04 março 2013

 

A propósito das mais recentes manifestações populares


ou de como a arte de bem governar sabe ferir a sensibilidade das grandes massas do nosso povo.

 

Senhor:

Estou a escrever-lhe sobre os últimos acontecimentos, ainda tocado pela imensa vibração que animou as ruas das nossas cidades. V. M. há-de certamente ter experimentado o mesmo sentimento patriótico que eu, ao ver as principais artérias da nossa capital totalmente ocupadas por levas sucessivas de uma multidão que parecia não ter fim. Noutras cidades do nosso pequeno grande país também as ruas se encheram de multidão, segundo as novas que nos chegaram com a presteza que os inventos da nossa época possibilitam. Sobretudo na grande cidade nortenha de Oporto, parece que nunca se viu tamanha onda de pessoas desfilando pelas ruas centrais e aglomerando-se naquela grande praça a que chamam da Liberdade.

Velhos, novos e crianças, muitas às carrapitas dos pais ou dos avós, deram corpo às grandiosas manifestações. Nenhum governo, nestes últimos quarenta anos, conseguiu uma tão magna proeza. Este é um feito que deve ser averbado à boa governança que temos tido, com destaque para a coragem e firmeza do ministro-mor e do ministro da Fazenda. Temos aqui a prova provada do grande efeito que as medidas patrióticas que têm sido tomadas estão a produzir nas massas populares e nas classes medianas.

A política de alto coturno é aquela que causa impacto nessas classes sociais, não as deixando indiferentes, mas levando-as a exprimir as suas emoções nestes espectaculares momentos em que as multidões se comprimem nas ruas, se expandem pelas avenidas e se concentram nas praças principais. Uma tão magnífica espectacularidade não pode senão encher de ufania aqueles que, neste momento de reviravolta, têm a glória de presidir aos nossos destinos.

Mas também lhe digo, meu Excelentíssimo Amigo, eles não devem deixar-se toldar por estes espectáculos das multidões. Devem continuar  com a mesma coragem e determinação que os tem movido deste o princípio. Estou bem certo de que a fibra por eles demonstrada até ao momento na condução dos negócios públicos cria em nós a justa expectativa de que continuarão a trilhar inflexivelmente o mesmo caminho, sem se desviarem um milímetro do rumo traçado. Assim é a têmpera dos grandes condutores de povos, os que têm lugar garantido nas páginas imorredoiras da História. Dos fracos não reza ela.

Um dos momentos mais exaltantes das manifestações foi aquele em que, simultaneamente, em todas as cidades do país, se entoaram cânticos de há quarenta anos atrás, nomeadamente aquele que fala do povo: O povo é quem mais ordena, etc. e tal. Magnífico momento esse! Significa ele que estamos a atingir o cume mais alto da nossa presente revolução, cujo objectivo é precisamente o de irmos aceleradamente ao encontro do nosso Obscuro Passado.

E com esta grande consigna revolucionária vou dar por finda esta missiva, de que peço perdão a V. M. pelo carácter um tanto exaltado que a impregna.

Deus guarde a V. M. e lhe reserve o futuro risonho que sempre sonhou para a nossa Pátria.

Seu, do coração

 

Jonathan Swift (1665-1745)  





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