09 janeiro 2013

 

Na alvorada do Ano Novo


com uma proposta para se levar com coragem patriótica o difícil e decisivo ano que agora principia.

 

Meu Excelentíssimo Amigo:

 

Agora que o Novo Ano acabou de acordar para um renovado giro, não quero deixar de endereçar a Vossa Mercê os meus sinceros desejos de que tudo lhe corra da melhor feição, assim no plano pessoal como no das realizações patrióticas em que está tão empenhado.

Permita-me V. M. que lhe fale um pouco deste ano tão decisivo para a nossa Pátria.

Com efeito, este é o ano em que se espera que as medidas projectadas no âmbito da revolução do empobrecimento em curso reconduzam finalmente o país até ao nível em que se encontrava mais ou menos há quarenta anos atrás. Tarefa, na verdade, espinhosa e muito dura.

Inventariemos:

Os soldos das classes trabalhadoras irão continuar a descer muito acentuadamente, permitindo o desejado embaratecimento da mão de obra. Como V. M. muito bem sabe, o embaratecimento da mão de obra encarece-a, tornando-a mais desejável e mais procurada. Logo, redunda num bem caro e precioso do ponto de vista económico e do ponto de vista do brio do trabalhador.

No mesmo objectivo se inscreve o aprofundamento da facilitação do despedimento, tornando-o ainda menos oneroso para os donos das empresas do que já foi conseguido até aqui e mais estimulante para o mercado do trabalho, incitando os trabalhadores a aperfeiçoarem e a diversificarem as suas capacidades, com o que se enriquecerão.

Idem, no que se refere aos subsídios pagos aos desempregados e ao desejado encurtamento do tempo em que os mesmos podem continuar a auferir os ditos subsídios, pois com isso se desestimula a preguiça, que é um dos sete pecados capitais, e se força o indivíduo inactivo a procurar trabalho, pois só ele dignifica o ser humano.     

Os reformados constituem um fardo para a sociedade e o Estado, recebendo uma pensão sem darem nada em troca. Logo, um dos objectivos principais a conseguir é reduzir-lhes o montante da pensão o mais que se possa, fazendo retornar à origem, por outra via, parte do que se lhes dá. O ideal seria estabelecer um mecanismo como o das fontes ornamentais em que a água sai de uma dessas carantonhas para um tanque ou uma concha, ou outra qualquer coisa que V. M. queira imaginar e reentra no depósito de onde sai por um sistema de tubagens ocultas, de modo a criar uma aparência de corrimento perene.

O nosso ministro do Tesouro criou um mecanismo parecido, do qual muito se espera, ao devolver neste ano que agora principia um dos subsídios cortados aos funcionários do Estado, mas fazendo-o reentrar nos cofres da tesouraria através de impostos que incidem sobre ele e sobre todo o rendimento. Deste modo, criar-se-á a ilusão de que a torneira que se reabriu deixa correr para a mão dos funcionários, todos os meses, o dito subsídio, que, em realidade, se escapa logo da mão dos pretensos contemplados para refluir, como que por magia, para o depósito de onde saiu. V. M. há-de convir que se trata de uma operação de alta engenhosidade que tem, por detrás, o louvável intuito de ir habituando estes funcionários a viverem sem nenhum subsídio e de acordo com o nível de empobrecimento desejado, com vista à restauração dos antigos hábitos e costumes.

O mesmo se pode dizer dos restantes trabalhadores, cuja habituação aos subsídios se tem revelado perniciosa para o orçamento das empresas e da competição económica em geral.

No capítulo da saúde dos cidadãos genericamente considerados é muito louvável o esforço que tem sido feito no sentido de capacitar os nossos compatriotas de que a doença custa dinheiro ao Estado e de que têm de aprender a evitá-la. Estou convicto de que V. M. estará de acordo com a ideia de que a doença é um vício, como o tabaco ou o álcool. As pessoas têm de meter na cabeça que não se podem entregar à moléstia, como não se podem dar à preguiça, ao dolce far niente. Têm de aprender a robustez física e a não se deixarem penetrar por estados mórbidos. A doença é uma fraqueza, um estado de tibieza. Por isso, é muito justo que as baixas por doença não sejam pagas, senão até determinado limite, como antigamente, pois, de outra forma, as classes laboriosas com toda a facilidade se darão à comodidade de estarem doentes.

 Por outro lado, não é por qualquer dorzita que se deve recorrer aos serviços médicos pagos pelo Estado. Os nossos cidadãos devem aprender a resistir à dor. Queremos uma sociedade de cidadãos fortes, não piegas, não acha V. M.?

Quanto aos nossos jovens, eles devem ser encarados de um modo novo, neste país que estamos a reerguer das bases: como o melhor produto que temos para exportação. Com efeito, que outra coisa mais rica poderíamos oferecer às outras nações, senão as cabeças talentosas dos nossos jovens? São eles que vão transportar o nome glorioso da Pátria aos mais longínquos recantos do mundo. Bem hajam! Como se devem sentir orgulhosos com tão nobre missão! Eles e as nossas empresas estratégicas são, afortunadamente, os bens mais valiosos que possuímos. Veja V. M. como as nações de todo o orbe disputam essas nossas empresas. Sinal indiscutível de que são deveras preciosas e um produto altamente vendável.

Em suma, estamos no bom caminho e este ano será o ano decisivo para recuperarmos depressa todo o nosso passado.

V. M. perdoar-me-á a pressa destas linhas, que só a emoção e a vibração patriótica guiaram no seu arrebatado espírito. Não nos faltarão momentos para mais comentários e troca de impressões.

Queira Vossa Mercê receber o mais cordial afecto deste Seu admirador, que vem acompanhando com embevecimento o papel que tem vindo a desempenhar na reabilitação da banca nacional

Jonathan Swift (1665 – 1745)      





<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)