29 janeiro 2013

 

"O caminho da morte"

A defesa da saúde pública é actualmente uma das grandes batalhas, perdidas de antemão, dos cidadãos espanhóis, face ao predomínio absoluto dos interesses privados imposto pelo governo de Rajoy. Se a máxima de Mandeville era que dos vícios privados despontavam as virtudes públicas, a do presente inverteria os termos: os benefícios privados ignoram as necessidades colectivas.




Assim começa a crónica de Antonio Elorza, no El País de sábado passado, “El camino de la muerte”.

O Estado Social, actualmente em foco entre nós, num pretenso debate oficialmente promovido de forma atabalhoada e com intuito pré-ordenado, também está em causa na Espanha. E não só em Espanha, como em muitos outros países da UE e na própria UE. E também fora da UE. Num post anterior, focaram-se as afirmações “assassinas” do ministro das finanças japonês a propósito da necessidade de apressar a morte dos idosos doentes. Jonathan Swift não faria melhor proposta. Só que de um ponto de vista literário, claro.

Que se passa, então, para que a realidade se converta no pesadelo imaginado pela ficção e que só em termos de ficção seria aceitável?

Que doença cancerígena corrói o tempo que nos é dado viver? Que loucura se alcandorou a princípio reitor das nossas vidas e que Erasmo não compendiou no seu Elogio da Loucura?

Uns chamam-lhe neoliberalismo ou ultraliberalismo; outros, capitalismo financeiro; outros ainda desregulação dos mercados. Há ainda quem entenda que os culpados (os loucos) somos nós todos. Esses querem um bode expiatório colectivo para justificarem a obra de destruição.


27 janeiro 2013

 

Pareceres austeros

Não confiando nos seus numerosos (e certamente qualificados) assessores, o Governo enviou ao TC quatro pareceres jurídicos em defesa da constitucionalidade da austeridade do OE, assinados pelos profs. Vieira de Andrade, Cardoso da Costa, Xavier de Basto e Nogueira de Brito.
Sendo em defesa da austeridade, os pareceres foram certamente feitos à borla (ou pelo menos a preços austeros), para não sobrecarregar mais o orçamento. Nas horas difíceis é que se veem os amigos.




26 janeiro 2013

 

O mundo dos cretinos


 

Também o ministro das finanças japonês, Taro Aso, entende que é preciso diminuir drasticamente as despesas de saúde. Como? Libertando o mais depressa possível os idosos doentes da doença, entregando-os às garras da morte. Eles representam um custo desnecessário para o país e oneram inutilmente o orçamento do Estado.

Como se vê, o fenómeno é global. Porque o “sistema” que vem provocando tais alarvidades impera em todo o planeta. Razão tem o artista plástico Santiago Sierra, que representou a Espanha na Bienal de Veneza em 2010 e recusou o Prémio Nacional de Artes Plásticas, para afirmar: Vivimos la apoteosis de los cretinos.

 

O êxito


 

O propalado êxito do teste de regresso aos mercados tem muito que se lhe diga. Deixando de lado certas condições favoráveis que não dependeram de nós, como a mudança de estratégia do Banco Central Europeu, ele assenta numa política de asfixia do povo português (ou, noutros termos, das camadas mais débeis da população portuguesa): degradação dos salários e consequente embaratecimento da mão-de-obra, facilitação dos despedimentos e desemprego a subir em flecha, o que significa mão-de- obra disponível para ser contratada ao preço da chuva, cortes nos vencimentos  e nos subsídios de férias e de Natal e nas pensões dos reformados, agravamento a todos os níveis das condições de vida e, por sobre tudo isto, impostos  sobre a classe média, promovida fiscalmente ao estatuto de ricaça, a roçarem o confisco.

Assim, não admira que os investidores estrangeiros tenham sentido uma base de ampla  confiança   para comprarem dívida portuguesa.

O juro de mercado desceu, mas grande parte do povo português vai continuar a pagar esse êxito e os que eventualmente se lhe seguirem com juros elevadíssimos. Durante gerações. Um êxito que se assemelha tecnicamente muito fácil (cortes, mais cortes, mais impostos sobre impostos), mas inexorável e de consequências humanas pesadíssimas.

19 janeiro 2013

 

A machadada final


Poderíamos considerar que o que se está a passar actualmente é uma fortíssima investida contra as conquistas do “25 de Abril” e contra o que foi consolidado com o “25 de Novembro”.

O que se está a desenvolver actualmente  é a machadada final em tudo o que ainda subsiste do “25 de Abril”, em matéria de protecção e segurança social, leis laborais e segurança no emprego, sistema nacional de saúde, acesso ao ensino e à cultura e mesmo direito à habitação e garantia de um serviço público de rádio e televisão, de forma a satisfazer todos os tipos de público, numa palavra, os  direitos económicos, sociais e culturais.

Neste sentido, se o “25 de Novembro” foi politicamente o nosso Thermidor, a que alude Pedro Mexia a propósito do romance de Jaime Nogueira Pinto, intitulado justamente Novembro (Expresso/Actual de 12 de Janeiro), aquilo que estamos presentemente a viver é a total marcha atrás em ritmo acelerado, ou seja, a verdadeira contra-revolução.

É um regresso devastador ao statu quo ante e, em certos aspectos, a uma situação pior do que a existente ao tempo do “25 de Abril”. Ainda hoje, num dos telejornais, um autarca falava da situação de pobreza no seu concelho, de inúmeras pessoas que têm que recorrer a alimentos fornecidos por instituições de assistência, afirmando que já não se lembrava de ver “cenas” destas, a não ser nos anos quarenta e cinquenta.

Quer dizer, o que está já em causa, em numerosas famílias portuguesas, são as condições mínimas para uma vida conforme à dignidade humana.

Claro que há a dívida pública, mas, a pretexto da dívida pública, é o ataque desenfreado a todas as conquistas sociais e, nisso, há opções ideológicas inegáveis, por muito que se invoquem os bons resultados desta política que outros, lá fora, interessadamente (ou interesseiramente) nos atribuem, por muito que se invoque o FMI (olha a novidade!) e o seu estudo feito por encomenda e talvez à medida de certos conveniências que permanecem na penumbra.

A pretexto da dívida pública, é o país que, por opção política, se coloca na rota do empobrecimento, é a classe média que se arrasa, a força de trabalho que se degrada no mercado de trabalho, o desemprego que sobe em flecha, mantendo-se o aguilhão sobre os desempregados através da política de redução drástica dos subsídios, os jovens que emigram em massa.

A própria democracia não está tão de boa saúde como isso, reduzida como está à condição mais extremada de “democracia formal”, em que os cidadãos votam em partidos, sem conhecerem as políticas que estão a sufragar, como se a democracia fosse o exercício redundante de um direito de voto, que os políticos, uma vez no poder, usam como querem e muito bem entendem.

13 janeiro 2013

 

Carta ao Director


 

Senhor Director:

Há um vosso colaborador, que assina com o pseudónimo de Jonatahn Swift, que escreveu um texto aparentemente sobre as previsões para o ano que começou há duas semanas atrás. São previsões funestas, que me parece pretenderem estar repassadas de humor negro.

Ora, eu devo dizer que esse senhor é um mau negócio para o vosso blogue. Em matéria de previsões sombrias e de humor negro, há muito melhor. Veja, por exemplo, o relatório do FMI. Esse relatório está muitos furos acima do texto do vosso colaborador. O FMI revela muito mais capacidades para chocar o leitor, do que o referido indivíduo. De resto, nenhum Jonathan Swift conseguiria ultrapassar as qualidades demonstradas pelo FMI na ousadia das suas propostas, mesmo aquela que ficou conhecida como Modesta Proposta – para obstar a que os filhos dos pobres constituam um encargo para os pais ou o País e para os tornar úteis ao público.

De forma que o que eu proponho é que o vosso blogue passe a contratar o FMI para ocupar a coluna desse vosso colaborador.

Com isso lucraria o vosso blogue e lucrariam os leitores.

 

Com a mais elevada

                                   Consideração

 

                                   José Luís Bexiga

10 janeiro 2013

 

Austeridade para sempre!

O relatório ou parecer ou lá o que seja do FMI que ontem foi divulgado diz finalmente o que já era claro, mas ainda não reconhecido oficialmente: a austeridade não é conjuntural, não é um programa de emergência, não é um "ajustamento" necessário para resolver os problemas financeiros com que nos defrontamos agora. Não. Veio para ficar. A austeridade é o nosso destino fatal, a "luz" no fundo do túnel que nos foi recentemente prometida pelo PM.

09 janeiro 2013

 

Na alvorada do Ano Novo


com uma proposta para se levar com coragem patriótica o difícil e decisivo ano que agora principia.

 

Meu Excelentíssimo Amigo:

 

Agora que o Novo Ano acabou de acordar para um renovado giro, não quero deixar de endereçar a Vossa Mercê os meus sinceros desejos de que tudo lhe corra da melhor feição, assim no plano pessoal como no das realizações patrióticas em que está tão empenhado.

Permita-me V. M. que lhe fale um pouco deste ano tão decisivo para a nossa Pátria.

Com efeito, este é o ano em que se espera que as medidas projectadas no âmbito da revolução do empobrecimento em curso reconduzam finalmente o país até ao nível em que se encontrava mais ou menos há quarenta anos atrás. Tarefa, na verdade, espinhosa e muito dura.

Inventariemos:

Os soldos das classes trabalhadoras irão continuar a descer muito acentuadamente, permitindo o desejado embaratecimento da mão de obra. Como V. M. muito bem sabe, o embaratecimento da mão de obra encarece-a, tornando-a mais desejável e mais procurada. Logo, redunda num bem caro e precioso do ponto de vista económico e do ponto de vista do brio do trabalhador.

No mesmo objectivo se inscreve o aprofundamento da facilitação do despedimento, tornando-o ainda menos oneroso para os donos das empresas do que já foi conseguido até aqui e mais estimulante para o mercado do trabalho, incitando os trabalhadores a aperfeiçoarem e a diversificarem as suas capacidades, com o que se enriquecerão.

Idem, no que se refere aos subsídios pagos aos desempregados e ao desejado encurtamento do tempo em que os mesmos podem continuar a auferir os ditos subsídios, pois com isso se desestimula a preguiça, que é um dos sete pecados capitais, e se força o indivíduo inactivo a procurar trabalho, pois só ele dignifica o ser humano.     

Os reformados constituem um fardo para a sociedade e o Estado, recebendo uma pensão sem darem nada em troca. Logo, um dos objectivos principais a conseguir é reduzir-lhes o montante da pensão o mais que se possa, fazendo retornar à origem, por outra via, parte do que se lhes dá. O ideal seria estabelecer um mecanismo como o das fontes ornamentais em que a água sai de uma dessas carantonhas para um tanque ou uma concha, ou outra qualquer coisa que V. M. queira imaginar e reentra no depósito de onde sai por um sistema de tubagens ocultas, de modo a criar uma aparência de corrimento perene.

O nosso ministro do Tesouro criou um mecanismo parecido, do qual muito se espera, ao devolver neste ano que agora principia um dos subsídios cortados aos funcionários do Estado, mas fazendo-o reentrar nos cofres da tesouraria através de impostos que incidem sobre ele e sobre todo o rendimento. Deste modo, criar-se-á a ilusão de que a torneira que se reabriu deixa correr para a mão dos funcionários, todos os meses, o dito subsídio, que, em realidade, se escapa logo da mão dos pretensos contemplados para refluir, como que por magia, para o depósito de onde saiu. V. M. há-de convir que se trata de uma operação de alta engenhosidade que tem, por detrás, o louvável intuito de ir habituando estes funcionários a viverem sem nenhum subsídio e de acordo com o nível de empobrecimento desejado, com vista à restauração dos antigos hábitos e costumes.

O mesmo se pode dizer dos restantes trabalhadores, cuja habituação aos subsídios se tem revelado perniciosa para o orçamento das empresas e da competição económica em geral.

No capítulo da saúde dos cidadãos genericamente considerados é muito louvável o esforço que tem sido feito no sentido de capacitar os nossos compatriotas de que a doença custa dinheiro ao Estado e de que têm de aprender a evitá-la. Estou convicto de que V. M. estará de acordo com a ideia de que a doença é um vício, como o tabaco ou o álcool. As pessoas têm de meter na cabeça que não se podem entregar à moléstia, como não se podem dar à preguiça, ao dolce far niente. Têm de aprender a robustez física e a não se deixarem penetrar por estados mórbidos. A doença é uma fraqueza, um estado de tibieza. Por isso, é muito justo que as baixas por doença não sejam pagas, senão até determinado limite, como antigamente, pois, de outra forma, as classes laboriosas com toda a facilidade se darão à comodidade de estarem doentes.

 Por outro lado, não é por qualquer dorzita que se deve recorrer aos serviços médicos pagos pelo Estado. Os nossos cidadãos devem aprender a resistir à dor. Queremos uma sociedade de cidadãos fortes, não piegas, não acha V. M.?

Quanto aos nossos jovens, eles devem ser encarados de um modo novo, neste país que estamos a reerguer das bases: como o melhor produto que temos para exportação. Com efeito, que outra coisa mais rica poderíamos oferecer às outras nações, senão as cabeças talentosas dos nossos jovens? São eles que vão transportar o nome glorioso da Pátria aos mais longínquos recantos do mundo. Bem hajam! Como se devem sentir orgulhosos com tão nobre missão! Eles e as nossas empresas estratégicas são, afortunadamente, os bens mais valiosos que possuímos. Veja V. M. como as nações de todo o orbe disputam essas nossas empresas. Sinal indiscutível de que são deveras preciosas e um produto altamente vendável.

Em suma, estamos no bom caminho e este ano será o ano decisivo para recuperarmos depressa todo o nosso passado.

V. M. perdoar-me-á a pressa destas linhas, que só a emoção e a vibração patriótica guiaram no seu arrebatado espírito. Não nos faltarão momentos para mais comentários e troca de impressões.

Queira Vossa Mercê receber o mais cordial afecto deste Seu admirador, que vem acompanhando com embevecimento o papel que tem vindo a desempenhar na reabilitação da banca nacional

Jonathan Swift (1665 – 1745)      

07 janeiro 2013

 

Cultura democrática: precisa-se!

Transcrevo estas palavras de um(a) jornalista que assina por iniciais (S.R.) no "Público" do passado sábado, a propósito do eventual segundo "chumbo" do TC (p. 10):
"Mas, acima de tudo, um segundo chumbo de inconstitucionalidade coloca um ponto de interrogação na arquitetura constitucional dos poderes, tal como foi traçada há quase 40 anos. Que poderes orçamentais (sic!) terá, afinal, o Tribunal Constitucional? Não será arriscado dizer que se abre a porta a uma crise no sistema político-constitucional."
Este(a) jornalista/constitucionalista adverte, pois, solenemente o TC para o risco de criar uma crise "político-constitucional" se chumbar o orçamento, isto é, se exercer a sua competência de fiscalização da constitucionalidade das leis... (não esquecer que o OE é uma lei da AR, sujeita à fiscalização de constitucionalidade, preventiva ou sucessiva, como as outras...)
Portanto, no entender autorizado do autor(a) do comentário, um órgão de soberania abre uma crise institucional quando exerce as competências que lhe estão atribuídas pela Constituição... E esta gente escreve na imprensa!
Cultura democrática e constitucional é o que falta!

01 janeiro 2013

 

Dúvidas sucessivas

Embora com dúvidas graves sobre a constitucionalidade do OE, por suspeitar da equidade da repartição dos sacrifícios, o PR promulgou-o e agora anuncia que vai pedir a fiscalização sucessiva do dito cujo. Não constituindo um processo propriamente urgente (embora submetido a prazos específicos), este pedido de apreciação da constitucionalidade vai levar o tempo suficiente para que o TC se sinta autorizado a limitar temporalmente a eventual declaração de inconstitucionalidade, como sucedeu da última vez, assim ficando tudo em águas de bacalhau quanto à reposição da tal equidade...

 

2013: sem esperança

Não vale a pena estar com rodeios: o ano que aí vem será terrível (terribilis, para parafrasear a monarca além-Mancha).
Mas o pior, o pior mesmo, atrevo-me a dizer, não é o Orçamento e tudo o que ele implica e o que o rodeia, mas a falta de esperança numa alternativa política.
Não se pode dizer que não tenha havido resistência popular neste ano que passou, que o povo tenha estado indiferente às sucessivas investidas triádicas, pois nunca terá havido um conjunto de manifestações de rua de tamanha dimensão.
O problema é que o protesto de rua não é tudo em democracia. Ele tem de traduzir-se em soluções institucionais.
E que alternativas políticas reais e efetivas se apresentam ao eleitorado? Nenhumas!
O sectarismo, a doença crónica da esquerda, impede a convergência de forças. Que proposta concreta e credível (isto é, com capacidade para obter uma vitória eleitoral) é apresentada ao eleitorado para mudar o rumo?
Nenhuma!
Esta a questão.
Por isso, o ano que começa é um ano sem esperança (à vista).

 

A sustentatibilidade do SNS: uma ideia genial e simples

Foi preciso aguardar o final deste ano para aparecer a solução segura para a candente questão da sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. Pela voz do Secretário de Estado da dita Saúde, ficou a saber-se que a solução (trocando por miúdos) é esta: é preciso que os portugueses não adoeçam!!! É que, afinal, o problema resulta de os portugueses adoecerem por vezes, e, pior ainda, quererem tratar-se, violando assim duplamente os seus deveres de cidadãos.
Portanto, a primeira obrigação dos portugueses é nunca adoecerem. Se, por qualquer motivo (dificilmente justificável) tal acontecer, nunca deverão recorrer aos serviços de saúde (pelo menos aos públicos).
Desta forma, e só desta forma, o SNS terá a sobrevivência garantida. (Genial, não é?)

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