17 dezembro 2010

 

Sentença do TEDH sobre o aborto na Irlanda: uma fenda na muralha

Tirando Andorra, Malta e São Marino (que criminalizam o aborto em qualquer caso), é a Irlanda o país mais restritivo em matéria de IVG, apenas a autorizando em caso de perigo de morte para a mãe. Mas, mesmo nessa situação, a IVG não está garantida.
É o que resulta da sentença A, B e C c/ Irlanda, publicada ontem, que condenou a Irlanda por violação do art. 8º da CEDH.
Traduzo a parte final:

"O Tribunal observa que a terceira requerente sofria de uma forma rara de cancro e que pensava que a gravidez podia favorecer uma recidiva. No entender deste Tribunal, a possibilidade para a interessada de confirmar esse risco para a vida envolvia manifestamente valores fundamentais e aspectos essenciais do seu direito ao respeito pela vida privada.
Este Tribunal conclui que a única via não jurisdicional invocada pelo Governo, a saber, o processo ordinário de consulta médica enre a mulher e o médico, está desprovida de garantias. Tendo em conta o grau de incerteza que rodeia este procedimento, este Tribunal considera evidente que as disposições da lei penal de 1861 constituem um forte elemento dissuasor, tanto para as mulheres como para os médicos, visto que incorrem numa condenação penal severa e numa pena de prisão, no caso de a decisão inicial de proceder a um aborto com fundamento no risco para a vida da mãe ser ulteriormente julgada contrária à Constituição irlandesa.
Da mesma forma, este Tribunal considera que os procedimentos judiciais que a terceira requerente teria podido exercer (em particular o recurso constitucional) não eram suficientes. Para este Tribunal, os tribunais constitucionais não constituem o melhor enquadramento para determinar se uma mulher preenche as condições para abortar legalmente. Assim como não seria razoável exigir de uma mulher que desencadeie um recurso constitucional tão complicado, quando ela pretende apenas fazer valer, à luz da Constituição, um direito incontestável a submeter-se a um aborto em caso de risco sério para a sua vida. De qualquer forma, não se vê bem como poderiam os tribunais executar uma ordem impondo a um médico para interromper a gravidez, tendo em conta a falta de informações fiáveis fornecidas pelo Governo relativamente aos abortos praticados na Irlanda actualmente.
Em consequência, este Tribunal considera que nem o procedimento de consulta médica nem os recursos judiciais invocados pelo Governo constituíam procedimentos eficazes, acessíveis e adequados para permitir à terceira requerente que fosse reconhecida a existência, no caso, do direito a abortar na Irlanda. Aliás, o Governo não justificou a ausência de uma lei que regulasse o direito consitucional a abortar legalmente na Irlanda. Daí a violação do art. 8º da CEDH [direito ao respeito pela vida privada e familiar]."

Ao que parece a ministra da Saúde mostrou alguma abertura para mudar a lei. Mas sem pressa. Afinal, a Irlanda tem outros problemas...





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