10 fevereiro 2013

 

O bom povo portugês


 

Ao reler uma parte da História de Portugal coordenada por Rui Ramos, referente ao período liberal (uma época que revisito de vez em quando em diversos manuais), deparei com aquela fase de apodrecimento do regime que já vinha de trás, mas que se acentuou a seguir ao ultimatum e à revolta abortada do “31 de Janeiro”. Na sucessão rápida de governos, cumprindo o ritual de um rotativismo esgotado entre o partido regenerador e o progressista, em 1892, em situação de declínio económico e financeiro, que acrescia ao apodrecimento da situação política, formou-se mais um governo, desta feita de independentes, sob a presidência de Dias Ferreira (o conceituado professor de direito da Universidade de Coimbra), tendo como ministro da Fazenda Oliveira Martins.

Escreve a propósito Rui Ramos:

No ambiente de alarme financeiro, Martins agravou os impostos, cortou os ordenados dos funcionários (até 20%), deduziu 30% nos juros da dívida pública interna e suspendeu as admissões na função pública.

Isto fez-me lembrar dolorosamente o nosso presente, embora não haja equivalência entre a situação da época e a actual e eu não acredite em retornos cíclicos. O que, porém, mais me impressionou foram as apreciações íntimas (em correspondência epistolar) de Oliveira Martins sobre a situação, nestes termos:

Isto nem forças tem para se sublevar. O cáustico dos impostos e deduções quase que foi recebido com bênçãos. Somos um povo excelente cujo fundo é a fraqueza bondosa e uma grande passividade.

 

Isto de sermos um povo excelente tem sido amplamente glosado na época presente. Gaspar, que não é Oliveira Martins, elevou a apreciação até à quinta essência: Somos o melhor povo do mundo. E embora se não referisse (mas talvez pensasse) no cáustico dos impostos como bênçãos, atirou sobre o lombo dos contribuintes uma tenebrosa carga de impostos. E já não sei se isso de as elites considerarem o povo português como excelente ou o melhor do mundo é um elogio ou uma confiada aposta na sua fraqueza bondosa e na sua grande passividade.





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