28 dezembro 2010

 

Ao menos, aprendamos com a crise

Os “buracos”na gestão dos dinheiros públicos vêm lentamente à luz do dia, e muitos hão-de permanecer escondidos por muito tempo ainda, ou até nunca chegarem a ser totalmente esclarecidos. Agora, é o caso do Instituto de Gestão Financeira do Ministério da Justiça. Segundo a imprensa, uma auditoria do Tribunal de Contas (TC) detectou que aquele Instituto gastou 326,1 milhões de euros (160 no ano passado e 166,1 neste ano) de “depósitos autónomos”, tais como rendas, cauções e outras importâncias afectas a processos judiciais, que, logicamente, não pertenciam ao Estado e foram gastas como receitas extraordinárias, sem que fossem garantidas as responsabilidades para com terceiros. Os membros do Conselho Directivo que aprovaram as contas incorrem em responsabilidade, podendo ser sancionados com multa por “infracções financeiras sancionatórias”. Porém, como lembra Pedro Soares Albergaria neste mesmo blogue, do facto parece também decorrer responsabilidade criminal por abuso de confiança, pois o que indicia a situação descrita senão uma apropriação das referidas quantias para serem gastas em proveito próprio do Estado, com desvio do fim para que tinham sido depositadas e foram confiadas ao Instituto de Gestão Financeira?
O que, todavia, causa mais calafrios é a forma como se vêm transgredindo regras e princípios de contabilidade pública e como se vêm gerindo, de forma prejudicial para o erário público (com evidente reflexo no bolso dos contribuintes) dinheiros públicos em muitos sectores do Estado, nomeadamente em empresas públicas e nas chamadas parcerias público-privadas (PPP). A leitura de Como O Estado Gasta O Nosso Dinheiro, do juiz jubilado Carlos Moreno – um livro a todos os títulos meritório, nomeadamente pela clareza da exposição e pelo exercício de pedagogia cívica que materializa – é bem elucidativo a esse propósito. Fica-se com uma noção mais exacta da opacidade da administração pública e fica-se com uma base fundada para a revolta contra a forma como o património do Estado (o nosso património colectivo) é tratado. Em certos casos, é praticamente difícil fugir a uma ideia de que certos actos, se não são criminosos, roçam a criminalidade. Veja-se o que diz o Autor a propósito de certos tipos de gestão ou de contratualização, em que campeiam “inaceitável desleixo”, “falhas graves em matéria de competitividade, transparência e respeito pelo princípio da igualdade de tratamento entre os concorrentes”, assunção de riscos que deviam ser das empresas privadas, introdução de cláusulas desvantajosas para o Estado, etc.
Não há dúvida de que isto precisa de levar uma grande volta e de que ainda temos (os cidadãos, os contribuintes) muito que aprender no sentido da exigência e do rigor, numa democracia que se não limite aos actos eleitorais periódicos. Se a crise servir para isso, já não é mau.





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