13 outubro 2012

 

Alguma violência que possa haver


 

De cada vez que se revêem as medidas de austeridade, é sempre um passo mais que se dá no sentido da asfixia de uma grande parte do povo português, como se se aproveitasse cada oportunidade para apertar ainda mais o arrocho e defraudar mais intensamente as expectativas que se vão criando com o anúncio de medidas alternativas ou substitutivas.

As reacções que se têm desencadeado, à direita e à esquerda, e mesmo provindas de pessoas que notoriamente estão ligadas aos partidos da governação não deixam margem para dúvidas quanto ao sentido catastrófico com que tais medidas são encaradas. Fala-se de “massacre”, de “de destruição”, de “arrasamento”, de arrastamento para o “precipício”, de ultrapassagem dos níveis de “suportabilidade dos sacrifícios”, de “imoralidade”, etc., etc. Nem sempre as expressões mais violentas procedem de pessoas supostamente mais à esquerda, mais radicais ou fora do sistema.

Por sinal, uma personalidade destacada do partido maioritário do governo (Marques Mendes) usou, esta semana, uma das expressões mais violentas que se têm ouvido, a propósito do orçamento para 2013:”assalto à mão armada”. E uma outra personalidade afecta ao outro partido do mesmo governo (Bagão Félix), usou igualmente uma catadupa de imagens expressivas de grande destruição: “tsunami”, “sismo de grau 7 ou 8 na escala de Richter” “terramoto de efeito destruidor ou devastador”, “napalm fiscal”, etc.

“Bomba atómica” é uma expressão que já se tornou corrente nos “media” para designar a magnitude avassaladora das medidas anunciadas.

Todas estas expressões são inequívocas no seu sentido bélico.

António José Seguro falou mesmo, no debate de ontem na Assembleia da República, de «declaração de guerra aos portugueses.”

Neste contexto, é estranho que o primeiro ministro se tenha dirigido selectivamente ao secretário-geral do Partido Comunista para, de uma forma particularmente dura, o corresponsabilizar como “instigador de alguma violência que possa haver”, por ele ter usado expressões como “saque” e “roubo” – expressões, apesar de tudo menos violentas do que algumas das acima referidas e proferidas no âmbito de um debate político, no seio de uma assembleia onde o excesso de linguagem, segundo os usos e costumes, tem uma bitola de tolerância muito larga, ao contrário da maior parte daqueloutras, que foram usadas nos “media”, onde os limites de linguagem deveriam ser mais exigentes. O que são o “saque” e o “roubo”, comparados com o “assalto à mão armada”?

O que se torna mais enigmático no incidente é a referência a “alguma violência que possa haver”. Que violência, afinal? Violência dos manifestantes? Violência policial? Ameaça de maior repressão? Imputando-se, desde já, a culpa disso a um partido em particular, por causa das palavras usadas pelo secretário-geral desse partido?

 





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