18 maio 2011

 

DSK – notas sobre o caso e os casos de processo penal

O caso do processo de DSK em NY suscitou alguns textos muito interessantes tanto no Sine Die, aqui, aqui e aqui, como noutros locais, merecedores de um debate alargado.
Como disse o Pedro De ordinário os fazedores de opinão domésticos têm uma de duas visões da América: amam-na ou odeiam-na. Tudo que vem do lado de lá do Atlântico ou é o melhor ou é o pior.
Sendo também verdade que hoje quando se fala de sistema de justiça na opinião publicada prevalece o embevecimento com a do outro lado Atlântico, por contraposição com a do último bocado de terra continental deste lado do oceano, aquele «é o melhor».
Em contraponto, sendo as leis e a sua leitura no nosso país uma coisa de juristas, entre estes, por muito silenciados que sejam na comunicação social, subsiste pujante o paroquialismo no olhar do «selvagem» sistema norte-americano que «é o pior» (o facto de muitas das nossas conquistas processuais virem de lá... a ser verdade não passou de um acidente histórico).
Sendo certo que há quem emerge com raro sentido de oportunidade surfando ondas e ultrapassando quaisquer espartilhos ideológicos para como observador privilegiado esclarecer o povo: É a cultura continental muito formalista, tecnicista e burocrática. Normalmente isto é misturado com uma retórica muito grande sobre a garantia dos direitos dos cidadãos, que não estão a garantir coisa nenhuma. Porque obviamente uma justiça atrasada é uma justiça negada. Temos problemas semelhantes, talvez não tão graves, em França e na Itália. Mas há outra cultura jurídica, a anglo-saxónica, que tem outra concepção: o cidadão quando mete uma acção em tribunal sabe exactamente o seu início e também quando termina. Nos tribunais norte-americanos os prazos são cumpridos.
Não partilhando a visão dicotómica denunciada pelo Pedro, parece-me que a sua superação exige análise crítica com níveis de abstracção rejeitados pela segurança das certezas imediatas (de leigos e juristas) sobre os pressupostos e operatividade do sistema de lá e o que se tem como adquirido relativamente ao «nosso». Existe, contudo, um outro trilho que também pode ajudar a desfazer alguns mitos, que conformam amores e ódios impressionistas, e que se apresenta menos agreste: a ponderação de «case studies», de cá e de lá (em particular ao nível do crime económico e de colarinho branco onde existem vários carecidos de leitura atenta).

O caso DSK relativo a um crime sexual é um dos muitos que se podem revelar exemplares para esse exercício de leitura dos sistemas processuais penais português e norte-americano. E neste ponto não digo nem alemão, nem francês, porque o código português de 1987 pretendeu sintetizar o melhor de todos os mundos e a questão que se me coloca cada vez com mais intensidade é se não conseguiu exactamente o inverso.

E já agora uma nota marginal, pergunta o Pedro Então, à míngua de concretas razões de segurança, porquê as algemas? Questão das algemas muito levantada a propósito de DSK já que interpela necessariamente a nossa sensibilidade o homem foi levado algemado, e eu acrescentaria despido de atacadores e gravata.
Nesse ponto, se bem me lembro do que li há uns anos, o procedimento estabelecido de uma forma geral quanto aos detidos (a questão dos presos em cumprimento de pena de prisão em certos Estados dos EUA já é de outra índole) teve na base exigências e críticas de movimentos liberais que confrontaram o sistema com a prática discriminatória, em face de múltiplas análises estatísticas, no algemar de detidos. Tendo as autoridades invocado que os critérios de leitura de risco adoptados pelas polícias implicavam tais variações estatísticas e na medida em que não quiseram assumir (nem os liberais exigir) a renúncia generalizada a esses procedimentos de segurança, o algemar de detidos e libertação de atilhos (atacadores, gravatas, cintos) passou a ser a regra em nome dos valores da igualdade e da democracia.

E quanto ao texto do outro Pedro, o Lomba, que também é um dos cronistas «que mais aprecio», não o interpretei como nosso Pedro (pois não me pareceu exultante com a justiça made in USA), e não tenho qualquer pejo em subscrever o sentido da sua asserção final (independentemente da perspectiva sobre o sistema dos EUA que, ele, aliás, me parece que deixa em aberto), pois a mim também «me apetece agradecer aos génios que criaram o nosso processo penal e montaram a tapeçaria do sistema de justiça. Não sei o que pretenderam garantir, se a justiça, se a inocência. Infelizmente, demasiadas vezes, não conseguiram nenhuma».

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