29 abril 2013

 

O perfume do poder

Já cheira ao poder para os lados do Rato... O congresso deste fim de semana apresentou a encenação conhecida dos dias de promessa: apelos unânimes à unidade, abraços intensos entre velhos inimigos, juras de fidelidade eterna para com o chefe, patriotismo a rodos, muitas bandeiras ondeando, projetos de ação ocos...
Enfim, a coreografia habitual... Que esperanças pode ela transmitir?

26 abril 2013

 

Sempre, sempre ao lado do governo

As declarações do PR ontem foram muito esclarecedoras: há "fadiga de austeridade" (se há... até um tal Cavaco Silva se queixa da pequena reforma que recebe...), mas a oposição não pode "explorar" a ansiedade e a inquietação dos portugueses. Deve, portanto, ajudar o governo a explicar aos mesmos portugueses afadigados, ansiosos e inquietos que a fadiga, a ansiedade e a inquietação são sentimentos antipatrióticos, devendo ser substituídos pela máxima de "aguentar, aguentar, custe o que custar", apregoada pelo patriota Ulrich, que tem uma vida de sacrifício e de sofrimento para apresentar como exemplo aos mais afadigados. Portanto, a função da oposição não é propriamente a de oposição, mas sim a de colaboração com o governo na exploração da tradicional benevolência e credulidade do bom povo português nos bons governantes que tem tido, na sorte que tem, de que tem de dar graças a deus, em ser tão bem governado.

22 abril 2013

 

Uma proposta a ponderar: sair do euro

João Ferreira do Amaral acaba de publicar um livro que tem de ser lido. Chama-se: “Porque devemos sair do euro”.   É evidentemente polémico e até assustador o tema, mas tem de se enfrentado, e o livro ajuda. Independentemente de algum contágio nacionalista, que não partilho, a análise do autor parece-me coerente e sólida.
Há algumas afirmações que retenho e que me parecem convincentes: o Tratado de Maastricht como triunfo do neoliberalismo, na medida em que é estabelecido que a política monetária tem como único fim a estabilidade dos preços (sem preocupação com o nível do emprego ou a situação da economia), sendo o BCE impedido de emprestar dinheiro aos estados nacionais, que ficaram assim nas mãos dos famosos “mercados”; o decorrente ataque ao “modelo social europeu”; o inevitável agravamento do fosso entre economias competitivas e as menos competitivas, com a criação da moeda única e a inexistência de mecanismos de “solidariedade” entre os respetivos estados…
Sair do euro de forma organizada é uma solução que não pode ser afastada se a recusa da solidariedade de “ricos” para “pobres” se mantiver.
E a solução não é tão absurda como isso. A crise da zona euro, que vai atingindo países centrais, como a Itália e a França, pode estar no horizonte.
Aliás, na Alemanha já começam a aparecer vozes no mesmo sentido. O recentíssimo partido que tem como único lema o fim do euro não parte de políticos populistas, mas de professores e académicos reconhecidos e responsáveis…

21 abril 2013

 

Resposta a um concidadão que me interpela


Onde se demonstra que é necessário olhar à realidade circundante para se não confundir cirurgia social com batalha campal

 

Meu Prezado Senhor:

Recebi a sua carta indignada, acusando o governo da Nação de parecer apostado em destruir o país. Escreve VM: Os membros do governo parecem ter ocupado os seus postos como se fossem atiradores colocados em lugares estratégicos para irem abatendo fábricas, casas de comércio, restaurantes, botequins, centros de diversão, instituições culturais, casas de recolhimento de idosos, creches, postos de trabalho e, escândalo dos escândalos, afugentando a juventude para países mais acolhedores. Dia a dia, são menos lojas, mais portas fechadas, mais fábricas encerradas, mais trabalhadores no desemprego, mais jovens a emigrarem, transformando as nossas  cidades em centros desoladores e desertificados.   

Quão bélica linguagem se destila no seu acrimonioso escrito! O que para aí vai de espingardeio fantasioso! V.M. desculpar-me-á, mas parece ter sido apanhado por esse vírus malfazejo que se alojou no cérebro de muitos dos nossos compatriotas, distorcendo-lhes a escorreita percepção das cousas. Pasmo de visão tão apocalíptica. V.M. compartilha do tom lamuriento daquelas massas ignaras que andam pelas ruas aos berros, erguendo punhos rancorosos para o ar, e dá mostras, como elas, de não entender nada da política patriótica que um punhado de concidadãos corajosos, sustentados pela maioria (repito: pela maioria) tem vindo a levar a cabo estoicamente, arrostando com toda a sorte de dificuldades, incompreensões, insultos e canalhices, e mesmo assim persistindo, contra ventos e marés, em permanecer firme nos seus postos.

Mesmo depois da sentença adversa do Tribunal da Magna Carta, veja V. M. como eles resistem com brio, enfrentando mais essa força de bloqueio. Tal não seria assim, se eles não estivessem plenamente convictos da sua acção restauradora das virtudes da Pátria, ou, se preferir, do plano de retrocesso progressivo que todos deveríamos acarinhar.

Como V.M. muito bem sabe, o nosso país entrou num terreno declivoso de maus vícios. As classes laboriosas conquistaram direitos inconcebíveis: horários de trabalho tabelados, fins-de-semana que vão do fim da tarde de sexta a domingo, vencimentos fixados por acordos colectivos, horas extraordinárias pagas a dobrar, férias pagas e ainda com direito a subsídio, mais um subsídio por ocasião do Natal a acrescer ao respectivo vencimento, subsídios por doença, subsídios por desemprego, subsídios por maternidade, diminuição da idade da reforma etc., etc, etc.

No que respeita aos servidores do Estado, nem se fala: todos esses direitos, talvez até reforçados, e ainda mais alguns. O funcionalismo vive repimpado nas suas escandalosas regalias.

Acrescente V. M. a isto um sistema de ensino público e um sistema de saúde «tendencialmente gratuitos», isto é, à custa do erário público, ou seja, dos nossos impostos. Tudo muito bonito, como reza a Magna Carta, que é uma espécie de vaca sagrada em que se não pode tocar.

Ora, nada disto podia dar bom resultado. Entrou-se numa sociedade de lazer, de ócio, de consumismo desenfreado por parte das grandes massas da população, enquanto o Estado e as famílias se iam atolando em dívidas. Por isso, os povos mais contidos e produtivos que nos têm permitido viver, generosamente, com os seus empréstimos, começaram a dizer, para nossa vergonha, que estávamos a viver acima das nossas possibilidades. Havia que pôr cobro a uma tal situação.

As classes laboriosas existem para laborar; as classes médias, para viverem na mediania. Não é todos viverem à tripa-forra, como se todos tivessem iguais direitos ao mesmo tratamento e privilégios.

Coube a este punhado de patriotas, alçado ao poder com o voto da maioria da população aplicar o remédio amargo que se impunha para vencer uma tal situação doentia, encetando a revolução original do empobrecimento generalizado. Restaurar as virtudes perdidas dos nossos antepassados foi o seu lema desde o início, retirando às classes laboriosas os direitos abusivamente conquistados e recolocando as classes médias na mediania de onde nunca deviam ter saído.

É claro que é naturalmente sobre elas que tem de recair o principal ónus do sacrifício e não me admiro nada que muitos dos que catapultaram estes patriotas ao poder se  queixem, lamuriem e protestem, mas pergunto: o doente que estivesse prisoneiro de grave doença consentiria na cura, se de antemão soubesse os dolorosos tratamentos a que iria ser submetido?

Pois este nosso governo, que muito nobremente, em funções, decidiu vestir uma bata de trabalho com as cores da nossa bandeira, é o cirurgião aplicado que vai extrair o câncer que ulcera o nosso país com uma cirurgia dolorosa, determinada e contumaz. Ir até à raiz do mal, isto é, até ao passado onde ele teve origem, eis o busílis da questão. Recuar cinquenta ou sessenta anos em tratamento retroviral, como agora se diz, não é nada fácil. Implica que muita coisa se perca, muito sangue novo se verta e muito sonho se desfaça. Mas é preciso andar para trás, para depois ir para a frente do ao para trás, percebeu?

Muitos resistirão; outros têm de sucumbir, pois essa é a lei da vida, a verdadeira Lei das leis.

Não confunda, porém, V. M. cirurgia social com batalha campal.

 

Queira V. M. dispor, sempre que queira, deste seu criado

 

Jonathan Swift (1665-1745)

 

Os tribunais e a realidade circundante


 

O presidente da República lembrou na Colômbia que os tribunais têm de estar atentos à realidade que o país atravessa. Eis uma verdade com a qual será difícil não estar de acordo.

Questiona-se se o presidente da República teve ou não em mente algum tribunal especial, nomeadamente o Tribunal Constitucional, cuja decisão sobre a Lei do Orçamento tem constituído o facto judiciário mais relevante nestas duas últimas semanas.

A verdade é que o presidente da República referiu-se genericamente aos tribunais e não, especificamente, a nenhum deles. Por outro lado, ele foi uma das personalidades que requereu a fiscalização da constitucionalidade, por ter dúvidas sobre a conformidade de algumas normas daquele diploma legislativo com a Lei Fundamental.

Por conseguinte, nesse contexto, parece um pouco paradoxal que, na sua advertência, tenha querido referir-se especialmente ao Tribunal Constitucional e, logo, por ter declarado a inconstitucionalidade de algumas normas da Lei do Orçamento, quando ele próprio teve dúvidas sobre a constitucionalidade de parte dessas normas. A menos que ele tenha querido fazer a advertência, não ao Tribunal Constitucional, por ter decidido como decidiu, mas àqueles que, nomeadamente ao Governo, vêm criticando o TC por não ter, alegadamente, mostrado solidariedade com as demais instituições e órgãos de soberania na situação decorrente do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro que o país atravessa.

Foi, então, como se lembrasse a esses críticos que o TC cumpriu o seu dever, atendendo à realidade económica e financeira decorrente das medidas de austeridade, que têm pesado de forma muito problemática, para não dizer calamitosa, sobre certos sectores da sociedade portuguesa.

De resto, é muito avisada a observação do presidente da República sobre a necessidade de os tribunais em geral deverem atender, nas suas decisões, à realidade circundante, sobretudo nesta situação de crise. Por exemplo, muitos juízes do crime continuam a fazer impender, negativamente, sobre os arguidos a situação de estarem desempregados, sem terem em devida conta a realidade de desemprego forçado que é a nossa, actualmente.

Outras situações são as dos arrendatários que não podem pagar as rendas de casa, as quais, não obstante a crise, subiram de forma generalizada; a das pessoas que perdem a casa por deixarem de ter possibilidade de pagar os empréstimos aos bancos e continuarem com dívidas aos mesmos bancos, correspondentes à diferença entre o preço obtido em hasta pública e o valor do empréstimo que ainda falta pagar, etc., etc., etc.

Em todas essas situações e muitas outras, os tribunais, nas decisões que têm de emitir, deveriam atender, como advertiu o presidente da República, à realidade que o país atravessa.

18 abril 2013

 

Nova exigência da troika de malfeitores

Já não se contentam com os cortes. Agora querem mais: um consenso maioritário. Traduzido em miúdos, querem que o governo consiga o acordo do PS para os ditos cortes. O governo talvez esteja a acordar tarde. Sempre pensou que bastava a maioria absoluta com o CDS. Agora pedem-lhe mais. E hoje passou o dia a lançar palavras maviosas ao PS (como a raposa ao corvo na história tradicional). O PS segura-se (até ver; mas o corvo, como se sabe, acabou por se deixar enganar). Aliás, Seguro fixou uma fasquia muito alta (o fim da austeridade) para negociar, e agora será difícil recuar sem perder a face, isto é, a credibilidade.
E entretanto a troika à espera... Como sair da embrulhada?

16 abril 2013

 

O céu finlandês

O PM finlandês esteve por cá e deu uma entrevista ao "Público" de 14.4.2013. Em seu entender, tudo está a correr bem em Portugal, mesmo o que está a correr mal... É que é uma questão de prazo. A médio prazo estaremos a caminho do céu, porque esse caminho tem que ser percorrido integralmente, sem atalhos. Sofrer para merecer o paraíso! É a ética luterana que este pregador de banha de cobra nos quer vender.

 

Os inimigos da igualdade

O dr. Valente soube agora, com o acórdão do TC, que a Constituição consagra o princípio da igualdade e não se conforma. Todo o seu magistério, como historiador e como publicista, tem sido norteado pela desmistificação (pelo desmascaramento) da ideia/projeto da igualdade. E a Constituição mantém-se imóvel e insensível ao seu magistério! É uma ofensa pessoal! E diz mais o mesmo mestre: aceitar o princípio da igualdade como princípio regulador é um provincianismo português (sic)! Acabar com o princípio da igualdade será, pois, uma prova de progresso civilizacional! (É certo que ele não diz qual é a constituição que não consagra o dito princípio; mesmo a sua amada constituição americana sofre do mesmo "provincianismo"...) Acreditem: isto veio escrito no "Público" do dia 14.4.2013.
Mas no mesmo número do dito jornal aparece outro artigo que não é muito melhor. Vem subscrito por M. Costa Andrade, invocando a sua qualidade de "professor da Faculdade de Direito de Coimbra", mas a verdade é que esse artigo foi escrito pelo militante do PSD que usa o mesmo nome e que coincide no mesmo corpo. Na verdade, tal artigo, na sua virulenta crítica ao acórdão do TC, não contém um único argumento jurídico, como seria de esperar do professor de direito. Insinua inclusivamente, o que é estranho num jurista, mas está a tornar-se corrente nos juristas da nova geração neoliberal, que a Constituição económico-financeira está suspensa em "tempos de cólera" (revela leituras literárias, o que é de sublinhar positivamente) e apelida o princípio de igualdade invocado pelo TC de "obscuro e parkinsoniano [???] conceito de igualdade" (que metáfora tão rudimentar como argumento). E, na linha do PM, acaba por acusar o TC de ser o causador de todos os males futuros que nos foram prometidos pelo governo. Esperemos que o professor de direito regresse urgentemente, dispensando os serviços do militante partidário.

12 abril 2013

 

Regozijo

Como leitor do "Público", manifesto aqui o meu regozijo pelas ascenção do dr. Pedro Lomba ao governo da Nação (pois espero que não tenha tempo para escrever no jornal).
Agora ele vai ter oportunidade de pôr em execução o seu arreigado ódio aos funcionários públicos, os grandes inimigos dos portugueses...

 

Os novos "estrangeirados"

O nosso país tinha uma brilhante tradição de estrangeirados desde o sec. XVIII. Eram homens cultos, abertos ao mundo e sobretudo às ideias novas, traziam os ventos da liberdade e da justiça social, eram progressistas no melhor sentido do termo, acreditavam que podia haver um mundo melhor e queriam que Portugal fizesse parte desse mundo. Foram ainda dessa cepa os estrangeirados do sec. XX: Fidelino de Figueiredo, Sérgio, Jaime Cortesão, Vitorino Magalhães Godinho, Magalhães Vilhena, Miguéis, Eduardo Lourenço, e tantos, tantos outros...
Mas agora temos uma vaga inversa: vêm de universidades estrangeiras, americanas quase sempre, e, segundo parece, com títulos académicos. Mas as ideias que trazem, as propostas que fazem e aqui querem introduzir é do mais retrógrado que há. Se chegam ao governo, é para fazer o país empobrecer, recuar em legislação e direitos de cidadania, seguir submissamente modelos impostos de fora. Nomes? Não é preciso (ontem entrou mais um no governo!).

11 abril 2013

 

Ulrich Beck contra "Merkievel"

Quero aqui chamar a atenção para um opúsculo absolutamente notável do filófiso/sociólogo Ulrich Beck, publicado há pouco e que se intitula "A Europa Alemã: de Maquiavel a 'Merkievel'": estratégias de poder na crise do euro" (Edições 70).
O título já diz muito... Mas valer a pena ler! Vale a pena constatar que nem todos os alemães dizem sim à Kanzlerin (chancelerina, em português, pois chanceler tem feminino também na nossa língua...).
Algumas ideias do autor quero sintetizar.
A primeira é a da estratégia do poder do governo o alemão. Todos nós estranhamos as contínuas hesitações e adiamentos de solução dos problemas por parte da Alemanha. Parece-nos estranho porque normalmente o exercício do poder caracteriza-se pela exibição rápida e sem hesitações desse exercício. Mas, maquiavelicamente, a sra. Merkel optou por uma estratégia diferente: perante os riscos decorrentes da crise do euro (que é sobretudo dos outros, entenda-se, dos devedores, dos submetidos à tutela alemã), ela não exerce qualquer poder, ela prescinde de tomar decisões, ela simplesmente nada decide contra ou a favor dos tutelados. Ela deixa levar os riscos até ao limite admissível, e quando aí chega não toma decisões frontais, toma meias-decisões que não resolvem os problemas, arrastam-nos, arrastando os súbditos, prendendo-os à corda alemã eternamente. Maquiavel não faria melhor. Esta princesa suplantou o principe...
Outra afirmação decisiva de Beck: a crise só se resolverá com a "grande política", não com as propostas assentes na "cegueira da economia"! Segundo ele, a crise do euro é acima de tudo "a crise dos valores europeus de abertura ao mundo, paz e tolerância". E continua: "Quem considera a Europa igual ao euro já desistiu da Europa. A Europa é uma aliança de antigas culturas mundiais e superpotências que procuram uma saída da sua história bélica. A arrogância dos europeus do norte em relação aos países do sul, alegadamente preguiçosos e sem disciplina, demonstra um esquecimento simplesmente brutal da história e uma ignorância cultural."
De salientar, a sua proposta de um novo "contrao social europeu" assente nos cidadãos, não nos estados, a "Europa dos indivíduos que ainda têm de se transformar no soberano da democracia europeia". Um movimento transnacional que promova a mudança é o que ele propõe: "Está na altura de (...) todos aqueles que são afetados como 'danos colaterais' humanos em toda a Europa pela política de austeridade tomarem a peito o imperativo cosmopolita. têm de cooperar a nível transfonteiriço e empenhar-se, em conjunto, não por menos Europa, mas sim a partir da base, por uma união política que se reja por princípios social-democratas, uma vez que só esta será capaz de enfrentar eficazmente as causas da miséria."
Uma proposta de ação cosmopolita e radical: contra a "ilegitimidade da Europa neoliberal" no poder, a mobilização transnacional de todos os perdedores e marginalizados pelo sistema no poder!
(Vale a pena ler, é o que eu digo! Quem esperaria isto de um filósofo alemão nos tempos merkiavélicos?)

07 abril 2013

 

A declaração óbvia


 

Tivemos, finalmente, o que já se esperava: o PM veio à TV fazer uma grave declaração ao País, em que atirou para cima do Tribunal Constitucional toda a responsabilidade pelo revés sofrido com o acórdão tornado público na sexta-feira.

A partir de agora, parece que fica legitimada toda a acção governativa no sentido de acabar de vez com o Estado Social, talvez mesmo sem o simulacro de uma grande discussão acerca das funções do Estado.

Não seria mais prático acabar com o próprio TC, pois que se está a ver que, mesmo com juízes indigitados pelos partidos, embora eleitos por maioria qualificada na AR, se não consegue abolir a mania da independência que eles ostentam?

Uma boa solução seria declarar a sua inexistência com efeitos retroactivos.  

 

Uma breve retificação à prof. Fernanda Palma

Na sua crónica de hoje no "Correio da Manhã", Fernanda Palma procede a uma análise simultaneamente rigorosa e sintética da decisão do TC que é muito esclarecedora para o público menos familiarizado com o direito (e mesmo para o familiarizado).
Já na parte final tropecei, porém, com algumas afirmações sobre o STJ que são incorretas e que convém esclarecer. Quero, porém, primeiro afirmar mais uma vez (já o disse aqui múltiplas vezes) que sou incondicionalmente favorável ao modelo do TC que temos (talvez menos quanto ao modo de recrutamendo dos juízes...).
Diz Fernanda Palma que o STJ nunca foi o "motor" do controlo da constitucionalidade. Claro que não! Até porque, mesmo que o quisesse, ser, não podia! Esse papel cabe precisamente ao TC!
Diz também que só muito recentemente o STJ "conseguiu integrar mulheres e personalidades oriundas de fora da magistratura". E acrescenta: "o maior desafio para a cultura da constitucionalidade é libertar-se de preconceitos ideológicos e abrir o pensamento a novas dimensões da Justiça".
Ora bem. Quanto às mulheres, há que explicar que as magistradas de carreira só há pouco vêm preenchendo as condições de antiguidade impostas para o acesso ao STJ, dado que o acesso das mulheres à magistratura só se deu após o 25 de abril!
Quanto às "personalidades", a verdade é que, estando a possibilidade do seu ingresso no STJ prevista na lei desde 1978, e tirando o caso excecional de Meneres Pimentel (antigo magistrado),  nunca houve "personalidades"  interessadas em concorrer ao STJ (nem a própria prof. Fernanda Palma) até 2006, quando concorreu uma ex-juíza do TC, que entrou nesse concurso (e se mantém no ativo). No último concurso já houve três "personalidades" concorrentes, tendo a "personalidade" classificada em 1º lugar sido já colocada.
Tudo isto a prof. Fernanda Palma sabe muito bem. Por isso não compreendo como atribui a "preconceitos ideológicos" a pequena expressão de mulheres e de "personalidades" na composição do STJ...

 

O direito a um título académico


Uma das crónicas mais acertadas, esta que Vasco Pulido Valente assinou no Público de ontem, sábado. Uma das mais acertadas e das que põem mais a nu a ridicularia lusitana que se centra na ganância pela aquisição dum título de dr., eng.º ou arq.º.

  O “dr” (ou eng, ou arq.) à frente do nome afirma o direito do maior burro ou, mais frequentemente, do maior ignorante a mandar no próximo e a receber a maior consideração dos povos.

Miguel Relvas (e também José Sócrates) não resistiram à “vergonha” de se apresentar como na verdade eram e foram a correr arranjar um título “respeitável”, de que não precisavam, para se mostrar aos portugueses. Como antigamente os merceeiros ricos se torciam para ascender à dignidade de comendador ou de barão. Ninguém os levava a sério, como hoje ninguém leva a sério os licenciados que universidades de 3.ª ou 4.ª categoria fabricam à pressa para consumo da ingenuidade portuguesa.

Se me permitem citar-me a mim próprio, escrevi numa crónica publicada no JN datada de 03/02/2000 (A mania do doutorismo): « Portugal deve ser dos poucos países, senão mesmo o único, em que continua florescente a mania do doutorismo.

»Toda a gente que tenha levado até ao fim uma qualquer licenciatura é como se ascendesse a uma espécie de aristocracia em que a nobreza do sangue é substituída pela nobreza de um título que passa a ter o direito de usar: o Dr. “Dr. Fulano de Tal, ora faça o favor de dobrar a língua”. Frequentemente é o próprio quem o lembra, declinando, nas alturas apropriadas, o nome próprio, antecedido do indispensável Dr. “Chamo-me Dr. Fulano de Tal”.

»O Dr. adere à identidade pessoal, como coisa inseparável, apesar de não figurar, lamentavelmente, no bilhete de identidade. Deveria ser uma marca, uma tatuagem na pele ostentada em lugar visível e que permitisse o imediato reconhecimento de quem tem (ou se sente com) o direito ao título. Quem divisasse tal sinal ou marca ficava logo a ver que estava na presença de um Dr., passando a tratá-lo com a deferência devida ao estatuto correspondente. A voz tornar-se-ia grave ou melíflua, consoante as circunstâncias, o espinhaço dobrar-se-ia naquela curva mais ou menos pronunciada com que se acata a conspicuidade doutoral, as coisas começariam a rolar praticamente sobre esferas.»

 Hoje, adquirir um título académico tornou-se a coisa mais banal e, como se vê, cada vez menos  digna de qualquer crédito. Forjam-se diplomas  como quem fabrica cuecas ou peúgas.

Ora, não seria mais correcto satisfazer as aspirações de tantos concidadãos (ou indígenas, como invariavelmente lhes chama Vasco Pulido Valente) conferindo a todos, pelo simples facto do nascimento, um título académico, dr., eng. ou arq.,segundo percentagens adequadas e devidamente ponderadas? Os que nascessem no primeiro quartel do ano seriam intitulados de dr.; os do segundo quartel, teriam direito ao título de eng. e os do terceiro quartel, o de arq. Assim, ou por outra ordem, tanto importa.  

 

O dr. Valente no labirinto da sua ignorância

O miserável ataque hoje desferido no "Público" pelo dr. Valente contra o presidente do TC desprestigia apenas e somente o seu autor, em progressivo e irreversível delírio, de crónica para crónica.
Começa o dr. Valente por revelar que ignorava que o princípio da igualdade está consagrado na Constituição, ou pelo menos que os juízes não lhe deviam dar atenção, mostrando assim o nível dos seus conhecimentos jurídicos...
Mais ignora quem seja o presidente do TC, nunca ouviu falar nele, como se aquilo que ele ignora não existisse ou fosse supérfluo ou não tivesse valor suficiente para aceder ao seu superior conhecimento! O dr. Valente é de facto ignorante em muitas coisas, mas a pior ignorância de que padece é a sua arrogância destituída de senso...
O dr. Valente também não sabe que o procedimento de nomeação dos juízes do TC inclui uma "prova pública" na AR. O dr. Valente não sabe nada do TC nem da Constituição, mas julga-se no direito de falar do alto da sua cátedra de ignorante sobre o que não sabe.
A imprensa e o comentário político está hoje entregue em grande parte a gente assim... Na TV, então, são aos montes. Um tal Raul Vaz dizia, comentando o acórdão do TC, que este tribunal também tem, como os outros órgãos de soberania, responsabilidade política... É este o nível médio do comentário político que temos (e recebem dinheiro para dizer estas alarvidades...).

 

A decisão tão esperada


 

Ainda não li a decisão do Tribunal Constitucional, mas, à primeira vista, parece-me que foi adoptado um padrão mínimo e cauteloso na declaração de inconstitucionalidades, preservando o mais possível a Lei do Orçamento. A redução de escalões, por exemplo, criando nítidas desigualdades no agravamento da carga fiscal e sobrecarregando a classe média, ainda com o acréscimo da sobretaxa, seria um dos casos que, a meu ver, merecia ser fulminado com a declaração de inconstitucionalidade.

Mesmo, porém, com as limitações que será possível apontar ao acórdão, o TC deu mostras de  independência, face às pressões que sobre os juízes se acumularam nos últimos dias, algumas delas completamente despudoradas. Só isso já é suficiente motivo para nos regozijarmos com o funcionamento de um órgão jurisdicional que tem por função opor uma barreira às pretensões mais radicais do poder executivo e da sua maioria, pondo em causa direitos fundamentais dos cidadãos.

Neste caso, até juízes indigitados pelos partidos da tal maioria votaram a favor de algumas inconstitucionalidades, o que dá maior consistência à percepção que já se vinha registando de há muito de que se tem vindo a fazer tábua rasa de princípios fundamentais da Constituição, apesar das advertências de gente avisada e do veredicto do próprio TC sobre a Lei do Orçamento do ano passado.

Algumas críticas que foram feitas ao TC por determinados comentadores políticos, cada vez mais ligados às forças político-partidárias do chamado “arco do poder”, verberando a demora da decisão, têm subjacente o completo desconhecimento do funcionamento de um tribunal e a complexidade das questões envolvidas na decisão. Ou então estavam à espera que o tribunal decidisse rapidamente, limitando-se a uma mera função de ratificação das opções tomadas por via legislativa. Reacções posteriores à decisão dão alguma consistência a esta hipótese e prenunciam a intenção de fazer do TC bode expiatório dos fracassos governativos. 

Outra nota a assinalar é a disponibilidade manifestada pelo presidente do TC para se colocar à disposição dos jornalistas para responder a questões, em ordem a clarificar os fundamentos da decisão. Creio ser a primeira vez que isto acontece e pode constituir um princípio de actuação que, não devendo ser usado a torto e a direito, contribuirá para uma outra forma de relacionamento entre a justiça e os media.

 

05 abril 2013

 

Há juízes em Lisboa!

Os juízes do TC confirmaram eloquentemente que não se deixaram pressionar com a chantagem da ruína orçamental apregoada pelo governo e afirmaram ruidosamente o primado da Constituição. Honraram o seu estatuto de guardiões da Constituição. Poderá dizer-se que isso seria o mínimo exigível... Mas nas atuais circunstâncias políticas, internas e internacionais, é uma atitude corajosa e exemplar. Presto-lhes aqui a minha modestíssima homenagem. É certo que poderiam ter ido mais longe, que o princípio constitucional da confiança continua a não merecer os favores do Tribunal, mas isso agora não é o fundamental. O fundamental é a afirmação da Constituição e do Tribunal que vigia e salvaguarda o seu cumprimento nestes tempos difíceis.
Quero salientar ainda a grande serenidade, qualidade e dignidade das declarações /esclarecimentos do presidente do tribunal perante a avalanche de perguntas dos jornalistas no final da leitura do acórdão.
Enfim, um marco na nossa vida democrática (valeu a pena esperar três meses mais uma hora...).

03 abril 2013

 

Política e justiça


A propósito da  tão discutida (nos últimos dias) judicialização da política, sobretudo por causa da lei dos mandatos autárquicos, mas também da questão por alguns levantada (esterilmente) da convocada intervenção do Tribunal Constitucional no que diz respeito à apreciação da constitucionalidade da Lei do Orçamento, como se houvesse aí uma indesejada imiscuição do poder judicial na esfera política e uma infracção  à regra da separação dos poderes, andei à cata de uma antiga crónica minha publicada no Jornal de Notícias, até que a encontrei. É de 30/10/2003.

Para se ver que a questão é antiga.

O artigo é bastante sucinto, por força das limitações de espaço que me foram impostas na altura, mas é, a meu ver, suficientemente revelador.

Ei-lo:

 

 

                               Política e Justiça

 

Seria um debate muito fascinante esse das relações entre a política e a justiça – um debate que tem vindo crescentemente a ser objecto de estudos no âmbito académico. Falou-se entre nós de politização da justiça e de judicialização da política e logo a comunicação social afinou praticamente toda pelo mesmo diapasão: não à politização da justiça e não à judicialização da política. Mas o problema é demasiado complexo para ser tratado dessa maneira tão simplista.

A politização da justiça é um facto, sem que signifique necessariamente uma imiscuição do poder político no poder judicial, ou mais concretamente na independência dos juízes, essa sim de salvaguardar a todo o custo. Não é por acaso que se diz que a tão glosada «crise da justiça», comum a praticamente todos os países democráticos ocidentais, é a «crise política da justiça», nela estando implicado o tradicional isolamento do poder judicial e o seu tradicional ensimesmamento corporativo, a reclamar uma maior abertura e permeabilização aos princípios democráticos e de soberania popular.

O mesmo se diga em relação à judicialização da política. Esta não é um fenómeno resultante de qualquer voluntarismo. É uma realidade que não adianta negar. Se não, veja-se o papel do Tribunal Constitucional, a função do Tribunal de Contas, os chamados crimes de responsabilidade politica, a delegação crescente do poder de legislar em órgãos técnicos especializados, gerando uma complexidade normativa, que tantas vezes o juiz moderno é convocado a interpretar de forma criadora. Veja-se o que o académico Ralf Dahrendorf escreveu sobre o tema num artigo chamado «A era dos juízes» («Público» de 19/8/2003).

 

02 abril 2013

 

Direito de resistência e desobediência civil

Eu sou dos que acham que o direito de resistência não cobre todas as situações de direito à resistência, mas apenas aquelas que se traduzam na defesa estrita dos direitos, liberdades e garatias. O não pagamento dos impostos, mesmo em situações de carência extrema, não poderá, pois, receber a proteção do direito à resistência.
A desobediência civil caracteriza-se precisamente pelo reconhecimento da ilicitude da conduta adotada, e pela assunção frontal das consequências associadas à desobediência à lei considerada injusta, no propósito de lutar pela sua revogação.

 

A alegada "vinculação" ao fatídico memorando

Terá a deputada do lenço enrolado ao pescoço (a "constitucionalista" de serviço permanente ao governo) afirmado que o memorando da troika "vincula" todos, incluindo o Tribunal Constitucional.
Ora, esta afirmação é claramente excessiva. Na verdade o dito memorando não vincula ninguém! Não estamos perante um tratado internacional! É um mero "protocolo", uma declaração de intenções sem valor jurídico. Se Portugal não cumprir o memorando, a troika não pode demandá-la perante nenhum tribunal por esse incumprimento. Poderá apenas pedir a devolução do dinheiro emprestado (com os juros, claro), nada mais!
O que vincula os portugueses e o TC é a Constituição (e os tratados e convenções assinados por Portugal). A legislação aprovada pela AR em obediência ao memorando terá que passar pelo teste da constitucionalidade, não a Constituição pelo teste da conformidade com o memorando!




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