29 dezembro 2010

 

A sangria

Uma visita rápida aos últimos 30 dias do Diário da República, II Série, Tribunais, dá-nos uma imagem clara dos efeitos perversos das iniciativas legislativas referentes ao Estatuto dos Magistrados. São dezenas (sublinho, dezenas!) de Magistrados dos Tribunais Superiores que se aposentaram ou jubilaram no último mês!
Só um País muito rico e completamente à deriva pode suportar os custos (sim, os custos económicos!) de tamanha sangria de profissionais altamente qualificados que, contrariamente a outros profissionais também eles altamente qualificados, como os médicos, não podem ser substituídos nas suas funções públicas por contratualizações privadas! (Ou será que podem?).

28 dezembro 2010

 

Ao menos, aprendamos com a crise

Os “buracos”na gestão dos dinheiros públicos vêm lentamente à luz do dia, e muitos hão-de permanecer escondidos por muito tempo ainda, ou até nunca chegarem a ser totalmente esclarecidos. Agora, é o caso do Instituto de Gestão Financeira do Ministério da Justiça. Segundo a imprensa, uma auditoria do Tribunal de Contas (TC) detectou que aquele Instituto gastou 326,1 milhões de euros (160 no ano passado e 166,1 neste ano) de “depósitos autónomos”, tais como rendas, cauções e outras importâncias afectas a processos judiciais, que, logicamente, não pertenciam ao Estado e foram gastas como receitas extraordinárias, sem que fossem garantidas as responsabilidades para com terceiros. Os membros do Conselho Directivo que aprovaram as contas incorrem em responsabilidade, podendo ser sancionados com multa por “infracções financeiras sancionatórias”. Porém, como lembra Pedro Soares Albergaria neste mesmo blogue, do facto parece também decorrer responsabilidade criminal por abuso de confiança, pois o que indicia a situação descrita senão uma apropriação das referidas quantias para serem gastas em proveito próprio do Estado, com desvio do fim para que tinham sido depositadas e foram confiadas ao Instituto de Gestão Financeira?
O que, todavia, causa mais calafrios é a forma como se vêm transgredindo regras e princípios de contabilidade pública e como se vêm gerindo, de forma prejudicial para o erário público (com evidente reflexo no bolso dos contribuintes) dinheiros públicos em muitos sectores do Estado, nomeadamente em empresas públicas e nas chamadas parcerias público-privadas (PPP). A leitura de Como O Estado Gasta O Nosso Dinheiro, do juiz jubilado Carlos Moreno – um livro a todos os títulos meritório, nomeadamente pela clareza da exposição e pelo exercício de pedagogia cívica que materializa – é bem elucidativo a esse propósito. Fica-se com uma noção mais exacta da opacidade da administração pública e fica-se com uma base fundada para a revolta contra a forma como o património do Estado (o nosso património colectivo) é tratado. Em certos casos, é praticamente difícil fugir a uma ideia de que certos actos, se não são criminosos, roçam a criminalidade. Veja-se o que diz o Autor a propósito de certos tipos de gestão ou de contratualização, em que campeiam “inaceitável desleixo”, “falhas graves em matéria de competitividade, transparência e respeito pelo princípio da igualdade de tratamento entre os concorrentes”, assunção de riscos que deviam ser das empresas privadas, introdução de cláusulas desvantajosas para o Estado, etc.
Não há dúvida de que isto precisa de levar uma grande volta e de que ainda temos (os cidadãos, os contribuintes) muito que aprender no sentido da exigência e do rigor, numa democracia que se não limite aos actos eleitorais periódicos. Se a crise servir para isso, já não é mau.

26 dezembro 2010

 

Os 326 milhões

O Tribunal de Contas fala em violação de várias regras da contabilidade pública. Terá razão. Mas o que queríamos ver esclarecido é a questão é a de saber se vai ou não haver uma investigação criminal por crime de abuso de confiança agravado (artigo 205.º/1/5, do CP), que é crime público. Suponho que o MP também lê jornais...

20 dezembro 2010

 

Europa, crise e democracia

Acho importante transcrever um pequeno trecho de uma entrevista concedida pelo filósofo e pensador político Jacques Rancière a António Guerreiro na Revista “Actual” do Expresso do passado dia 11 de Dezembro e que só agora tive ocasião de reproduzir aqui.
Tem muito a ver com alguns textos que ultimamente tenho publicado neste blogue sobre a situação que atravessamos.
Eis:

JR – Na medida em que um Estado é político, ele deve referir-se a um poder que é o poder de todos. Mas, ao mesmo tempo, um Estado é sempre uma máquina oligárquica que tende a apropriar-se desse poder que é o poder de todos. O princípio é o de que o Estado representa o povo, mas o que o Estado faz é organizar os meios da sua própria reprodução. O que significa que continuamente o Estado suprime a política, ao mesmo tempo que se levantam as vozes dos que reclamam fazer parte da discussão, das decisões. E aí começa a política. A forma mais recente de o Estado nos impedir de participar na discussão e nas decisões consiste em dizer que ele próprio está numa situação que não lhe deixa o poder de escolher e em que há só uma solução.
AG – Esse é o actual discurso canónico da crise.
JR – Exactamente, o discurso que nos diz que há uma única maneira de sair dela. O Estado pratica então uma forma requintada de “deslocalização”. Da mesma maneira que as empresas se deslocalizam e vão instalar-se no estrangeiro, assim o Estado expatria os seus centros de decisão para o estrangeiro. O que é a Europa? É uma forma de deslocalização do Estado, encarnação do poder mundial anónimo da necessidade económica. A Europa apresenta-se simplesmente como o império da necessidade económica… como a instância que dá ordens para fazer o que é preciso, no sentido da adaptação a ela. De tal modo que o Estado quase podia desaparecer. A crise é um modo de gestão, de despolitização radical.

17 dezembro 2010

 

Sentença do TEDH sobre o aborto na Irlanda: uma fenda na muralha

Tirando Andorra, Malta e São Marino (que criminalizam o aborto em qualquer caso), é a Irlanda o país mais restritivo em matéria de IVG, apenas a autorizando em caso de perigo de morte para a mãe. Mas, mesmo nessa situação, a IVG não está garantida.
É o que resulta da sentença A, B e C c/ Irlanda, publicada ontem, que condenou a Irlanda por violação do art. 8º da CEDH.
Traduzo a parte final:

"O Tribunal observa que a terceira requerente sofria de uma forma rara de cancro e que pensava que a gravidez podia favorecer uma recidiva. No entender deste Tribunal, a possibilidade para a interessada de confirmar esse risco para a vida envolvia manifestamente valores fundamentais e aspectos essenciais do seu direito ao respeito pela vida privada.
Este Tribunal conclui que a única via não jurisdicional invocada pelo Governo, a saber, o processo ordinário de consulta médica enre a mulher e o médico, está desprovida de garantias. Tendo em conta o grau de incerteza que rodeia este procedimento, este Tribunal considera evidente que as disposições da lei penal de 1861 constituem um forte elemento dissuasor, tanto para as mulheres como para os médicos, visto que incorrem numa condenação penal severa e numa pena de prisão, no caso de a decisão inicial de proceder a um aborto com fundamento no risco para a vida da mãe ser ulteriormente julgada contrária à Constituição irlandesa.
Da mesma forma, este Tribunal considera que os procedimentos judiciais que a terceira requerente teria podido exercer (em particular o recurso constitucional) não eram suficientes. Para este Tribunal, os tribunais constitucionais não constituem o melhor enquadramento para determinar se uma mulher preenche as condições para abortar legalmente. Assim como não seria razoável exigir de uma mulher que desencadeie um recurso constitucional tão complicado, quando ela pretende apenas fazer valer, à luz da Constituição, um direito incontestável a submeter-se a um aborto em caso de risco sério para a sua vida. De qualquer forma, não se vê bem como poderiam os tribunais executar uma ordem impondo a um médico para interromper a gravidez, tendo em conta a falta de informações fiáveis fornecidas pelo Governo relativamente aos abortos praticados na Irlanda actualmente.
Em consequência, este Tribunal considera que nem o procedimento de consulta médica nem os recursos judiciais invocados pelo Governo constituíam procedimentos eficazes, acessíveis e adequados para permitir à terceira requerente que fosse reconhecida a existência, no caso, do direito a abortar na Irlanda. Aliás, o Governo não justificou a ausência de uma lei que regulasse o direito consitucional a abortar legalmente na Irlanda. Daí a violação do art. 8º da CEDH [direito ao respeito pela vida privada e familiar]."

Ao que parece a ministra da Saúde mostrou alguma abertura para mudar a lei. Mas sem pressa. Afinal, a Irlanda tem outros problemas...

 

Voos da CIA: mais telegramas de um embaixador competente

Realmente o mais prudente é o silêncio. Os telegramas sobre os voos da CIA vão pingando. Já estão garantidos (e "confessados") os voos de Guantánamo (a solicitação dos mesmos, pelo menos). E os voos para Guantánamo? Aguardemos os próximos telegramas. A fonte ainda não estancou...
Mas a última revelação mais interessante foi a de que, em Setembro de 2007, o embaixador americano já sabia que o inquérito criminal que corria termos desde Fevereiro desse ano (e só seria arquivado em Junho de 2009) não continha "informação útil ou incriminatória".
Como soube? Parece que através de "fontes governamentais" e de "juristas".
E estas "fontes" como souberam?
Enfim, como dizia há tempos um destacado opinador da TV, o que todas estas comunicações diplomáticas têm afinal revelado é que os embaixadores americanos são muito "competentes".

15 dezembro 2010

 

O princípio da legalidade

«El primer ministro portugués dio luz verde a la "repatriación de combatientes enemigos" desde la cárcel de Guantánamo a través de la base aérea de Lajes, bajo el criterio de caso por caso. La decisión nunca se hizo pública


ID: 121418
Date: 2007-09-07 16:09:00
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Source: Embassy Lisbon
Classification: SECRET
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Destination: VZCZCXYZ0000
PP RUEHWEB

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ZNY SSSSS ZZH
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TO RHEHNSC/NSC WASHDC PRIORITY
RUEHC/SECSTATE WASHDC PRIORITY 6222
RHEHAAA/WHITE HOUSE WASHDC PRIORITY

S E C R E T LISBON 002307

14 dezembro 2010

 

Não há dinheiro nem para uma bica

Há empresas que, antecipando a distribuição de dividendos, arrecadaram milhões que deviam ir para o fisco. Os partidos do bloco central, mais o CDS, apadrinharam esta manobra. Entretanto, prepara-se mais uma "flexibilização" da legislação laboral, destinada, entre outras coisas, a faciliar os despedimentos de trabalhadores e a facilitar a vida das empresas. Por outro lado, o prometido aumento do salário mínimo parece que vai ficar em banho-maria por vários anos, segundo as pretensões dos empresários da CIP, os quais não terão, na versão de Manuel António Pina, dinheiro nem para pagar uma bica aos trabalhadores.
Eis o texto de Manuel António Pina, publicado hoje no JN:


Uma moedinha para a CIP
A "crise" tem constituído para os patrões portugueses uma verdadeira, como por esses lados se diz, "janela de oportunidades". Para investirem e inovarem?, para racionalizarem processos produtivos?, para diversificarem?, para descobrirem novos mercados? Não. A crise tem servido aos patrões portugueses de pretexto para despedimentos em massa e, à portuguesa maneira que é a sua, para a pedinchice lamurienta à porta do Estado enquanto clamam ruidosamente por "menos Estado".
Que despedir é difícil, que fica caro, que pagam muitos impostos, que os custos do crédito e da energia são incomportáveis, & etc.; e que, assim, precisam de mais apoios, de mais subsídios, de mais isenções, de mais bonificações, e de mais todas as formas de ir ao bolso dos contribuintes em que o seu mendicante espírito de iniciativa sempre se revelou, nisso sim, extraordinariamente produtivo.
Agora a crise é também pretexto para não cumprirem o que haviam acordado na Concertação Social, o aumento do Salário Mínimo Nacional de 475 para 500 euros em Janeiro de 2011. Diz (melhor, choraminga) o presidente da CIP que as empresas não têm "condições" para pagar um aumento de 25 euros, isto é, de 82 cêntimos por dia.
Se o patronato da CIP não tem "condições" para suportar o custo de algo como uma bica por dia, estamos falados não só quanto a miserabilismo mas também quanto ao que o país pode esperar da indústria portuguesa.
Manuel António Pina

 

O day after da Wikileaks

Num debate organizado hoje em Madrid, vários jornalistas debateram algumas das pertinentes questões que o processo Wikileaks traz à sociedade de informação.
Entre uma nova forma de comunicar até à afirmação do principio da transparência na governação, provavelmente muito vai ter que mudar para muitos sectores e actores sociais. Reactiva e tardiamente (concerteza!!!) muitos estilhaços irão atingir o sistema de justiça.Nomeadamente no modo como se irá «tratar» a liberdade de informação.
Como dizia um dos intervenientes no debate de Madrid, «Wikileaks es la bomba que lo cambia todo».

 

Desistência

A desistência da candidata indigitada para o lugar vago do TC revela inteligência, dignidade e honestidade.
Seria efectivamente negativo para o TC e para a própria uma designação afectada por uma "dúvida originária".
As minhas homenagens à candidata desistente pela atitude que a dignifica.

 

"Decisão difícil"

E apareceu de facto novo telegrama no Wikileaks sobre os voos da CIA. A embaixada dos EUA, embora falando apenas em "voos de repatriamento" (os tais voos meritórios), caracteriza a autorização do Governo português como "decisão difícil que nunca foi tornada pública".
Porquê "difícil" se se destinava a ajudar a encerrar Guantánamo? Porquê tanto secretismo de uma decisão "meritória"?
Explicações para este mistério não há!
E, cuidado, podem aparecer novos telegramas...

 

Sexo de surpresa

Afinal não é bem de violação que as suecas acusam Julian Assange, mas sim de "sexo de surpresa", o que não se sabe bem o que é (mas que em princípio até nem deveria ser mau).
Entretanto, ele foi hoje colocado em liberdade provisória sob caução, enquanto o mandado de detenção europeu emitido pela Suécia não é decidido em Inglaterra. A audiência ficou marcada para 11 de Janeiro.
Se este MDE andar tão depressa como o de Vale Azevedo, Assange não tem que se preocupar.

13 dezembro 2010

 

As duas ficções


«Os movimentos de protesto que este ano foram desencadeados na Europa contra as políticas de austeridade – na Grécia e em França, mas também, em menor grau, na Irlanda, na Itália e em Espanha – deram lugar a duas ficções. A primeira forjada pelo poder e pela comunicação social, assenta numa despolitização da crise: as medidas de restrição orçamental adoptadas pelos governos são apresentadas não como uma escolha política, mas como uma resposta técnica a imperativos financeiros. A moral é que, se queremos que a economia estabilize, temos de apertar o cinto. A outra história, a dos grevistas e manifestantes, postula que as medidas de austeridade constituem apenas uma ferramenta nas mãos do capital para desmantelar os últimos vestígios do Estado-providência.
(…)
Cada uma destas perspectivas contém alguns elementos de verdade, mas tanto uma como a outra estão fundamentalmente erradas. A estratégia de defesa dos dirigentes europeus não tem evidentemente em conta o facto de que o enorme défice dos orçamentos públicos resulta em grande parte das dezenas de milhares de milhões engolidos pelo salvamento dos bancos e que o crédito concedido a Atenas servirá em primeiro lugar para pagar a sua dívida aos bancos franceses e alemães. A ajuda europeia à Grécia não tem outra função senão a de socorrer o sector bancário privado. Do outro lado, o argumentário dos descontentes expõe de novo a indigência da esquerda contemporânea: não contém qualquer orientação programática, mas apenas uma recusa de princípio em ver desaparecer as conquistas sociais. A utopia do movimento social já não consiste em mudar o sistema, mas em convencer-se de que este pode acomodar-se à manutenção do Estado-providência.»
Slavoj Zizek, “Para sair da armadilha”, Le Monde Diplomatique, Novembro de 2010.

 

Que Europa?

A "flexibilização" da legislação laboral aí está na ordem do dia, depois da “recomendação” de Bruxelas. Já se sabe o que significa tal "flexibilização": a intensificação da precarização laboral em prol dos detentores do capital. Não sei é como é que isto redunda em maior benefício para os trabalhadores, como parecem preconizar alguns pregadores, nem como se concilia com a Europa social. Mas que Europa social? Que Europa é que temos, afinal, pela frente, com líderes tão asnáticos e retrógrados a comandar os seus destinos?

 

Leaks no Supreme Court há 39 anos…


Talvez seja interessante analisar a discussão neste famoso acórdão do Supreme Court, num tempo em que o número de documentos que mereciam a chancela de Top Secret era incomensuravelmente inferior ao dos nossos dias.

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12 dezembro 2010

 

As dúvidas na designação da candidata proposta para o TC

As dúvidas suscitadas quanto à possibilidade de nova designação para o Tribunal Constitucional de um anterior membro desse Tribunal têm razão de ser.
Na verdade, com a revisão constitucional de 1989, o mandato dos juízes do TC foi ampliado para 9 anos, sem possibilidade de renovação.
Este termo "renovação" é ambíguo, pois geralmente é usado para designar a ocupação imediatamente sucessiva do cargo, após o termo do mandato. Assim acontece com o PR, que só pode ser obter uma renovação do mandato, mas pode, mais tarde, após o decurso de um mandato, candidatar-se de novo. Foi o que fez Mário Soares.
Contudo, no caso do TC pode argumentar-se que a razão de ser da proibição da renovação é diferente da do PR e de outros cargos políticos. Não se trata já de prevenir perigos caudilhistas, de perpetuação populista no poder dos mesmos titulares, mas sim de assegurar a independência dos juízes relativamente ao órgão que os nomeia (a AR) e cuja actividade o TC fiscaliza. Foi por isso que o mandato foi alargado para 9 anos, sem renovação. Não é preciso explicar mais.
Mas, havendo "interrupção", não sendo a "re-designação" imediata, mas intervalada de alguns anos, "quid juris"?
Sendo o interesse a proteger o da independência do tribunal, é defensável que a possibilidade de nova designação fique definitivamente prejudicada. É defensável e prudente, a bem da "credibilidade objectiva" do TC.
Mas a questão não é perfeitamente líquida. Será que o próprio TC será chamado a avaliar a designação, caso venha a ocorrer, como tudo indica?

 

Os estudantes ingleses ao ataque

Em vez de estudarem, pagarem as propinas e respeitarem as decisões legítimas de quem governa, os estudantes ingleses (ingleses!) revoltaram-se, pintaram a manta pelas ruas de Londres e chegaram até a "atacar" o carro onde seguia pacificamente o príncipe Carlos, o eterno herdeiro do trono, com a sua inseparável Camila, que felizmente sobreviveram ao atentado.
Não andará por ali a mãozinha islâmica?

 

O objectivo legítimo de manter o império

Os nossos jornalistas "responsáveis" são realmente um colosso. Perante a avalanche dos documentos revelados pelo WikiLeaks, indesmentíveis e indesmentidos, que fazem eles? Jornalismo? Não!
Envergando o uniforme completo dos EUA, e depois de pôr em causa as "motivações" de Julian Assange (como se isso tivesse algum interesse para avaliar o teor dos documentos), proclama-se: "O que consta dos telegramas é o que já se sabia sobre a política externa americana. O seu conteúdo revela que a administração prossegue o seu objectivo legítimo de manter a liderança americana de uma forma equilibrada, pensando no interesse americano numa perspectiva global. E que os seus métodos são basicamente decentes." (Teresa de Sousa, "Público" de 8.12.2010)
Realçam-se algumas ideias fundamentais:
a) Todas as pulhices (para não dizer mais) reveladas pelos documentos já eram sabidas;
b) As mesmas pulhices são "decentes", embora só "basicamente", porque
c) O objectivo de "prosseguir a liderança" é legítimo;
d) Receita: pensar o "interesse americano numa perspectiva global".
Simples. Uma talvez rara, pelo poder de síntese, apologia da ideologia imperial americana.

 

A sentença do TEDH sobre o caso "Público vs. Sporting"

Como foi há dias noticiado, o TEDH condenou o Estado Português por violação do direito à liberdade de expressão (art. 10º da CEDH), em virtude da conhecida condenação proferida pelo STJ em Setembro de 2006 contra o "Público", pela notícia que afirmava ter o Sporting uma dívida para com o Fisco.
Vale a pena conhecer os fundamentos da decisão do TEDH, que aqui transcrevo, traduzindo do original francês:

"47. Debruçando-se sobre as circunstâncias do caso, o Tribunal sublinha primeiro que o artigo em causa tinha um interesse geral manifesto. Com efeito, o eventual desrespeito pelas obrigações fiscais por certos contribuintes - sobretudo quando se trata, como é o caso, de associações de utilidade pública - é um assunto de interesse geral para a colectividade, sobre o qual a imprensa deve poder informar.
48. Na medida em que os "deveres e responsabilidades" da primeira requrente, como proprietária do jornal, e dos outros requerentes, como jornalistas, estavam em causa, o Tribunal deve examinar se os interessados agiram de boa fé e de maneira a fornerecer informações exactas e dignas de crédito, com respeito pela deontologia jornalística. A extensão destes "deveres e respopnsabilidades" depende da situação litigiosa e do processo técnico utlizado. Quando os segredos oficiais, como o segredo fiscal, criam um obstáculo ao acesso à informação, a revelação de uma informação sobre questões de interesse geral não poderá ser em si entendida como suspeita de eventual má fé do jornalista e de infracção aos "deveres e respponsabilidades", de que fala o art. 10º, nº 2.
49. O Tribunal sublinha que o Governo, apoiando-se nas considerações do STJ, considera que não foi esse o caso; em seu entender, os requerentes deveriam, face ao desmentido dos representantes do clube e à recusa da administração fiscal em confirmar a informação, ter-se abstido de publicar o artigo.
50. O Tribunal não se convence com estes argumentos. O Tribunal considera com efeito que aceitar que um jornalista, confrontado com uma situação como a que se apresentava aos requerentes, renuncie à publicação da informação unicamente por causa do desmentido da pessoa física ou moral visada e do silência da administração, mesmo quando ele se encontra na posse de um documento digno de fé para apoiar a informação, levaria a uma limitação substancial, mesmo absoluta, dos direitos dos jornalistas de transmitir informações.
51. A este propósito, o Tribunal nota que ressalta dos factos provados que um dos requerentes tinha tido acesso a um documento do Ministério das Finanças segundo o qual o Sporting tinha dívidas para com o Tesouro Público, e que esta informação tinha sido confirmada por uma fonte, que o jornalisdta, no uso de um direito garantido pelo art. 10º, não revelou. Convém, neste ponto, notar que os tribunais nacionais não imputaram aos requerentes o recurso a armadilhas ou a ameaças para obterem o dito documento.
52. O Tribunal observa de seguida que, sempre sob o ângulo dos "deveres e responsabilidades" pesando sobre os requerentes, que estes recolheram, antes de publicar o artigo, a posição dos representantes do clube em causa assim como da administração fiscal, e que deram conta, no dia seguinte, do desmentido formal do Sporting à notícia.
53. O Tribunal conclui que os requerentes tinham uma base factual suficiente para justificar a publicação do artigo e que nada aponta para que tivessem infringido os seus "deveres e responsabilidades", no sentido do art. 10º, nº 2 da CEDH, ou que não tivessem agido com respeito pela deontologia jornalística."

Estas são as passagens decisivas da fundamentação. A ler com atenção.

11 dezembro 2010

 

O violador

Julian Assange não pode ser um homem normal. Um indivíduo que faz o que ele fez, divulgando no seu “site” uma caterva de documentos ditos secretos, dos muitos milhares a que teve acesso, do Pentágono e do Departamento de Estado norteamericano, provocando uma onda sísmica nas relações diplomáticas de vários Estados, com epicentro na diplomacia dos Estados Unidos da América, tem que ser, fatalmente, portador de uma anomalia qualquer, de um desvio, de uma tara. Rapidamente se confirmou a sua anormalidade: o homem é, afinal, um criminoso sexual, um violador. Tinha à perna um mandado de captura internacional emitido por um país conspícuo: a Suécia. Está acusado de ter coagido sexualmente uma mulher e violado outra. O homem é um criminoso violento. Autor de crimes que, segundo os padrões vigentes, o desclassificam em alto grau.
Parece que uma procuradora não viu motivo para proceder criminalmente contra ele, mas outra entendeu o contrário, perante uma factualidade dúbia. O que se segue é que o violador entregou-se calmamente à polícia inglesa e, mesmo assim, ficou preso, contra as expectativas do seu advogado. Agora, vai ser entregue à Suécia para ser julgado pelos seus crimes. De violador de documentos secretos, passou a ser um violador de mulheres, e essa circunstância é que sobredetermina tudo o mais. Como se a suja escorrência que promana de muitos documentos que foram revelados ficasse miraculosamente submersa pela hediondez de crimes sexuais. Lembram-se do caso ainda recente de Roman Polanski, o famoso cineasta que foi para a cama com uma donzela de 12 anos em circunstâncias muito nebulosas e que levou as autoridades norte-americanas a pedirem a sua extradição, trinta anos depois da prática do alegado crime?

08 dezembro 2010

 

A guerra das favelas

Tenho muitas dúvidas de que as favelas tenham sido "libertadas" dos traficantes de drogas. Aliás já saíram notícias preocupantes sobre cumplicidades e desvios de dinheiro e drogas por parte da polícia. A guerra urabana pode ser muito televisiva, e politicamente rentável, mas não me parece que seja favorável para a população dos bairros estigmatizados.
Espero não ver em Portugal os "blindados da PSP" (se é que já chegaram...) invadir os "bairros problemáticos" e lançarem operações de grande dimensão mediática... para proveito dos serviços noticiosos...
As drogas não se combatem com guerras. O exemplo do Rio de Janeiro e o do México são a ilustração do fracasso das cruzadas.

 

Mera sondagem diplomática

O MNE Amado foi muito claro na AR: confirmou o telegrama da embaixada dos EUA apenas porque foi revelado pelo WikiLeaks; se não, continuaria dizendo que era tudo mentira. Isto é diplomacia. A ética não é chamada na matéria. Maquiavel explicou isso num livrinho publicado há quase 500 anos.
Mas afinal o telegrama era apenas uma "sondagem" da embaixada ao governo português, para saber se este autorizaria os célebres voos de prisioneiros de Guantánamo. E mais: seriam "voos de repatriamento", ou seja, para reenviar os prisioneiros para os respectivos lares, logo, voos meritórios...
Mas afinal não houve nenhuns voos (disse ele)... E quem disser o contrário é mentiroso!
Mentiroso, sob a condição resolutiva de aparecerem outros telegramas no WikiLeaks...

 

O jornalismo de "responsabilidade"

Como é confrangedor, patético, deprimente, etc., ver alguns jornalistas e comentadores "independentes" lamentarem aa revelações de WikiLeaks, em nome da "responsabilidade", em nome de interesses "superiores".
Mas afinal qual é o código ético dos jornalistas? De que lado eles estão? Que podem esperar os leitores de jornalistas assim? Não são de "interesse público" os documentos revelados? Já não interessa a "transparência"?
É claro que a transparência não é um valor absoluto. E que o "interesse público" não é o único valor determinante da liberdade de informação. Que esta pode conflituar com outros direitos constitucionais e que, em caso de conflito, há que solucioná-lo através do critério da concordância prática.
Mas só agora é que tais indivíduos foram assaltados por estas preocupações... Que talvez se revelem passageiras, quando deixarem de ser os interesses da "América" a ser postos em causa...

 

Assange para Guantánamo, já!

Já não é a Al-Qaida o maior inimigo da "América". É Julian Assange o novo inimigo mortal, não só da dita "América", como da própria democracia, pois "América" e democracia são a mesma coisa (e tudo o que a "América" faz é para bem da democracia, ainda que não seja democrático).
Estavam a ser estudadas "medidas" para deitar a mão ao terrorista, quando caiu do céu, via Suécia, a solução ideal. É que Assange, além de terrorista, é um violador de suecas (só em Agosto foram duas). A Suécia, com o seu governo politicamente conservador e virtuoso em matéria de sexualidade, apressou-se a pedir a captura e a extradição do violador, que foi encontrado em Inglaterra...
Tudo a correr sobre rodas... Não é sorte poder degradar um inimigo político em delinquente comum, e sobretudo em criminoso sexual?
Consta que em Guantánamo já estão preparando a cela para o novo "combatente inimigo". E a CIA já está estudando as perguntinhas a fazer-lhe.

06 dezembro 2010

 

Conjunturalidade e excepção nas reduções salariais

A questão da possível inconstitucionalidade da Lei do orçamento que impôs reduções salariais aos trabalhadores do sector público (já debatida no Acordão do TC n.º 41/2002) deveria ter sido ponderada pelo legislador. Sobretudo se o legislador pretendeu ver justificada essa conformação constitucional numa razão de emergência, que é sempre conjuntural (nas democracias não há estados de emergência permanentes) e atingir todos os destinatários do sector público. Nesta matéria, a uma «injustiça constitucional» deve responder-se, por isso, com medidas temporária e sem excepções.
Inequívocamente.

05 dezembro 2010

 

A raiva perante as injustiças

«À impossibilidade de permanecer calado sob certo assunto é algo que pode ser declarado a propósito de muitos casos de injustiça manifesta,quando esta nos move até ao ponto de nos incitar a um tipo de raiva que a nossa linguagem tem dificuldade em rectratar, pois é aquele tipo de raiva que não se deixa aprisionar pelas palavras». Amartya Sen, na recentissima edição portuguesa de «A ideia de Justiça», Almedina, 20~10.
Neste país, o «ponto de incitamento à raiva» já esteve muito mais longe.

 

A crise e o interesse nacional

O PS, o PSD e o CDS, o primeiro depois de recalcadas veleidades de desvio por parte de alguns deputados, sob ameaça de demissão do presidente da bancada, lá livraram certas empresas públicas de pagarem ao fisco somas muito significativas de impostos, a incidirem sobre os milhões de dividendos que foram antecipadamente distribuídos pelos accionistas para se furtarem exactamente a pagar aqueles impostos, caso tivessem sido distribuídos, como seria normal, para o ano que vem. A manobra, que, para além de configurar uma habilidade manhosa, que vem enriquecer a tendência nacional para o «xico-espertismo», revela uma insensibilidade grosseira em relação à situação de crise que o país atravessa e às classes sociais a quem ela mais afecta, foi assim homologada por aqueles partidos como acto legalíssimo e até de «boa gestão financeira», nas palavras de um deputado que usou da palavra no calor da discussão. Nos grandes momentos, revelam-se as alianças necessárias à defesa dos grandes interesses nacionais que importa salvar.
Entretanto, para o ano que vem, a coisa vai tornar-se mais feia e o comissário europeu para os assuntos económicos foi apontando o caminho a seguir: cortes na saúde, facilitação dos despedimentos, acabando-se com a «justa causa», e encurtamento significativo das indemnizações a pagar pelos que forem despedidos. Claro que estas medidas vão ser, certamente, distribuídas igualitariamente por todos os que devem contribuir para ultrapassar a crise e encontrarão no parlamento as alianças necessárias para as implementar, em nome do interesse nacional.

01 dezembro 2010

 

Amado acariciado pela embaixada dos EUA

Confirmou-se agora, pelas revelações WikiLeaks, que os EUA pediram autorização para passagem no nosso território de prisioneiros de Guantánamo. Isso na realidade já se sabia, apenas se confirmou por "confissão integral e sem reservas" dos autores do pedido.
O que não se sabia é que, perante as insistêndias de alguns partidos da oposição na investigação do caso, o inestimável Amado, nosso MNE, foi sendo "acariciado" pela embaixada americana. Não foi revelado porém o teor das "carícias". Esperam-se novas revelações mais específicas.

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