29 outubro 2011

 

Cortar na despesa

No meu «post» precedente, mencionei que «menos Estado», nos tempos que correm, é cortar nas despesas, mesmo básicas, e vender património ao desbarato (isto é, pôr a saldo as empresas públicas). Trata-se de uma fórmula sintética. Nas despesas podia ter dito, entre muitas outras coisas, saúde, educação, cultura, prestações sociais, serviço público de televisão, pensões de reforma, vencimentos dos funcionários públicos, incluindo, este ano, o corte parcial e, posteriormente, a supressão dos subsídios de férias e de Natal, não se sabendo bem, no diz hoje uma coisa e amanhã outra de que se vai tecendo o estilo de governação que nos vai regendo, se só nos anos de 2012 e 2013, se definitivamente. Parece que as coisas se vão preparando para que seja em definitivo, a avaliar pelo que vai dizendo o ministro Miguel Relvas, depois do que disse o ministro Vítor Gaspar, pois, segundo aquele, há países de nomes sonoros, como a Holanda, a Inglaterra e a Noruega que só pagam doze vencimentos, pelo que se presume que isso não deve representar nenhum drama, não se sabendo bem, contudo, se «definitivo» quer dizer diluir aqueles subsídios por 12 meses, como disse, por seu turno, o primeiro ministro, ou acabar mesmo com eles sem diluição de nenhuma espécie, ou se, no caso de diluição, eles vão entrar por inteiro, fatiados em doze prestações, ou se vão entrar apenas em parte, como disse não sei quem.
Certo, certo é que os funcionários públicos têm a categoria de «despesa». Havendo uma grande polémica à volta do que é despesa e do que é receita, porque desse magno problema deriva toda uma filosofia política, parece que os grandes cérebros não têm dúvida de que os funcionários públicos são «despesa». E, sendo «despesa», coitados deles!, têm que ser cortados ou amputados, ou suprimidos. Em suma, têm que ser cortados para já. Como diz Vasco Pulido Valente, na sua crónica de ontem no Público: «A única solução, como insinuou delicadamente Medina Carreira, estava em, pouco a pouco, tornar a situação de funcionário público mais desagradável (…)»
O que tem mais piada no caso é a delicadeza da insinuação.

26 outubro 2011

 

O bolo do Estado

No «Público» de anteontem, vinha uma grande reportagem sobre o que o Estado tem gasto com consultadoria e despesas com grandes escritórios de advogados, normalmente bem situados nas esferas do poder. São uns milhões bem largos, como já se sabia.
Há anos atrás, começou a desenvolver-se uma polémica, fomentada por algumas pessoas ilustres, à volta da «expurgação» do Ministério Público de toda aquela actividade que não tivesse a ver com o estrito exercício da acção penal. Claro que a inovação pretendida era apresentada sob a capa de uma purificação das funções do Ministério Público, uma saudável e desejável distanciação dessa magistratura do Estado-Administração, para se concentrar no exercício das funções que constituiriam a sua verdadeira razão de ser, com ganhos para as suas características de objectividade e isenção. Desse modo, deveriam ser arredados dessas funções o contencioso do Estado e outras áreas de actividade «mais próprias da advocacia», como, por exemplo, a representação dos trabalhadores em acções do foro laboral.
Era por demais evidente o verdadeiro móbil de tal proposta, sabido quão apetecível é o contencioso do Estado e como urge deixar livres para o mercado da advocacia, tão saturado de advogados por via da inflação de cursos de Direito com a multiplicação de universidades privadas, campos de actividade jurídica onde o Ministério Público tem tido um papel relevante.
O que é certo é que, se as referidas áreas de actividade ainda não foram retiradas das funções do Ministério Público, a proclamada bondade do recurso às sociedades de advogados, propiciador de uma suposta maior eficiência, por força de alta especialização que o Ministério Público não tem, acabou por ter eco nos governos de há uns anos a esta parte, sobretudo no domínio dos negócios em que o Estado se enredou por via das parcerias público-privadas (e que parcerias!) e outros negócios empresariais, tanto na Administração Central, como na Administração Local. Por outro lado, os governos, certamente em ensaio da tal proposta de expurgação das funções do Ministério Público, foram desistindo das funções de consultadoria que o Ministério Público, através de procuradores-gerais adjuntos, vinha exercendo nos vários ministérios, onde eram colocados como auditores, chefiando a auditoria jurídica desses ministérios.
E ainda foram, ao que se diz, deixando pairar uma certa indefinição quanto às funções do Ministério Público no âmbito do contencioso do Estado, não curando de apetrechar aquela magistratura com os instrumentos necessários a um melhor e mais adequado desempenho, no quadro de uma complexidade crescente das situações na época contemporânea.
O resultado do investimento nas sociedades de advogados, por parte da Administração Central e Local, está à vista, pelo menos no que toca aos milhões gastos. Mas isso era no tempo do «eldorado», não é assim? No tempo em que os paladinos de «menos Estado» queriam agarrar dele uma fatia grossa para quinhoarem a sua parte no bolo. Agora, «menos Estado» significa cortar nas despesas, mesmo básicas, e vender património ao desbarato.

25 outubro 2011

 

O linchamento de Kadafi



Em relação à Líbia, parece-me que o linchamento de Kadafi também tem a ver com outra coisa, que se relaciona com provas. É que o exótico presidente destronado sabia de mais e tinha muitas coisas a revelar, nem que fosse por simples espírito de vindicta, de muita gente ilustre que o cortejava e que o recebia com as devidas honras de chefe de Estado, achando (ou fingindo que achava) muita graça ao seu espavento autóctone. O seu julgamento representava uma verdadeira dor de cabeça para esses senhores, que não passavam de seus cúmplices e beneficiários do seu poder espoliador. Não podia de maneira nenhuma conceber-se que o homem fosse julgado, como Saddam Hussein, poupado exactamente para ser condenado à morte. Assim, a solução mais airosa e mais “democraticamente legitimadora” era fazer com que o homem fosse apanhado numa situação pretensamente criadora de perigos para o seu povo mártir, a exigir uma piedosa intervenção das forças que têm voluntariosamente conduzido todo o processo. Mesmo assim, se bem se repara, ele ficou apenas ferido na intervenção, tendo-se deixado a cena bárbara do assassinato para os autóctones – rebeldes ou forças leais, não se sabe bem, porque estas coisas são sempre muito confusas.

22 outubro 2011

 

Curso teórico-prático de liberalismo

Nós, portugueses, estamos a receber um curso acelerado de liberalismo económico, um curso teórico-prático, aliás. Até agora tem sido mais teórico, transmitido nos grandes discursos e outras mensagens políticas de governantes e seus acólitos, que pretendem explicar aos portugueses as vantagens de vivermos com menos rendimentos, de nos contentarmos com pouco, de não invejarmos os ricos, de sermos humildes, respeitadores e obrigados...
Brevemente virá a vertente prática, aquela em que os portugueses verão na sua vida real, no seu bolso, o esplendor teórico daquela doutrina. Será um curso muito acelerado. Vamos ver como os portugueses conseguirão assimilar tudo em tão pouco tempo. A parte teórica tem sido acompanhada com algum distanciamento. Mas o que vem aí conterá outro tipo de estímulos... Vamos ver, como reagem os portugueses, este povo que está aqui à beira do Atlântico há uma série de séculos.
Certo é que igualmente os gregos, que também já levam uma quantidade de séculos de existência, estão agora a frequentar o mesmo curso. E já vão mais adiantados que nós. Mas eles não têm assimilado bem os conhecimentos transmitidos, não querem ir às aulas, praguejam, chamam nomes aos governantes, enfim fazem trinta por uma linha. Ingratos, afinal.
E nós, como reagiremos quando o curso estiver mais adiantado?

 

Líbia, protectorado franco-inglês

O "Ocidente" não teve sequer uma palavrinha de distanciamento, já não digo de condenação, do bárbaro linchamento de Khadafi (certo é que o linchamento é uma invenção americana, embora em desuso).
Agora a NATO vai retitar-se, para se dar início ao protectorado da França e da Inglaterra. Foram eles que travaram a batalha contra Khadafi, com bombardeamentos e fornecimento de armas aos rebeldes logo no início. É pois justo que fiquem com o saque. O petróleo vai começar brevemente a correr para os protectores.
A morte de Khadafi poupa também muito trabalho ao TPI. Assim, já não é preciso organizar nenhum julgamento, que poderia envolver dificuldades de prova; basta juntar a certidão de óbito e arquivar o processo. Mas a intervenção do TPI foi preciosa, ao legitimar a intervenção estrangeira. É para isso que ele serve...
Portanto, os líbios vão entrar agora no maravilhoso mundo da democracia, pela mão de mestres franceses e ingleses, que os não deixarão desviar-se do bom caminho...

17 outubro 2011

 

"Quem recebe por verbas públicas não está em posição de igualdade com os restantes cidadãos"

Saiu hoje no DR o acórdão do Tribunal Constitucional (nº 396/2011) que se pronuncia sobre os "cortes" de 2011 (os cortes socráticos...).
Como cidadão e como vítima (dos cortes e do acórdão do TC), julgo-me no direito de tecer algumas considerações sobre a doutrina expendida, que certamente vai servir de base à legitimação dos "cortes" já anunciados e de todas as amputações que este ou futuros governos entendam por bem aplicar-nos a nós, os que "recebemos por verbas públicas"...
Deixemos de lado toda a parte inicial do acórdão e concentremo-nos na análise feita pelo TC dos dois maiores obstáculos ao já esperado beneplácito àquelas primeiras medidas cortantes: os princípios da confiança e da igualdade.
Quanto ao da confiança, também não vale a pena perder muito tempo. Ficamos logo a saber que esse pricípio é válido para tempos felizes, tempos de abastança, mas que em tempos de vacas magras não há que contar com ele...
Vamos pois ao princípio da igualdade. Aqui a coisa fiava mais fino. Começa o TC por reconhecer (comentarei entre parênteses rectos):

"Ainda que não proceda a alegação dos requerentes, subsiste, todavia, uma questão atinente ao princípio da igualdade, tendo a ver com o facto de os destinatários das medidas de redução serem apenas as pessoas que trabalham para o Estado e demais pessoas colectivas públicas(...) Ficam de fora os trabalhadores com remunerações por prestação de actividade laboral subordinada nos sectores privado e cooperativo, os trabalhadores por conta própria, bem como todos quantos auferem rendimentos de outra proveniência. [Bem visto, sem dúvida]
Pode questionar-se se, havendo necessidade de impor sacrifícios patrimoniais em tutela de um interesse público, que a todos diz respeito, não deveriam ser afectadas, por igual, as esferas da generalidade dos cidadãos, com idêntica capacidade contributiva. Tal resultaria do princípio da igualdade perante os encargos públicos, que exige que os sacrifícios inerentes à satisfação de necessidades públicas sejam equitativamente distribuídos por todos os cidadãos; todos os cidadãos deverão contribuir de igual forma para os encargos públicos à medida da sua capacidade contributiva. [Até aqui tudo parece correr bem para os funcionários públicos...]
Invocar, a propósito de medidas de consolidação orçamental, o princípio da igualdade perante os encargos públicos, princípio estruturante da nossa constituição fiscal, é o mesmo que sustentar que, por exigência dp princípio da igualdade, a correcção dos desequilíbrios orçamentais tem necessariamente que ser levada a cabo por via tributária, pelo aumento da carga fiscal, em detrimento de medidas de redução remuneratória. Será assim? [Aqui as coisas começam a entortar decididamente para os "servidores" do Estado... embora se reconheça ainda que...]
É indiscutível que, com as medidas em apreciação, a repartição dos sacrifícios impostos pela situação excepcional de crise financeira não se faz de igual forma entre todos os cidadãos com igual capacidade contributiva, uma vez que elas não têm um alcance universal, recaindo apenas sobre as pessoas que têm uma relação de emprego público. Há um esforço adicional em benefício de todos, em prol da comunidade, que é pedido exclusivamente aos servidores públicos [pagamos, mas somos retribuídos com esta "medalha de lata", a do sacrifício "em prol da comunidade"... mas vejamos o que vem a seguir]
Também não sofre controvérsia que não estava excluída a tomada de medidas de natureza tributária, conducentes à obtenção de uma receita fiscal de montante equivalente ao que se poupa com a redução remuneratória. E, nessa hipótese, todas as pessoas que auferem iguais rendimentos colectáveis ficariam sujeitas a um igual sacrifício do ponto de vista da sua contribuição para os encargos públicos. [Muito bem, bravo! Mas, porém, todavia, contudo...]
Mas esta dupla constatação de forma alguma equivale à fundamentação do cabimento do princípio da igualdade perante os encargos públicos, quando se trata de apreciar a constitucionalidade de medidas estaduais que visam a contenção do défice orçamental dentro de determinados limites. A fundamentação de que aquele princípio tem uma projecção constringente nesta matéria (não como princípio estruturante, mas como princípio impositivo do sistema fiscal), predeterminando o tipo de soluções disponíveis e retirando ao decisor político democraticamente legitimado qualquer margem de livre opção é algo que fica por fazer. (...)
Não cabe, evidentemenete, ao Tribunal Constitucional intrometer-se nesse debate [das medidas mais convenientes a tomar para redução do défice], apreciando a maior ou menor bondade, deste ponto de vista, das medidas implementadas. O que lhe compete é ajuizar se as soluções impugnadas são arbitrárias por sobrecarregarem gratuita e injustificadamente uma certa categoria de cidadãos. [Nem mais! Na "mouche"! Bravo! Porém...]
Não pode afirmar-se que tal seja o caso. O não prescindir-se de uma redução de vencimentos, no quadro de distintas medidas articuladas de consolidação orçamental, que incluem também aumentos fiscais e outros cortes de despesas públicas, apoia-se numa racionalidade coerente com uma estratégia de actuação cuja definição cabe ainda dentro da margem de livre conformação política do legislador. Intentando-se, até por força de compromissos com instâncias europeias e internacionais, conseguir resultados a curto prazo, foi entendido que, pelo lado da despesa, só a diminuição de vencimentos garantia eficácia certa e imediata, sendo, nessa medida, indispensável. Não havendo razões de evidência em sentido contrário, e dentro de "limites de sacrifício", que a transitoriedade e os montantes das reduções ainda salvaguardam, é de aceitar que essa seja uma forma legítima e necessária, dentro do contexto vigente, de reduzir o peso da despesa do Estado, com a finalidade do reequilíbrio orçamental. [Estão a ver o malabarismo argumentativo? Não se trata afinal de "encargos públicos", mas sim de "redução de despesa do Estado", Estado esse que pode proceder à redução de qualquer forma que lhe venha à cabeça, sendo equivalente, e constitucionalmente neutro, poupar na compra de automóveis, nas inaugurações, banquetes, etc., ou reduzir os vencimentos dos seus "servidores"... que afinal não são cidadãos como os outros, repare-se no que vem a seguir...] Em vista deste fim, quem recebe por verbas públicas não está em posição de igualdade com os restantes cidadãos, pelo que o sacrifício adicional que é exigido a essa categoria de pessoas - vinculada que ela está, é oportuno lembrá-lo, à prossecução do interesse público - não consubstancia um tratamento injustificadamente desigual. [Asseguro-vos que isto está lá escrito! Ignorava eu que o meu vencimento de "servidor" - ou servo? - do Estado estava à disposição do patrão, que lá pode ir buscar o que quiser quando achar que é preciso!!!]

Um acórdão precioso para a guerra aos funcionários públicos de que hoje fala André Freire no "Púlico".

16 outubro 2011

 

Indignação global

A "agenda" das centenas de manifestações realizadas ontem por esse mundo fora (contra as recomendações de Helena Matos e José Manuel Fernandes) não foi evidentemente a mesma, antes se mostrava plena de "localismos", mas pode, sem dificuldade, encontrar-se um traço comum a todas: a consciência da inadaptação dos mecanismos da democracia representativa para abrir as portas a uma sociedade justa; a consciência de que a democracia representativa é o regime da submissão do poder político ao económico, da conversão dos representantes eleitos em marionetas dos senhores do verdadeiro poder (os chamados "mercados").
A democracia representativa, na verdade, está vocacionada para a garantia dos direitos cívicos e políticos, mas não dos direitos sociais e económicos. Hoje, isso tornou-se flagrante. Temos o direito a protestar contra tudo o que quisermos (enfim, se formos bem comportados na forma do protesto...), mas já não temos direito "ao pão, à educação, à saúde, à habitação", que na canção de Sérgio Godinho eram, não o reverso, mas a mesma face da moeda da liberdade.
A democracia representativa tem vindo a cavar um fosso entre o 1% e os 99% da população, por todo o mundo, e não mostra conter mecanismos que dêem aos 99% meios efectivos de influenciar as tomadas de decisão, para além do voto deposto nas urnas periodicamente.
A reclamação de uma maior participação dos cidadãos no poder percorre o mundo. Os contornos das propostas dos indignados são fluidos, imprecisos, mas a indignação alastra. Os representantes, a começar pelos europeus, não estão ainda muito preocupados. Os manifestantes são olhados com desdém ou mesmo desprezo, quando se portam bem, são rotulados de desordeiros e inimigos sociais, quando passam das marcas da boa educação.
Entretanto, o tempo passa, e a maioria silenciosa ganha sempre as eleições... Esses, os que ficam sempre em casa, só saindo para trabalhar e no dia das eleições, são os cidadãos exemplares...

15 outubro 2011

 

E por falar em classe média


Quem hoje parece rejubilar com o afundamento da classe média é Vasco Pulido Valente, na sua crónica no Público. E também, como não podia deixar de ser, com a derrocada do Estado social, ao qual ele tem vindo, meticulosamente, a lançar rajadas fulminantes de há uns anos a esta parte. Dá a impressão que, para ele, Estado social e classe média é tudo a mesma coisa. Ambos são filhos detestáveis da revolução de Abril. Talvez como os barões e o Estado que os alimentava, no seguimento da revolução liberal, no século XIX, e a que Almeida Garrett acabou por votar um desprezo amargurado, bem visível nas Viagens Na Minha Terra.
Vasco Pulido Valente, manifestamente, sente-se agora vingado com o aniquilamento dessa tal classe média: «Mas de repente caiu o céu em cima dessa classe média improvisada e nula. Não mereceu?»
Qual será a classe a que pertence Vasco Pulido Valente?

 

De que lado está a violência



Afinal, o Primeiro-Ministro tinha razões para temer uma escalada de violência e fazer ameaças antecipadas e pôr a polícia de sobreaviso. Viu-se agora com a bomba que despoletou sobre os funcionários públicos: para além do corte parcial do subsídio de Natal já este ano, que abrange todos os trabalhadores dependentes, corte total dos subsídios de férias e de Natal nos próximos dois anos para os funcionários públicos que ganhem acima de 1000 € mensais e nos pensionistas que aufiram pensões acima de 1500 € por mês (depois da rectificação feita hoje). Pagamento por metade de horas extraordinárias feitas pelos funcionários públicos. Medidas estas, selectivas, que acrescem às anteriores, com particular incidência nos cortes de vencimentos.
Os funcionários públicos estão, assim, a tornar-se num dos principais bodes expiatórios da crise que foi gerada por outros, que acabam por ser os principais beneficiários das medidas draconianas tomadas contra aqueles.
Claro que também os trabalhadores por conta de outrem, pessoas de parcos rendimentos, pensionistas, beneficiários de prestações sociais têm sido alvo privilegiado das “medidas de austeridade”, quer por serem vítimas de cortes, de supressão ou redução de benefícios, e aumento exponencial do custo de vida por “actualizações” sistemáticas de preços de bens de primeira necessidade e sobrecarga de impostos sobre o consumo, quer por agravamento da legislação laboral – medidas, estas últimas, que também abrangem os funcionários públicos.
Desta vez, porém, os trabalhadores por conta de outrem do sector privado foram contemplados com outra medida específica: o suplemento de meia hora de trabalho por dia completamente “à borla”, para além do célebre e há muito falado (e exigido pela CIP – Confederação da Indústria Portuguesa) “ajustamento” dos feriados.
A estas medidas, lançadas de forma inesperada, lacónica e expedita, um bispo conhecido – D. Januário Torgal Ferreira – chamou de “terroristas” e disse que eram para “esmagar a classe média”. Estava a lembrar-se, sobretudo, das medidas tomadas contra os funcionários públicos, que foram eles os principais visados desta vez. São palavras que queimam a boca, mas ele disse-as, sem papas na língua. Mesmo que descontando algum exagero, é caso para perguntar de que lado é que está a violência e quem tem razões para a temer.

 

A justiça segundo a sociologia

Numa entrevista de várias páginas integrada no último número da publicação patrocinada pelo dr. Pinto, sob um sugestivo título - "É frequente o juiz ser um déspota na sala" -, uma das reservas morais da nação perora fundamente sobre os problemas da orgânica judiciária, da formação dos juízes, sobre como deve ser a "nova estrutura de poder político da Justiça" (sic.), sobre os "prazos" e acerca de tudo o mais que, pertinente à Justiça, por força apoquenta um homem preocupado com a coisa pública. O teor da entrevista e as opiniões nela vazadas dão bem a imagem do grau de ignorância e (sobretudo de) preconceito com que hoje se aborda o tema (que certamente necessita de ampla, mas séria, discussão) do judiciário. Analisemos então algumas das pérolas que nos prodigaliza o cidadão:


Insurge-se contra a composição do Conselho Superior da Magistratura pois, "apesar do que diz a lei, o essencial do CSM pertence (sic.) aos juízes. Apesar de o presidente poder nomear dois membros, de o Parlamento poder nomear, acabam sempre por ser magistrados judiciais". Isto é dito assim, sem corar e nem gaguejar. Ora, uma breve peregrinação à página do CSM informaria o comentarista que nenhum dos membros do CSM nomeados pelo Presidente da República e pelo Parlamento é juiz!


Outra das grandes preocupações do pensador é a de haver "autogestão" dos juízes. Esta nada tem que ver com a "independência" (não lhe ocorre, parece, as recíprocas capilaridades entre as duas coisas). E para tratar daquela "autogestão", havia que implicar (para usar um eufemismo) o Parlamento; o que tem sido impossível porque o "Parlamento parece que tem medo dos juízes" (vá lá: ao menos o Parlamento). E porque é que tem medo? Tem medo porque (aguentem-se à cadeira!) "muitos dos governantes ou deputados são, eles próprios, (...) juízes"! Esta é simplesmente poderosa e denota bem o nível em que está a análise sociológica neste país.


A magna questão dos "prazos" também não escapa à análise do ilustre sociólogo. Acha ele (aliás aquilo é tudo palpites e até "sentimentos", como veremos) ser "inaceitável que os juízes não tenham prazos tão duros e tão severos (sic.) como têm as outras partes, nomeadamente advogados e arguidos. Por 24 horas, por 24 minutos, podem perder tudo, todas as oportunidades, e os juízes e procuradores têm os prazos que lhes apetece e isso não pode ser" (itálico meu). Bem, aqui há, sob a a aparência da simplicidade, uma extraordinária complexidade. Desde logo, os juízes e os procuradores têm "prazos". O problema é que por vezes não os cumprem. A outra questão, sequencial, é a de saber porque por vezes não os cumprem; e a outra ainda, derivada, é o que sucede se não os cumprirem. Quanto à de saber porque não cumprem, há várias explicações: pouco rendimento pessoal (uma minoria); muitos mais processos do que aqueles que seriam recomendados pelo senso comum e até pelo Conselho da Europa (explicação-padrão); ou os processos serem "tipo Isaltino" (frequente em certo tipo de criminalidade, de "gente fina"). Portanto, e para ser analítico: ou o problema é do juiz, ou da quantidade de processos ou da qualidade dos processos (neste último caso não raro o "problema" é dos advogados que usam, e frequentemente abusam, de expedientes dilatórios). Só naquele primeiro caso é que se deveria entrar na outra questão colocada pelo comentador: o que sucede se não cumprirem. A resposta são os processos disciplinares (e julgo haver muitos, porventura mais do que em qualquer outra profissão), sendo que em qualquer caso - isto é, não cumprindo seja porque razão for - o magistrado não corre o risco de "perder tudo" ou "todas as oportunidades" (um mistério insondável que o intelectual em causa não faz a fineza de iluminar). E nada "perde" precisamente porque é juiz e sendo juíz não é "parte" (até o Sr. de LaPalisse atinava com esta), ao contrário do que parece pensar de modo liso o comentador, que tão só deixa claro o seu olímpico desconhecimento do que seja a função judicial.


Há também o recorrente problema da "formação" com a estafada narrativa dos juízes "novos" e dos juízes "velhos", da experiência e assim por diante. E aqui, quanto ao CEJ (instituição certamente a necessitar de reflexão e reforma), o sociólogo não expressa opinião, ou ao menos ela não é "firme". De acordo com a metodologia própria das ciências ocultas, ele próprio assume que é mais um "sentimento" "contrário ao CEJ" (ficamos assim a saber - matéria para reflexão filosófica - que entre o "sentimento" e a "opinião firme" existe a "opinião"). Isto porque o CEJ formou um juiz que é um "ser humano especial", com "dignidade especial", "intocável", "invulnerável" - e parece que toda essa carapaça sobrenatural, supondo que exista para efeitos de raciocínio, cairia com alguns anos de "experiência" noutras áreas profissionais. Ora, esta mitologia da experiência tem muito que se lhe diga: a "experiência" só é uma vantagem se for uma "boa experiência"; se for "má experiência", não se torna uma vantagem só por ser de muitos anos. Ela permanece uma má experiência com muitos anos.


Por fim, e para ficar por aqui, aborda-se o tema do tribunal de júri. Um democrata que se preze só pode gostar do júri. E, claro, o opinador sugere que "o sistema de jurados deveria ter uma expansão maior em Portugal", sucedendo porém (aqui nada funciona, fica-nos sempre a maçaneta na mão como dizia o poeta) que a inteligente pergunta do entrevistador ("como é que iriam reagir os poderes instituídos?"), respondeu o entrevistado que "os jurados são um contrapeso dos juízes" e que, intuí-se, aquela "expansão" impediria o tal juiz que é um "ser humano especial" de "ser um déspota na sala". Bom, a esta metafísica conviria responder que não só há jurados em Portugal como são as "partes" (para usar a linguagem sincopada do opinador") quem tem legitimidade para requerer a sua intervenção. E assim, se esse requerimento não tem expressão (como não tem) e se aquela intervenção teria por efeito impedir que o juiz fosse "um déspota na sala", então talvez se siga que aquela intervenção não tem expressão porque a imagem juiz português não é a de "um déspota na sala".





13 outubro 2011

 

Grécia: o nosso espelho

Depois das medidas hoje anunciadas, podemos antecipar, sem margem de erro, o que nos espera. Estamos a seguir a rota da Grécia, que vai à nossa frente uns largos meses. Olhando para o que se passa lá, ficamos a saber o que nos vai acontecer daqui a 3 meses, a 6 meses, etc.
Portanto, o que agora verdadeiramente nos interessa já não é o que se passa em Berlim ou em Bruxelas (onde aliás nada se passa), mas sim em Atenas...

 
Um grande penalista em grandes trabalhos.

09 outubro 2011

 

Um poema de Nicolás Guillén

Lembrei-me deste poema de Nicolás Guillén (sabe-se lá por quê).

SOLDADOS EN ABISINIA

Mussolini.
Sobre el puño, la barba.
Sobre la mesa, en cruz,
África
desangrada.
África verdinegra y azulblanca
de geografía y mapa.

El dedo, hijo de César,
penetra el continente:
no hablan las aguas de papel,
ni los desiertos de papel,
ni las ciudades de papel.
El mapa, frío, de papel,
y el dedo, hijo de César,
con la uña sangrienta, ya clavada,
sobre una Abisinia de papel.

Qué diablo de pirata,
Mussolini,
con la cara tan dura
y la mano tan larga!

Abisinia se encrespa.
se enarca,
grita,
rabia,
protesta.
Il Duce!
Soldados.
Guerra.
Barcos.

Mussolini, en automóvil,
da su paseo matinal;
Mussolini, a caballo,
en su ejercicio vesperal;
Mussolini, en avión,
de una ciudad a otra ciudad.
Mussolini, bañado,
fresco,
limpio,
vertiginoso.
Mussolini, contento.
Y serio.

Ah, pero los soldados
irán cayendo y tropezando!
Los soldados
no harán su viaje sobre un mapa.
sino sobre el suelo de África,
bajo el sol de África.
Allá no encontrarán ciudades de papel;
las ciudades serán algo más que puntos que hablen
con verdes vocecitas topográficas:
hormigueros de balas,
toses de ametralladoras,
cañaverales de lanzas.
Entonces, los soldados
(que no hicieron su viaje sobre un mapa),
los soldados,
lejos de Mussolini,
solos;
los soldados
se abrasarán en el desierto,
y mucho más pequeños, desde luego,
los soldados
irán secándose después lentamente al sol;
los soldados
devueltos,
los soldados
en el excremento de los buitres.


("Cantos para solddos y sones para turistas")

 

Afeganistão: perto do fim

A missão civilizadora e democratizadora dos EUA e da NATO no Afeganistão está a chegar ao fim, depois de muitos milhares de mortos, militares e civis, e da destruição generalizada do país.
Recorde-se que esta era a "guerra boa" de Obama, em contraste com a guerra "errada" do Iraque...
Agora tornou-se uma guerra interminável, demasiado cara, pouco rentável eleitoralmente. Portanto, é retirar, sem dar demasiado a impressão de que é uma debandada...
Aliás, desde o sec. XIX, já outros entraram e saíram naquele país pela porta pequena...
Afinal, é o povo afegão que terá que resolver os seus problemas, não é assim?

 

O pré-anunciado presidente da ERC

Nos termos do Estatuto da ERC (aprovado pela Lei nº 53/2005, de 8-11), a AR designa quatro membros do "conselho regulador", eleitos por maioria de 2/3, sendo o quinto elemento cooptado pelos membros eleitos. Compete ao órgão, depois de completada a sua formação, a escolha do presidente e do vice-presidente.
Mercê de uma sábia concertação entre os dois partidos mais representados na AR, as coisas foram simplificadas: o quinto membro já é conhecido antes de eleitos os outros quatro. Estes limitar-se-ão, depois de designados pela AR, a escolher o outro. Não precisam de se preocupar, de andar a pensar em nomes, de discutir entre eles...
E também não vale a pena a nenhum deles pôr-se nos bicos dos pés para tentar chegar a presidente: já há presidente (um magno presidente, aliás).
Estão, pois, reunidas as condições para um exercício independente das funções que lhes estão atribuídas, "sem sujeição a quaisquer directrizes ou orientações por parte do poder político" (art. 4º do Estatuto).

06 outubro 2011

 

As novas movimentações sociais II

A propósito do que designei de novas movimentações sociais, falei de “instituições contestatárias”. Foi um termo que me surgiu na rapidez da escrita, mas fiquei a pensar nele, franzindo o nariz. Instituições contestatárias? Mas haverá “instituições contestatárias”? Não haverá aqui um paradoxo na própria formulação? Eu queria referir-me, sobretudo, a movimentos de contestação e também sindicatos e até, provavelmente, de forma mais longínqua, a partidos políticos, estes dois últimos, sim, instituições. Quer os sindicatos, quer os partidos políticos desenvolvem também, em certas situações, acções ou movimentos de contestação, mas não são “instituições contestatárias”.
Quanto ao capitalismo global, uma achega: ele tornou-se dominante, como toda a desregulamentação que implementou a nível mundial, precisamente a partir da derrocada do “socialismo real”. Este, apesar de tudo, exercia o papel de uma barreira que inibia a expansão de certas formas do capitalismo. Desaparecida ela, o capitalismo entrou numa fase eufórica, de desregulamentação económica e aniquilação de direitos sociais, económicos e mesmo culturais.
Os movimentos sociais que têm surgido por toda a parte, às vezes com solidariedades além-fronteiras, tentam esboçar, segundo creio, uma resposta a esse estado de coisas. Esses movimentos é que eu considerei de bom augúrio. Mas é só, para já, um palpite e a expressão de um desejo.

05 outubro 2011

 

As novas movimentações sociais


A propósito da contestação de Wall Street, penso que, cada vez mais, se está a desenhar um esboço de contestação global do “sistema”. Um movimento ainda informe, tacteante, com objectivos mal definidos, mas que penso ser de bom augúrio. Talvez possa vir a surgir qualquer coisa de novo, anunciando uma saída para a situação insustentável a que chegou o capitalismo global. De uma forma ainda nublada, talvez esteja em curso o início do processo para uma alteração radical do “satu quo”, que só pode merecer uma resposta a nível globalizado, já que são mundiais as causas que provocam mal-estar nas populações e as instituições contestatárias que conhecemos até aqui são nitidamente insuficientes e desajustadas, porque pensadas sobretudo para o quadro dos Estados-Nações.
Não nos deve espantar, por isso, que, no próprio “coração do capitalismo”, para usar a expressão de Maia Costa, se estejam a processar movimentações contestatárias. Ao fim e ao cabo, o império soviético e o chamado “socialismo real”, moldado em toda a parte pelo modelo estalinista, que toda a gente acreditava ser indestrutível, também ruiu como um castelo de cartas.

 

A contestação em Wall Street, lembrando um poema de Carlos Drummond de Andrade

Custa mesmo a acreditar, mas há cerca de três semanas que se sucedem concentrações e manifestações anti-sistema junto de Wall Street.
É um movimento de "indignados" ou coisa parecida, de alguma forma afim aos movimentos europeus dos últimos meses.
As autoridades de Nova York é que não gostam nada disso e no sábado passado a polícia deteve 700 (setecentos!) manifestantes. Mas parece que essa reacção teve efeitos contraproducentes e propulsores do movimento contestário, que poderá ter o apoio de sindicatos e organizações estudantis...
Tudo está ainda muito indefinido, mas quem diria que isto pudesse acontecer ali mesmo no coração do capitalismo? Até parece ficção... Ou poesia...
E a propósito me lembro deste poema de Carlos Drummond de Andrade:


Elegia 1938

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconízam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

("Sentimento do Mundo")

 

Justiça italiana para americanos

Os americanos gostam de exibir no circo da comunicação social os estrangeiros que caem nas malhas da sua "justiça" (cujas "virtudes" foram exuberatemente exibidas no "caso Dominique"), mas não gostam de ver os seus cidadãos julgados no estrangeiro.
A pressão dos "media" americanos em torno do segundo julgamento em Perugia de uma jovem americana, anteriormente condenada por homicídio em 26 anos de prisão, e agora absolvida, ultrapassou as fronteiras do tolerável. Terá essa pressão sido "eficaz", condicionando os juízes italianos? Não creio... Mas de qualquer forma é inadmissível o que se passou.
E se a decisão tivesse sido de manter a condenação? Bom, nesse caso, segundo a Fox, cadeia de TV fortemente conservadora, interviria o Departamento de Estado... Não se sabe, porém, com que tipo de intervenção: se apemas com uma conversa com o embaixador italiano, se com bombardeamentos cirúrgicos (tão ao gosto americano) sobre o tribunal de Perugia, até a Amanda ser libertada...
Os impérios em declínio são perigosos.

04 outubro 2011

 

Basta!


Alberto João Jardim quer chegar a domingo próximo e dar uma valente sova no Continente. É altura de o Continente levar a sério a ameaça e pôr finalmente cobro a estas altissonantes declarações de guerra. Tenha ou não tenha maioria absoluta, é chegada a hora de proclamar a tolerância zero em relação a esse senhor que se gaba de ocultar dívidas astronómicas para extorquir mais dinheiro a quem ele se farta de oferecer “pancada”. Basta de tanta condescendência, de tanta complacência e de tanto masoquismo! Além disso, é preciso que ele saiba de uma vez por todas que a democracia não é só ganhar eleições.

03 outubro 2011

 

Acusem a Europa

Acusem a Europa!
28 de Setembro de 2011
por Filipe R. Costa
Editor Executivo CutTheSpread.com

Durante os últimos dias tenho lido e ouvido muitos comentários a pressionar a UE a fazer algo de concreto para conter o problema da dívida grega e evitar o contágio de uma crise financeira. Segundo várias fontes, a Europa é responsável pela volatilidade que tem assombrado os mercados financeiros e pela queda a que temos vindo a assistir.
Quando ouço tais comentários, uma mistura de sentimentos cresce dentro de mim. Por um lado, fico desapontado com a forma como políticos e entidades públicas têm lidado com a economia, priorizando os seus interesses acima dos de quem lhes conferiu os poderes, e dessa forma contribuírem para um agravamento generalizado das condições económicas. Por outro lado esses comentários acusatórios dão-me vontade de rir.
Como todos se lembram, a crise do "subprime" começou nos EUA, antes de expandir para todo o mundo. Muitos activos financeiros foram "reembalados" em pacotes embelezados que os transformavam em algo com melhor aspecto e vendidos a Wall Street e à banca a preços muito acima do seu valor. As agências de notação de crédito ajudaram a empestar o mercado financeiro com estes produtos rotulando-os de activos sem risco ou com risco diminuto. A certa altura percebeu-se que esses activos financeiros pouco ou nenhum valor tinham. As perdas sucederam-se, umas empresas contagiaram outras, e a crise começou. Vários bancos foram à falência, outros tiveram que ser nacionalizados, e todos os que se salvaram passaram por um período difícil. A crise financeira expandiu e o mundo entrou em recessão.
Para combater a crise, os governos aumentaram os gastos e os bancos centrais começaram um período de expansão monetária. Enquanto que o BCE utilizou a sua política monetária com cautela (por vezes com cautela demasiada), o seu homólogo dos EUA - o FED - encetou uma política interminável de impressão de notas de dólar. As injeções consecutivas de moeda provocaram o aumento do preço do petróleo, mesmo antes da economia real recuperar. Essa política não levou a uma criação permanente de emprego, levantou pressões inflacionárias por todo o mundo, e tornou a economia europeia menos competitiva (com o aumento do valor do euro). A política monetária demasiado expansionista foi um fracasso e teve e terá repercussões negativas na Europa.
Dois anos após o fim da crise que começou por ser financeira e interna aos EUA, a economia dos EUA ainda está a lutar para criar emprego, os gastos dos consumidores estão em níveis muito baixos, o PIB está a crescer a um ritmo muito modesto, e diversos índices de actividade económica recentemente entraram em contracção. Para além disso a economia Norte-Americana avolumou a sua dívida pública para quase 70% do seu PIB.
Culpar as instituições e líderes da UE pela a situação actual que se vive não passa de uma opção política de Obama, que se debate com um clima difícil para uma reeleição, e que procura desesperadamente encontrar uma maneira de fazer os mercados financeiros subir enquanto culpabiliza a Europa, que no fundo não é mais que uma vítima.
A Europa não criou esta crise e não é só por causa da Grécia que os mercados financeiros descem nos EUA. O poder dos gregos não vai tão longe. A crise financeira começou nos EUA e nunca foi verdadeiramente curada tendo-se tornado numa crise económica. Ao contrário das crises financeiras, as crises da economia real não se curam com injeções de moeda como tem tentado o FED. O mercado financeiro tem sido falsamente empolado por essas políticas. A falta de uma política fiscal geradora de emprego e riqueza levou os EUA a este ponto.

02 outubro 2011

 

Obama também contorna a Constituição

Nos tempos de Bush filho o Departamento da Justiça americano tinha uns "juristas" contratados para encontrar argumentos jurídicos favoráveis a todas as infracções às garantias individuais que fossem consideradas necessárias para garantir a "segurança" dos EUA. Assim, se justificou a tortura, os raptos, os assassinatos de "inimigos", o campo de Guantánamo, etc.
Obama (que é jurista) proclamou uma ruptura contra essas práticas anteriores. Mas, na realidade, a ruptura ficou-se pela proclamação retórica. Guantánamo lá está, para durar. Os assassínios selectivos continuam, como o demonstrou o caso Bin Laden.
E cada vez mais requintados. Num prodígio de virtuosismo tecnológico, os EUA inventaram uma máquina de matar à distância (que os amigos israelitas também utilizam com gosto e proveito). Chama-se "drone", é um avião não pilotado que assepticamente despacha a vítima.
A dúvida que se levantou no caso ocorrido esta semana é que a vítima era um americano, um tal Anwar al-Awlaki. Mas, sendo de origem árabe e residente no Iémen, não era completamente americano... Além disso, era um inimigo declarado dos EUA, membro da Al-Qaeda...
Mas o argumento supremo de justificação da utilização da "força letal" contra aquele cidadão é este: o presidente dos EUA, garante o Departamento da Justiça, tem autoridade para "contornar" as garantias constitucionais e ordenar a morte de cidadãos nacionais estabelecidos no estrangeiro, como medida de contraterrorismo.
Exactamente a mesma conclusão a que tinham chegado os juristas de Bush!
Portanto, a Constituição é umas vezes para aplicar, outras para "contornar", conforme os interesses nacionais (ou imperiais) dos EUA... Grandes "juristas"!

01 outubro 2011

 

Solidariedade (in)esperada

Da trapalhada da prisão do autarca de Oeiras sobra um episódio significativo: a declaração do colega da capital, que terá dito: "Nunca é agradável ver um colega autarca detido."

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