28 março 2013

 

Sócrates


Regressou com um novo vocábulo no seu léxico pessoal: narrativa.

É um vocábulo que entranhou nos falantes da comunicação social, depois de filosoficamente ter feito o seu curso com os filósofos do chamado pós-modernismo, que constataram a falência das grandes narrativas. Das grandes narrativas, passou-se à desconstrução, a torto e a direito, das pequenas narrativas.

Sócrates veio para desmontar a pequena e vulgarizada narrativa que campeia acerca da sua governação. E não se pode dizer que o não tenha feito com a sua indiscutível habilidade retórica. A todo o momento intervinha para denunciar a narrativa oficial que o dueto de entrevistadores foi insinuando de forma mais ou menos dissimulada ou envergonhada, esforçando-se, a muito custo e sem o conseguirem, por levarem para a frente o seu intento de oporem um dique ou desviarem a corrente torrencial do seu discurso.

Sócrates veio para inverter a narrativa em que os seus opositores pretendem envolver a sua governação e para lavar a sua honra. Em muitos aspectos conseguiu-o. Como conseguiu aproveitar magistralmente a oportunidade que lhe deram para dar umas facadas valentes no presidente da República, agora em nítida maré de baixa de popularidade.

Mas Sócrates chegou aos estúdios da TV com duas horas de antecedência, por causa de certas coisas, e saiu do carro olhando de soslaio para o cenário envolvente. Ao fim e ao cabo, ele foi alvo, enquanto governante, das maiores manifestações que se fizeram depois do “25 de Abril”.

Não tão grandes e numerosas como as que este governo já averbou. Mas granjeou muitos ódios, embora se tenha a convicção de que ele nunca levaria o país para o caminho que tem sido trilhado por este governo, sobretudo no que se refere ao completo desmantelamento do Estado Social.

Sócrates não teria ido tão longe, apesar de eu nunca ter tido grande fé no seu socialismo. Preocupava-se demasiado com a sua encadernação exterior. Mas será que alguém pretende ressuscitá-lo (ele até veio na época da Paixão) como actor da política portuguesa, e não apenas como comentador político?

Será ele para muita gente o D. Sebastião em cujo regresso fantasmático se põe toda a esperança? E para muitos outros o anjo maldito que vem perturbar a já muito fragilizada paz doméstica?

 

A cabecinha deles

As pressões políticas, e de políticos, sobre o TC não são nefastas apenas por serem tentativas de condicionamento de uma decisão de um órgão que se quer independente e apenas vinculado à Lei e à Constituição. Elas traduzem, a um nível mais "fundo", uma certa cultura do político nativo, que ainda não se libertou efectivamente das ataduras atávicas de outros tempos sombrios e pouco recomendáveis. A Constituição pode bem “pregar” que os tribunais são independentes; a Lei pode bem consagrar os mecanismos, processuais e estatutários, adequados a garantir aquela independência – mas o que uma e outra não conseguem é alterar a cabecinha coriácea e bafienta do político indígena.

 

Pressionados, mas não impressionados...

Não considero intoleráveis, muito menos ilícitas, as declarações de membros do governo "pressionando" o TC... Há evidentemente limites para as pressões sobre um tribunal. Mas se elas forem públicas e à vista de toda a gente e se resumirem à retórica argumentativa da parte interessada (como é o governo neste caso) não excedem a fronteira do democraticamente tolerável. No fundo, as pressões denunciam o pânico do "pressionador" e podem até vir a ser contraproducentes...
É precisamente para combater as pressões que existe a independência dos tribunais e dos juízes. E os juízes do TC, apesar de um diferente recrutamento, são juízes como os outros. Quando decidem, fazem-no segundo a lei e o direito, é essa a sua única fidelidade.
Temos que acreditar, como o moleiro que enfrentou Frederico, o Grande, que há juízes em Berlim, aliás em Lisboa!

26 março 2013

 

Concorrência ao rubro no mercado televisivo

Não é a primeira vez que os canais de televisão entram em concorrência desenfreada na compra de "ativos" que possam captar as audiências. Primeiro, foram as meninas apresentadoras, depois aquelas já não propriamente meninas, mas ainda apresentáveis. Seguiram-se os humoristas e outros animadores. Guerras de contratações e de transferências, como no futebol, tudo dentro do melhor funcionamento do mercado.
Atingiu-se agora um novo patamar: o dos comentadores políticos. Depois do já muito desgastado prof. Bitaites, outros vêm sendo contratados ou transferidos, numa guerra aberta dos canais em torno dos ativos mais rentáveis.
O mais interessante é que todos os contratados são agentes político-partidários, uns no ativo, outros à espreita da oportunidade para reentrar... São auto e heterocomentadores. Todos da mesma família (alargada).
Quanto a remunerações ainda não ouvi nada, mas o mercado tem as suas leis: aumentando a procura da mercadoria sobem os preços.

25 março 2013

 

O dr. Sarkozy a contas com juízes parciais

Tradicionalmente, os governantes franceses, nomeadamente presidente e ex-presidentes, sentem-se acima da justiça, dos tribunais, ou seja, consideram-se impunes pela justiça humana (e com a divina podem eles bem). Foi assim com Chirac, é agora com Sarkozy. Chamado a depor como testemunha por um juiz, saiu do tribunal como arguido. O dr. Sarkozy não gostou. E vai daí requer a recusa do juiz por falta de imparcialidade (imparcialidade teria sido o juiz pedir-lhe desculpa pela afronta de o ter ouvido como testemunha e mandá-lo tranquilamente para casa). Afinal, um expediente já velho e relho noutras paragens e sempre útil nas mãos de relapsos.

 

O espanto do dr. Selassié

O dr. Selassié, o sorridente chefe da nossa troika (um etíope a chefiar dois alemães é obra!), mostrou, mais uma vez, a sua "surpresa" com o crescimento avassalador do desemprego em Portugal. Já no ano passado ele tinha ficado surpreendido com o mesmo fenómeno. E o dr. Selassié continua a não perceber porque é que o desemprego cresce... Parece que atribui o facto a causas de força maior ou a forças da natureza, em qualquer caso não domináveis pela ação do homem, muito menos atribuíveis à ação da mesma troika...
Causa estranheza tanta "incompetência" em homens formados por "escolas de negócios" bem cotadas no mundo financeiro...
Não me parece que seja tanto a incompetência, como a obediência à cartilha dos chefes, a cegueira ideológica aprendida nessas "escolas", que impede de ver a realidade mais evidente... O que o dr. Selassié não percebe é o que não quer perceber, porque extravasa do dogma que aprendeu: que a austeridade gera recessão e desemprego!  Se insistir na mesma receita, o resultado será cada vez pior... Tão simples, dr. Selassié... O pior cego é o que não quer ver, e o FMI (e a UE da kaiserina Merkel) é hoje um barranco de cegos...

22 março 2013

 

A imperatriz da Europa prestes a perder a paciência

A Kaiserina Angela Merkel avisou solenemente Chipre que está prestes a perder a paciência com esse país... "Não deve abusar da minha paciência", diz ela... De facto, é inacreditável que países em dificuldades financeiras queiram manter o funcionamento das instituições democráticas, como os parlamentos, os tribunais constitucionais, etc. Isso são luxos que só os ricos podem suportar... A senhora já teve acessos de fúria (em privado, por enquanto) com aquele minúsculo país (metade de uma ilha!!!). Não se sabe se conseguirá aguentar-se serena em público por muito mais tempo (ela não conhece o "aguenta aguenta" do Ulrich) com estes países cá dos fundos da Europa...
Mal sabe ela para o que pode estar guardada... Ainda estará lembrada que Portugal tem um Tribunal Constitucional?

20 março 2013

 

As virtudes de madame La Garde

A madame La Garde pode ser mais virtuosa em matéria de cama do que o seu antecessor imediato, mas em matéria de "fundos" apresenta alguns "desvios"... Pelo menos é o que pensam as autoridades francesas, que fizeram uma busca à casa que tem em Paris...
Terá ela condições para continuar no cargo de diretora do FMI? Só os "desvios" sexuais é que não são tolerados naquela virtuosa casa?

19 março 2013

 

Pôr o dinheiro no colchão!

A incompetência e irresponsabilidade dos ministros das Finanças da Zona Euro (e dos governos que integram) foi completamente posta a nu com esta crise de Chipre. Queriam fazer chantagem sobre o povo cipriota e confiscar as poupanças, sem que ninguém escapasse. Recuaram depois, reduzindo a margem de confisco. Mesmo assim, a "proposta" foi rejeitada pelo parlamento cipriota, na sequência do quase levantamento popular do fim de semana passado. Perderam, pois! Veremos o que se segue, que não vai ser fácil para o povo de Chipre, pois eles têm mau perder...
E por isso eu vou tomar as minhas cautelas e desde já pôr o meu dinheiro no colchão!

 

Prisões privadas: uma indústria florescente (mas exigente...)

O progressivo recurso ao sistema penal como meio de controlo social nos EUA, opção que data dos anos 80 e da viragem neoliberal de Reagan e da sua "guerra às drogas", que duramente discrimina a comunidade negra, e provocou um galopante crescimento da população condenada nos EUA, grande parte dela canalizada para as prisões. Nenhum sistema prisional comporta uma tal pressão permanente. Daí surgiu a ideia "genial" de privatizar as prisões. Em vez de mudar a política criminal, abre-se o sistema público aos privados, sempre muito eficazes na prestação de serviços (e na obtenção de lucros com os menores custos possíveis...).
A privatização de funções soberanas (a execução das penas é evidentemente uma função soberana!) é uma ideia aberrante em democracia, uma opção delirante e só admissível pela degeneração que a deriva neoliberal vem infligindo ao estado democrático no seu próprio núcleo.
Por um lado, a política estatal de execução das penas, que tem fins públicos (ressocialização, antes de mais), é rigorosamente indelegável. Por outro lado, a execução das penas não é senão uma fase (a final) do processo penal e deve obedecer aos objetivos de política criminal.
A privatização do sistema prisional não é apenas uma questão de logística ou de intendência. É a inversão do sistema penal, que, em vez de ser orientado pelos fins das penas definidos pelos órgãos de soberania, é comandado pelos interesses, privados, dos donos das cadeias. Porque, como é evidente, os lucros são diretamente proporcionais ao número de reclusos... Uma política pública que privilegie a descriminalização e as penas não detentivas não serve... As prisões têm de encher, só assim o negócio dá, só assim há interessados na indústria penitenciária...
Uma recente notícia de "Le Nouvel Observateur" (21.2.2013) vem trazer alguns dados interessantes: uma população prisional de 2.300.000, 280.000 encarcerados em 2005, mais de 50% cinco anos mais tarde. Dois grupos económicos controlam o "setor": CCA, Nashville, do Tennessee, com 66 prisões, 91.000 camas em 20 estados; Geo Group Boca Raton, da Flórida, com 65 estabelecimentos prisionais, e 66.000 camas em 17 estados...
De arrepiar...
Mas o pior é ainda o chamado "lobbying" (o nome que a corrupção ativa tem nos EUA...). Para manter as taxas de reclusão, as empresas penitenciárias não podem ficar paradas... Para influenciarem as políticas públicas têm "agentes", não só a nível estadual, como em Washington, junto de senadores e mesmo da Casa Branca... (Nada de chocante naquelas paragens...)
O pior é que as opções políticas dos EUA acabam sempre por ter alguma influência na Europa. Em França há quem defenda parcerias público-privadas (vade retro Satanás!) para construir novas prisões... Em Portugal tais parcerias estão agora completamente desacreditadas, mas nunca se sabe... Já alguém falou na milagrosa solução da privatização... Há que estar atento.

18 março 2013

 

O prémio merecido


O ministro das Finanças afirmou há tempos atrás, a propósito das manifestações de 2 de Março, que não lhe interessava a popularidade, mas antes a opinião dos nossos parceiros de Bruxelas, que indicavam estar Portugal no bom caminho.

Pois bem, os nossos parceiros de Bruxelas, representados na troika, mais o FMI, acabam de lhe dar a classificação merecida. O país está a afundar-se com a política que tem sido seguida – facto que não constitui novidade para qualquer observador mediano – política que se tem traduzido na adopção de medidas de austeridade sobre medidas de austeridade, ou, por outras palavras, na execução impávida do próprio programa da troika, levada ao extremo de um excesso de cumprimento das imposições dessa tríade de excelsos peritos.

Mostrar que se cumpria mais do que era exigido parecia ser o objectivo para evidenciar Portugal como bom, obediente e subserviente aluno, contra os sentimentos de grande parte do povo português e a opinião de tantos analistas independentes, não só do nosso meio, mas também do estrangeiro.

Agora, a troika demarca-se das medidas tomadas e responsabiliza o governo português pela evidência do desastre.

Uma saída de Mestre (para a troika) e uma boa entaladela para o governo e para o ministro Gaspar.

È assim que se premeiam os seguidores incondicionais.


13 março 2013

 

O Tribunal Constitucional de todos nós

Depois de o PR de todos nós ter, numa pungente/patética confissão/testamento, admitido a sua irrelevância, resta-nos o TC... Para defender a Constituição e os nossos direitos que lá estão consagrados. Sabemos que não é fácil, na presente conjuntura, ser fiel ao direito. Mais fácil é alinhar com os ditames do "realismo", do "pragmatismo", etc., ou seja, com as diretivas de Berlim e da sua troika.
Mas um tribunal é sempre um tribunal, isto é, o lugar do direito. Na próxima decisão, está em causa (e em risco) o futuro dos nossos direitos, mas também o futuro do próprio TC. Temos de acreditar que o TC não quer atingir o grau da irrelevância!

12 março 2013

 

Jornalismo de sofá


Luís Varatojo, guitarrista de uma banda que muito aprecio – A Naifa -  que alia uma excelente música a letras de poetas como José Miguel Silva, Adília Lopes, Rui Lage, Tiago Gomes, Eduardo Pitta, a propósito de certos comentários feitos às últimas manifestações, escreveu no último número da Visão:

A leitura socio-política, feita por uma grande parte dos comentadores, da manifestação de 2 de Março, foi, como habitualmente, tendenciosa e distante da realidade. Os factos recolhem-se no terreno – se tivessem saído à rua e visto o que eu vi, de certeza que o comentário seria outro. «Jornalismo de sofá, bafiento e arregimentado.      

11 março 2013

 

A sobrevivência de Marx


 

 

Há dias (5/02/2013), o eurodeputado Paulo Rangel escreveu sobre Marx, na sua habitual crónica semanal no Público. Realçou a importância que ainda hoje tem o seu pensamento (a importância filosófica e histórica da sua obra é inegável), mesmo em correntes sociais que o rejeitam. Porém, fez questão de distinguir Marx do marxismo ou dos marxistas, o que não é novidade nenhuma, pois o próprio Marx se demarcou dessas classificações, e principalmente do marxismo-leninismo, o que também não custa nada a aceitar, dado que o marxismo-leninismo é um pretenso completamento das ideias de Marx, ou do que se pensava serem essas ideias, uma vulgata revolucionária, oficializada no tempo de Estaline.

De resto, estou de acordo quanto à importância de Marx salientada por Paulo Rangel, que, no seu artigo “O triunfo de Marx”, pôs em relevo, não sei se um pouco ironicamente, se como uma espécie de “aviso à navegação”, a sobrevivência do pensamento marxista nos dias de hoje, ao subordinar[-se] toda a actuação à mais básica e instintiva “necessidade” económica.

Na verdade, Marx é um espectro que não cessa de reaparecer, como o pai assassinado de Hamlet, e até nisso, nessa realidade espectral, Marx não deixa de ser um fantasma insepulto, por mais que os seus coveiros o queiram declarar como morto e enterrado. O fantasma está sempre à espreita e na iminência de reaparecer como espectro, que é preciso esconjurar.

Foi isso que Jacques Derrida expôs complexamente numa das suas últimas obras, um livro difícil  Spectres de Marx, de leitura tão escarpada como A Ideologia Alemã, do próprio Marx, principalmente na análise que este faz do pensamento de Stirner. Espectros que não existem só fora do pensamento marxista, mas dentro deste mesmo pensamento, e não só à direita, como também à esquerda.

Pois a verdade é que Marx está presente, ao menos como espectro, consciente ou inconsciente, para ameaçar-nos constantemente com o seu triunfo. Assim é que, por mais que neguem e esconjurem a “luta de classes”, os líderes que nos têm governado (e, de entre os últimos, incluo evidentemente Sócrates) recorrem frequentemente (tantas vezes de forma grotesca) a esse conceito fundamental do pensamento de Marx. É ver como se tem fomentado a “luta de classes” com fins instrumentais e mesmo pérfidos: os trabalhadores do privado contra os funcionários públicos; os precários contra os trabalhadores que têm um emprego mais ou menos estável; os desempregados contra os que ainda têm trabalho; os sindicalizados contra os não sindicalizados; os jovens trabalhadores contra os reformados, etc.

Não se trata já da burguesia contra o proletariado, mas dos trabalhadores do sector privado contra os do sector público e de entre todos estes, dos pretensos privilegiados (os que ainda têm alguns direitos) contra os que não têm direitos nenhuns. As antigas classes dominantes é que continuam com o seu domínio intocável.    

10 março 2013

 

O problema é comunicacional, diz o dr. Selassié

O dr. Selassié, que ainda anda por aí, encontra apenas um "erro" na ação do governo: a "dificuldade na comunicação" com o povo... Ou seja, para ele o problema é que o povo ainda não percebeu, porque não lhe explicaram como deve ser, que a troika é um trio de benfeitores, que são eles que trazem periodicamente o chequezinho, sem o qual não sobreviveríamos... Educar o povo, é preciso! Mas os educadores que têm aparecido (Borges, Ulrich) são um pouco rudes de maneiras (apesar de serem de boas famílias) e acabam por estragar tudo. O povo é duro de entendimento e anda desconfiado... O FMI não tem peritos na área da "comunicação popular"? Os programas de austeridade deviam incluir uma componente "comunicacional" que facilitasse a sua aplicação aos povos ingratos e desconfiados (que são todos, afinal!).

07 março 2013

 

Nota da direção do "Público"

O editorial de hoje intitulado "Venezuela, o país de um homem só" foi escrito pela embaixada dos EUA.

 

Chávez

Nunca gostei muito do estilo populista de comunicação de Chávez. Fazia-me sempre lembrar Perón... (felizmente que sem nenhuma Evita)
Mas não há dúvida que ele governou de forma diferente da das "democracias" oligárquicas que o antecederam na Venezuela. Ele redistribuiu a riqueza do país, elevou o nível de vida da população, governou para os pobres, em síntese (o que revoltou o nosso José Manuel Fernandes e outros "pensadores" locais, que acham que isso dá cabo da "economia").
E os pobres apoiaram-no sem restrições e agora choram-no apaixonadamente.
A grande prova dos seus sucessores é agora mostrar que o chavismo não era só Chávez e continuar os caminhos (sustentáveis) da redistribuição da riqueza. O que se passar na Venezuela nos próximos meses e anos (se o chavismo, no que tem de essencial, resistir) pode vir a ter influência global.

05 março 2013

 

O ministro e as manifestações


 

O ministro das Finanças teve hoje oportunidade de expressar a sua opinião a respeito das últimas manifestações. Não lhe interessa a popularidade e dá mais valor à opinião dos nossos parceiros de Bruxelas, que dizem que Portugal está a ir no bom caminho.

Não é a opinião do povo que lhe importa; é a dos tecnocratas. Não é a de milhares de portugueses que sofrem os efeitos de uma violenta austeridade; é a de meia dúzia de personalidades estrangeiras que não fazem ideia do que é viver em Portugal.

Ou seja: o ministro não governa para dentro; governa para fora.

Não lhe interessa o juízo das massas populares do nosso país; interessa-lhe a classificação que  lhe dão os supostos craques europeus, provavelmente com a mira posta no seu valor académico.

04 março 2013

 

A propósito das mais recentes manifestações populares


ou de como a arte de bem governar sabe ferir a sensibilidade das grandes massas do nosso povo.

 

Senhor:

Estou a escrever-lhe sobre os últimos acontecimentos, ainda tocado pela imensa vibração que animou as ruas das nossas cidades. V. M. há-de certamente ter experimentado o mesmo sentimento patriótico que eu, ao ver as principais artérias da nossa capital totalmente ocupadas por levas sucessivas de uma multidão que parecia não ter fim. Noutras cidades do nosso pequeno grande país também as ruas se encheram de multidão, segundo as novas que nos chegaram com a presteza que os inventos da nossa época possibilitam. Sobretudo na grande cidade nortenha de Oporto, parece que nunca se viu tamanha onda de pessoas desfilando pelas ruas centrais e aglomerando-se naquela grande praça a que chamam da Liberdade.

Velhos, novos e crianças, muitas às carrapitas dos pais ou dos avós, deram corpo às grandiosas manifestações. Nenhum governo, nestes últimos quarenta anos, conseguiu uma tão magna proeza. Este é um feito que deve ser averbado à boa governança que temos tido, com destaque para a coragem e firmeza do ministro-mor e do ministro da Fazenda. Temos aqui a prova provada do grande efeito que as medidas patrióticas que têm sido tomadas estão a produzir nas massas populares e nas classes medianas.

A política de alto coturno é aquela que causa impacto nessas classes sociais, não as deixando indiferentes, mas levando-as a exprimir as suas emoções nestes espectaculares momentos em que as multidões se comprimem nas ruas, se expandem pelas avenidas e se concentram nas praças principais. Uma tão magnífica espectacularidade não pode senão encher de ufania aqueles que, neste momento de reviravolta, têm a glória de presidir aos nossos destinos.

Mas também lhe digo, meu Excelentíssimo Amigo, eles não devem deixar-se toldar por estes espectáculos das multidões. Devem continuar  com a mesma coragem e determinação que os tem movido deste o princípio. Estou bem certo de que a fibra por eles demonstrada até ao momento na condução dos negócios públicos cria em nós a justa expectativa de que continuarão a trilhar inflexivelmente o mesmo caminho, sem se desviarem um milímetro do rumo traçado. Assim é a têmpera dos grandes condutores de povos, os que têm lugar garantido nas páginas imorredoiras da História. Dos fracos não reza ela.

Um dos momentos mais exaltantes das manifestações foi aquele em que, simultaneamente, em todas as cidades do país, se entoaram cânticos de há quarenta anos atrás, nomeadamente aquele que fala do povo: O povo é quem mais ordena, etc. e tal. Magnífico momento esse! Significa ele que estamos a atingir o cume mais alto da nossa presente revolução, cujo objectivo é precisamente o de irmos aceleradamente ao encontro do nosso Obscuro Passado.

E com esta grande consigna revolucionária vou dar por finda esta missiva, de que peço perdão a V. M. pelo carácter um tanto exaltado que a impregna.

Deus guarde a V. M. e lhe reserve o futuro risonho que sempre sonhou para a nossa Pátria.

Seu, do coração

 

Jonathan Swift (1665-1745)  

02 março 2013

 

Para quando?

Para quando a formação de um agente político unitário que dê corpo e projeto político a esta imensa multidão de vozes de protesto e revolta? Para quando a formação de uma alternativa coerente, consistente e credível? Para quando uma proposta política que convença as pessoas que é possível a mudança?
Continuaremos condenados a escolher entre o mesmo e o idêntico ao mesmo?

 

Onde andará o dr. Selassié?

As manifestações apanharam os infelizes funcionários da troika por cá. Eles andam sempre escondidos porque sabem que todos os povos por eles ajudados são ingratos e, em vez de se mostrarem reconhecidos pelas ajudas, são malcriados e sabe-se lá o que poderão fazer aos benfeitores se os deixarem à solta...
Ora, precisamente hoje o povo andou à solta, disse mal de quem quis, passeou à vontade pelas cidades, cantou a "Vila Morena" (os troikos ainda não perceberam do que se trata), enfim pintou a manta...
Os governantes reservam sempre estes dias para a vida doméstica (a ministra da Agricutura, diz-se, passou o dia a fazer um casaquinho de malha para o próximo rebento). Mas que fazer com os convidados? Esconder-lhes o que se passa? Metê-los em algum esconderijo, não vá o diabo tecê-las?...
Ignora-se qual foi a decisão. Ignora-se o que fez hoje o dr. Selassié e seus muchachos. Talvez tenham aproveitado o tempo, nalguma sala esconsa do hotel, para adiantar o relatório que têm que apresentar aos chefes... Um relatório onde as manifestações não serão mencionadas, porque eles vêm apenas tratar de contas (sobretudo de subtrair), como meros contabilistas que são.

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