23 janeiro 2012

 

A escalada do retrocesso

Vivemos, na verdade, tempos ominosos. Já escrevi várias vezes e em diferentes registos que aquilo a que estamos a assistir é a uma fantástica recomposição de forças nas relações sociais, como talvez nunca se tenha visto desde a Segunda Guerra Mundial. Os grupos e as classes que têm sido sistematicamente pilhados são, evidentemente, os jovens, as classes trabalhadoras e parte das classes médias. A “crise” tem sido o «instrumento» indiscutido e indiscutível dessa recomposição, em que o total aniquilamento de direitos fundamentais adquiridos se tem apresentado como alvo de um combate simultaneamente político, social, jurídico e ideológico, intentando-se reduzi-los ao estrito catálogo dos clássicos direitos individuais, cívicos e políticos. Só estes é que fariam parte do núcleo dos verdadeiros direitos humanos ou direitos fundamentais (e mesmo assim…) Esta luta, que ganhou maior projecção a partir da derrocada do «socialismo real» e da queda do Muro de Berlim, no final dos anos 80, tem-se intensificado nos últimos tempos e tem mesmo ganho adeptos em certas fileiras da Esquerda. Veja-se, por exemplo, Sousa Tavares, que está sempre a invocar o «emprego para a vida» (isto é, a estabilidade no emprego) como um privilégio quase aberrante.
Ora, a escalada contra os referidos direitos adquiridos (direitos económicos, sociais e culturais, rebaptizados de “privilégios”) tem-se traduzido numa escandalosa desprotecção das classes mais débeis, e depauperação progressiva de parte das classes médias, em favor do reforço de poderes e vantagens dos bancos, dos empresários, dos capitalistas e dos agiotas, muitos dos quais estão precisamente na origem da tal “crise”, que é apresentada como uma catástrofe provocada por forças abstractas e transcendentes, quase da ordem dos fenómenos naturais, ou como o resultado de um colectivo modo de viver, acima das possibilidades reais de cada um, vindo a traduzir-se numa culpabilização de todo o corpo social, quando não mesmo das classes que agora são oneradas com os principais sacrifícios.
O acordo obtido com a UGT na semana passada representa um aprofundamento de tomo dessa escalada de retrocesso, destruindo as melhorias que o “25 de Abril” introduziu na área dos direitos económicos e sociais e culminando todo o esforço que tem vindo a ser desenvolvido no sentido da reinstalação das classes detentoras do capital no seu antigo poderio. O economista e ex-ministro do Governo de Guterres Daniel Bessa, classificando o acordo como uma «boa surpresa», disse tudo ao afirmar que «o aumento de meia hora diária de trabalho era uma “brincadeira de crianças”, quando comparado com as novas medidas» (Público do passado dia 18 de Janeiro).





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