez criticar a "leitura rígida" da Constituição feita pelos juízes do TC. Estranho "conceito" este num jurista ilustre como ele é... Não conheço nenhum tratado de direito que distinga entre interpretações rígidas e "maleáveis" da lei. Os critérios da interpretação da lei vêm definidos no art. 9º do Código Civil: uma interpretação não literal, mas respeitando o espírito da lei, desde que vertido no próprio texto legal. A tarefa da interpretação da lei é uma tarefa de rigor, observando os critérios jurídicos estabelecidos. E o rigor é inimigo da maleabilidade pretendida por Rangel. Aliás, verdadeiramente, ele não pretende uma interpretação "maleável" da Constituição. Como já "explicou" um dia, ele quer pura e simplesmente que a nossa Constituição seja "lida" (ou seja, adaptada/revista) à luz de uma "constituição europeia não escrita", que seria constituída por uma amálgama de legislação e de jurisprudência europeias... Uma "constituição" elaborada nos gabinetes de Bruxelas, sem qualquer legitimidade popular, pelo menos enquanto texto constitucional da Europa, com força vinculativa relativamente aos estados membros. É essa "leitura mole" que Rangel repetidamente vem propondo aos juízes do TC, na falta de uma revisão constitucional democraticamente realizada...

19 agosto 2014

 

Algures, nos EUA

Numa "pacata" cidade do Missouri, algures no interior dos EUA, a morte de um negro às mãos de um polícia desencadeou motins que se arrastam há vários dias. Independentemente de se saber quem, no caso, tem "razão", o que importa salientar é a recorrência deste tipo de "incidentes" ao longo das últimas décadas, em cidades pacatas ou ruidosas, no norte ou no sul no oeste ou no leste... Qualquer chispa serve para atear um incêndio racial, certamente porque as desigualdades raciais se mantêm... Há muitos negros na televisão, no cinema e na música, alguns na função pública e em cargos políticos e até um mulato como presidente... Mas isso é mais folclore que realidade. A qualquer momento, em qualquer cidade, por motivos aparentemente "incompreensíveis", pode estalar a revolta da comunidade negra contra a discriminação. A conquista dos direitos cívicos vem revelando todos as suas limitações...

17 agosto 2014

 

O Tribunal Constitucional de novo a marcar posição


A coisa, digamos, mais risível é a interpretação dos acórdãos do Tribunal Constitucional em termos contabilísticos (para não dizer, em termos de mercearia) e segundo o princípio “a ver se pega”.  É um raciocínio que é mais ou menos assim: se o Tribunal não aceitou que um corte (porque se trata sempre e só de cortes) de Y não era admissível, mas já considerou anteriormente que um corte de X era aceitável, então vai-se reeditar a medida com um corte próximo desse valor já aceite para ver se passa; se o Tribunal já deixou passar uma medida transitória com um corte de X, vai-se forçar a mesma medida com um corte um pouco mais ousado, a partir de Y, por exemplo, mas verificando-se depois que esse corte não passou, reedita-se a mesma medida com um corte semelhante ao primeiro, e tendo essa medida passado já no crivo do Tribunal, então vai-se propor que a mesma seja para sempre, porque sendo para sempre, a medida converte-se em estrutural e já desaparece o problema da transitoriedade com que nasceu.

Claro que, por este processo contabilístico e ao mesmo tempo aleatório, nunca se acerta em nada. Por esta forma tipo totobola ou totoloto, nunca se vai a parte alguma. Admira é que se façam interpretações deste estilo, sem atentar bem no tipo de lógica, de raciocínio e de elaboração dos princípios estruturantes do discurso que tem sido produzido pelo TC. O resultado viu-se mais uma vez com estes dois últimos acórdãos. Não sei se eram estas “as boas notícias para o governo” que se esperavam e a que o Prof. Marcelo se referiu na TVI e que, durante toda a semana que passou, a mesma estação de TV não se cansou de retransmitir.

Sei é que os ditos acórdãos se situam na mesma linha coerente (Passos Coelho diz que não, mas é a opinião dele), contida e esperável (ou expectável, como agora sói dizer-se) da jurisprudência anterior do Tribunal. As leituras que se têm feito é que são incoerentes, porque norteadas por um espírito totobolista.  

13 agosto 2014

 

Acordos de sentença: um caso "exemplar"

Bernie Ecclestone, conhecido como "patrão" da Fórmula 1, estava a ser julgado num tribunal de Munique por corrupção ativa. Contudo, valendo-se da lei alemã de 2009 que admite "acordos de sentença" entre o MP e o arguido, depois "homologados" pelo tribunal, o ilustre arguido conseguiu negociar com o MP um acordo pondo termo ao processo, mediante o pagamento de 74 milhões de euros (quantia aparentemente astronómica mas que não afetará significativamente, segundo dizem, o património do arguido). Assim, arquivado o processo, e "limpa" a sua imnagem, o dito arguido conseguirá manter o domínio da Fórmula 1, o que não aconteceria em caso de condenação... História exemplar, não é verdade? Não há nada como o dinheiro para limpar a honra... Mas que a "justiça" colabore nisso é que repugna. Este é porventura um daqueles casos em que se torna evidente a diferenciação da justiça segundo o estatuto económico-social. Os ricos podem "comprar" a justiça... é o que se pode concluir... Um caso que mereceria a atenção dos nossos partidários dos "acordos de sentença"... Por cá, não irão faltar futuramente arguidos também ilustres (vêm-nos imediatemente à cabeça os nomes de alguns deles...) a querer beneficiar do instituto da negociação... E têm dinheiro (cá, ou em Singapura, ou no Brasil, ou nas Ilhas Caimão) para comprar o arquivamento do processo...

10 agosto 2014

 

Bibi, o novo Herodes

400 crianças abatidas em Gaza supera largamente o anterior máximo do rei Herodes, que se terá ficado por escassíssimas dezenas... Não há palavras que possam traduzir o desastre para o povo martirizado de Gaza, nem para transmitir a indignação que a chacina suscita...

 

Estranha assessoria

De toda aquela enorme trapalhada do BES, em que mais uma vez o Estado (e nós) fica embrulhado com alguns milhares de milhões de euros, há um aspeto curioso, a que não foi dado qualquer relevo, mas que me parece muito interessante. Foi, na verdade, noticiado que o BP, quando decidiu intervir no BES, "contratou o gabinete de advocacia VdA [Vieira de Almeida] para prestar assessoria na matéria e ajudar a 'formatar' uma solução que respeitasse o novo quadro da União Bancária Europeia." ("Público" de ontem, p. 19) Pasmo com esta notícia. O BP precisa de assessoria, de fora, nesta matéria? Não tem nos seus numerosos e valiosos (e bem pagos) quadros ninguém que perceba do assunto? Não há em todo o aparelho do Estado nenhum serviço habilitado a prestar aquela "assessoria"? Quais os honorários de um "serviço" como este? Não será mais barato e confiável o Estado ter quadros habilitados?

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