19 novembro 2010

 

PARA SEMPRE


O ministro das Finanças, questionado sobre o assunto, veio agora afirmar que os cortes salariais da função pública são para sempre. Assim mesmo: PARA SEMPRE! “Os cortes”, disse ele, “definem um novo nível salarial e iremos evoluir a partir daí.” Todos os dias deparamos com afirmações novas e surpreendentes de quem tem a responsabilidade governativa. Novas e frequentemente contraditórias. O que se diz hoje é amanhã desmentido com a maior sem cerimónia. Amanhã? Se calhar logo no minuto seguinte, como já tem acontecido. Os próprios governantes transmitem uma imagem de insegurança, de barco à deriva, sem rumo definido. Não há só uma crise económica, social e política. Há também uma enorme crise de valores, cuja marca dominante é a sua extrema volatilidade. Há uma enorme crise de confiança. Actualmente, não se pode confiar em nada, nem em ninguém. É isso que toda a gente sente e é por isso que toda a gente procura precaver-se agora das incertezas do dia seguinte.
Todos os valores que se foram laboriosamente forjando ao longo destes anos à sombra da Constituição da República estão a ser rapidamente destruídos. O princípio da confiança no Estado de direito democrático; o princípio da proibição do retrocesso; o princípio da não retroactividade da lei fiscal; o princípio da igualdade; o principio da proporcionalidade; os famosos direitos adquiridos. Todos esses valores, que se tinham por firmes, estão a ser espezinhados, como se pertencessem já a um passado morto. É o dobre a finados da Constituição.
Nesta vaga destruidora, é a própria jurisprudência do Tribunal Constitucional que vai por água abaixo. Se quiser adaptar-se a esta onda avassaladora, o Tribunal Constitucional terá de criar uma nova jurisprudência, em muitos casos ao contrário da que foi elaborando ao longo destas últimas décadas. É também o princípio da confiança nos tribunais que assim se esboroa. Tudo volta atrás, a uma espécie de grau zero. É o mito de Sísifo despido da sua veste mitológica para encarnar na realidade portuguesa. O nosso destino é escalar a montanha, para depois retroceder em velocidade acelerada, sem respeito por tudo aquilo que se foi adquirindo, escarnecendo das expectativas legítimas que se foram criando. Descer de nível até ao grau zero e “evoluir a partir daí”. Para sempre, diz o nosso ministro das Finanças. Mas o que é para sempre? O que significa “para sempre” num homem cuja função apela ao rigor? Se fosse para sempre, então não havia mais evolução e o que o ministro afirma é contraditório nos seus próprios termos. Ou seja, a confusão parece ser tão grande, que já não é só o contradizer-se de uma dia para o outro, ou o contradizer-se no minuto seguinte, mas o contradizer-se no próprio momento em que se fala. Afirma-se e nega-se uma coisa na mesma proposição.
Para sempre! Como é que um ministro diz “isto é para sempre”? Tenciona ficar no governo por tempo indefinido? O que ele determina prevalece para além dele mesmo, pelos tempos fora? E onde está a democracia? Também é um valor que já não vale nada? E o que dirá o ainda existente Tribunal Constitucional de uma medida restritiva de direitos fundamentais que passa a valer “para sempre”?





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