01 novembro 2012

 

O assalto final


 

Parece ter chegado a hora do assalto final. Agora trata-se de rever a Constituição, de repensar as funções do Estado, ou, por outras palavras, de proceder a uma refundação. Refundar o regime noutras bases. Muitos passos se têm dado já nesse sentido. Afanosamente. Com uma metódica fria, calculada, invertendo situações, anulando direitos (não todos, nem os de todos, mas tão-somente os da maioria, os que foram surgindo, esperançosamente, nestas derradeiras décadas após o “25 de Abril”, os chamados “direitos adquiridos”), esmagando a classe média, atirando as classes baixas para a miséria, alterando profundamente as relações sociais, de modo a instaurar outras onde predominem os interesses de certos estratos bem definidos, obrigando a grande massa da população a pagar uma crise provocada por quem maneja os cordelinhos do capital e da finança, com o pretexto de que se viveu (isto é, os da tal maioria viveram) acima das suas possibilidades.

Esta é, aliás, a política da “troika” para os países periféricos que mais têm sofrido a crise, que, como observa lucidamente Fernanda Palma (Correio da Manhã de 21/10/2012) tem origem no sistema económico europeu e na divisão de trabalho internacional. Não se trata de um problema de culpa, mas de irracionalidade económica. O discurso da culpa como causa não é racional, é mítico e destrói o respeito pela vontade de superação dos povos de países que enfrentam dificuldades em financiar-se.

No entanto, é esse o pensamento que os nossos dirigentes e os que comandam os destinos da União Europeia nos querem impingir (o da culpa imputada aos povos que viveram acima das suas possibilidades). Essa é a máscara da ideologia do pensamento único, que esconde os seus verdadeiros intentos de recomposição do capital internacional.

Como escreveu Henriques Gaspar, vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, na sua notável comunicação apresentada no V Colóquio sobre direito do trabalho, realizado no STJ no passado dia 10 de Outubro: A naturalização da crise e a inevitabilidade das opções, afirmadas com força indiscutível no domínio dos factos, e a radicalidade na convicção da essencialidade das escolhas (e do modelo) como naturais e social e politicamente neutras («não há alternativa»), retira o carácter discutível e “por cause” político, de matérias e opções que, menos domináveis ou não domináveis no nível dos Estados (de cada Estado), são eminentemente escolhas com projecções no rearranjo das sociedades.

Pelo que nos toca particularmente, os nossos dirigentes devem ter agradecido profusamente aos deuses a oportunidade única da crise para, finalmente, darem efectividade ao tal «rearranjo da sociedade» há tanto tempo almejado, sob a capa da inevitabilidade das opções.  

Trata-se agora, de acordo com a “troika”, em consonância total de ideologias de parte a parte, de atacar a Constituição e as funções do Estado. Para que tudo fique perfeito, finalmente. E, “naturalmente”, como opção inevitável.





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