08 maio 2012

 

Mais uma revisão do CPP...

Vem aí novo “pacote penal”: CP, CPP e CEP. Por agora, umas breves considerações sobre o CPP. Indo direto ao assunto, falarei dos três pontos fundamentais objeto de “intervenção”: os poderes do JIC na aplicação de medidas de coação; a utilização em julgamento das declarações do arguido nas fases anteriores; o regime do processo sumário. O JIC vai passar a poder decretar medidas de coação diferentes, quanto à natureza, medida ou forma, das requeridas pelo MP, desde que invoque os fundamentos das als. a) e c) do art. 204º, ou seja, perigo de fuga, de continuação criminosa ou perturbação da ordem e tranquilidade públicas. Isto para que, segundo se diz no preâmbulo da proposta do Governo, o JIC “exerça efetivamente o seu papel de garante dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”… Lê-se e não se acredita: desde quando o JIC é o garante dos direitos dos cidadãos em geral? O JIC já não é precisamente o “juiz das liberdades”, quer dizer, o garante dos direitos fundamentais do arguido, do ofendido e demais intervenientes processuais? Quando se pronunciar sobre medidas de coação, o JIC passará a ser o “guarda da sociedade”, e não o garante dos direitos do arguido? Mas investi-lo da função de velar pelos “direitos fundamentais do cidadão”, forma oblíqua de dizer “defesa social” pura e simples, não será subverter, transmutar radicalmente (e perigosamente), o seu papel no inquérito? O JIC não irá perder o seu papel garantístico, que constitui o necessário freio e contrapeso ao domínio do inquérito pelo MP? Que novo processo penal se ensaia com esta medida avulsa e aparentemente inócua? E que dizer das alterações ao processo sumário, que o tornam agora aplicável a todos os casos em que o arguido é detido em flagrante delito, independentemente da pena aplicável? Diz o preâmbulo que o julgamento imediato em caso de flagrante delito possibilita uma justiça célere que contribui para o “sentimento de justiça e o apaziguamento social”. Talvez seja uma justiça célere (tipo tiro e queda), mas que contribua para o sentimento de justiça e o apaziguamento social é que é mais duvidoso… Julgar crimes muito graves no dia seguinte não contribui para o apaziguamento, antes para o acirramento do conflito, e para o empolamento de reações populistas contra os arguidos. A justiça tem um tempo próprio para agir, para ser justa. Uma justiça sumária é própria de uma conceção securitária e autoritária do processo penal. O processo sumário só se justifica na pequena criminalidade. A “sumariedade” do processo é proporcional à menor ilicitude e dano social das condutas. Exportá-lo para os tipos mais graves de criminalidade é romper brutalmente essa relação de proporcionalidade. Quanto à relevância em julgamento das declarações do arguido em inquérito, aceito a proposta, embora com reserva de melhor estudo (e esperando a prática que vier a instalar-se). A obrigatoriedade de assistência de defensor e de informação prévia sobre a relevância em julgamento das declarações são garantias importantes de defesa. Por último, é completamente indefensável que se afaste a possibilidade de aplicação de suspensão provisória do processo nos crimes cometidos na condução de veículos, como agora se propõe. Não é argumento dizer-se, como se diz no preâmbulo, que a aplicação da suspensão tem “esvaziado” de conteúdo útil a função da pena acessória de inibição de conduzir. É que tudo depende do caso concreto… A análise da adequação/inadequação da suspensão do processo deve ser feita caso a caso, de acordo com a factualidade apurada. Lembre-se que a suspensão depende, além do mais, da concordância simultânea do MP e do JIC! Esta proposta apresenta-se, pois, completamente desproporcionada, e tributária de uma lógica puramente repressiva. O mesmo se dirá da proposta na sua globalidade: uma revisão de signo resolutamente securitário/autoritário!





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