04 junho 2011

 

O "país informe" de Rui Nunes

Rui Nunes é autor de uma prosa estranha, surpreendente, única. Tem por vezes fulgurações que cegam pela beleza ou pela lucidez ou pela amargura irremediável.
Trancrevo uma passagem do último livro, recém-publicado, "A Mão do Oleiro" (Relógio de Água):

«um país informe.
Atravessei-o em combóios, bicicletas, carros. As pessoas vão. Têm todas o mesmo ar cansado de quem repete um caminho. As casas repelem-nas, as estradas repelem-nas, por isso o único lugar é esta viagem incessante. Há sempre gente a correr, como se tivesse um sítio que a esperasse, gente com o hábito de se lembrar, mas não com o sentimento da lembrança, gente que destrói o passado com uma persistência meticulosa: a casa onde nasceu porque a ela só a liga a pobreza, as paredes da cozinha, de um negro de fumo, ou as ruas dos bairros suburbanos onde à noite bandos de crianças partem os vidros das janelas, esvaziam os pneus dos carros, injectam-se nos vãos de escada ou nas pedreiras abandonadas, gente que não sabe que se pode recordar com alegria ou tristeza, cujo sentimento único é uma espécie de cansaço.»





<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)