30 setembro 2010

 

Mais do mesmo e para os mesmos

O meu patriotismo austero-orçamental está esgotado. Deixa-me insensível o apelo patriótico a mais um apertar dos cintos (já com tantos furos). São PEC's sobre PEC's, numa espiral sem fim. E aquele bando de corvos e corujas dos ex-ministros da Finanças a dizer que é pouco, que é preciso mais, sempre mais...
Mas é claro que pouco tenho a fazer. A mim, cortam-me na fonte, sou patriota à força!

25 setembro 2010

 

Ataque ao Conforto


Foram-se as férias num verão ardente, regressaram as aulas e o(s) trabalho(s), as idas e vindas, num vaivém de cá para lá, de lá para cá. Volto a ser consumidor do “Alfa”, semanalmente, ou o “Alfa” volta a consumir-me todas as semanas. Explico: estas viagens podiam ser proveitosas, se houvesse paz para isso. Abro livros para devassar as suas páginas, a intimidade que eles escondem; folheio documentos para os apreender e estudar. Tarefa árdua.
A cada instante, há vozes alheias que assaltam o lugar onde me sento. Vozes vindas de todos os lados, hostis, penetrantes, que irritam, que ferem, que desarrumam toda a tentativa de ordem. Uma voz atrás de mim que ataca de surpresa, descarregando sobre as minhas costas sons ásperos; logo outra, ao lado, que se infiltra de fininho, anavalhando de través, voz de donzela faladora; e outra que salta de um lugar obscuro, como um obus que proviesse de um esconderijo, incitando a identificar o sítio de onde ela, invisível, se expande; depois outra que metralha palavras em série, rajadas cortantes, separadas por pequenos intervalos (é a voz de um tipo emproado, um jovem “yuppie”, um banco atrás do meu, do outro lado); e mais outra, esta de um sujeitinho à frente, de que só diviso um farrusco de barba, atroando descompassadamente, em convulsão, como se estivesse perdido na selva.
Tudo vai bater ali, no meu assento, como se a carruagem fosse uma batalha campal, onde, além das vozes em refrega, soam campainhas, batuques, cornetas e cornetins, numa panóplia musical que é uma espécie de signo tradutor dos caracteres de cada um dos falantes. E é cada um!
Falo, claro, dos telemóveis, essa invenção tecnológica que infestou o mundo de tagarelice. Este é um tema que tenho tratado por várias vezes, até quando escrevia crónicas para o jornal. E não se diga que não é um tema muito sério, até mesmo de saúde pública. Dá a impressão que anda tudo maluco. Perdeu-se por completo a noção das fronteiras, das conveniências, do respeito por nós e pelos outros. Como se, na ausência de qualquer juízo crítico e de qualquer resquício de bom senso, fosse necessário mandar de novo a maior parte das pessoas para a escola, para aprenderem regras básicas de civismo e de comportamento social. Ou, então, para qualquer estabelecimento de saúde mental onde pudessem ser tratadas.
Numa das crónicas que escrevi sobre o tema, há uns anos atrás, relatei o episódio de um professor universitário que desatou a telefonar desaforadamente para uma sua namorada e também, pelos vistos, discípula. O homem falava tão alto e tão desbragadamente sobre sexo, com uma linguagem tão “libertina”, que todas as pessoas começaram a ver de onde procedia o desaforo. E, como ele estava enterrado no assento à minha frente, sem casaco, sem sapatos (era um dia quente de Verão), todo estirado, e ninguém o via, a minha mulher, que ia ao meu lado, disse-me para eu me levantar, porque as pessoas certamente pensariam que o autor de tão insolente “rêverie” era eu. Bem, o episódio lúbrico terminou ao fim de algum tempo. Mas, durante o trajecto até à “cidade dos doutores”, o homenzinho não cessou de fazer telefonemas em tom altissonante, quase sempre para a tal namorada, e de uma dessas vezes, até deixou perceber que lhe andava a fazer um trabalho para ela apresentar não sei onde. Interroguei-me sobre o motivo que levaria uma pessoa destas (uma “figura pública”) a comportar-se deste modo: se era provocação; se era desvario ou se era alheamento patológico do ambiente em que se encontrava. Não encontrei resposta, mas o que é certo é que esse cavalheiro, para mim, passou a valer zero.
É como, agora, este “yuppie” que metralha sem cessar, embora sem o estilo baixo-doutoral do outro. Tem o aparelho pousado sobre a mesinha do assento e está constantemente a inspeccioná-lo. Fala de negócios, salvo erro, e eu não consigo fixar a minha atenção nas coisas que me interessam. Tento esforçadamente, mas debalde. Um dia destes vou abandonar a classe “Conforto” e vou para a outra – a “Turística”. Talvez lá não haja tanta gente destravada de língua, tão ciosa de exibir os seus negócios, a sua relevância social, académica e profissional, o seu lustroso mundo de relações, a sua intimidade apalhaçada. Talvez lá, enfim, possa encontrar um espaço civilizado e mais saudável. Ou, então, serei eu como aquela personagem de um conto de Luísa Costa Gomes, de quem o narrador diz: «Não lhe ocorre que o mundo é um lugar impossível».

16 setembro 2010

 

A Europa, as minorias e o Direito

A sistemática imputação de responsabilidades a minorias étnicas, religiosas ou sociais pelos problemas nacionais em vários países europeus, de que a França é apenas o último e infeliz exemplo, traz ínsito um mau presságio.
A história não é apenas um repositório de factos. Tony Judt, numa obra fantástica (Pós Guerra, Edições 70, Lisboa, 2006, p. 60), questiona, a propósito do que se passou nos anos 40: «Se o poder existente se comportou com brutalidade e à margem da lei em relação ao seu próximo – porque era judeu, ou membro de elite instruída, ou de uma minoria étnica, ou tinha sido mal visto pelo regime, ou por nenhuma razão óbvia – então porque razão deveria alguém mostrar mais respeito por ele?».
É por isso fundamental afirmar o direito ( apelando aos princípios e às normas) estabelecido hoje no Tratado de Lisboa e na Carta Europeia do Direitos Fundamentais
E sobretudo exigir a sua execução por quem tem, actualmente, poder e legitimidade para tanto.

14 setembro 2010

 

O acórdão, a justiça e os comentários


Foi finalmente publicado o acórdão do processo “Casa Pia”. Teria sido preferível que a decisão estivesse disponível ao mesmo tempo que se procedeu a uma sua leitura por súmula. Os percalços por que passou a sua publicação integral hão-de servir de escarmento para situações idênticas no futuro. Porém, os comentários que se teceram a propósito oscilaram entre o catastrofista, o mal-intencionado e o soez. Tudo serviu para denegrir, deitar abaixo e descredibilizar uma instituição que parece ser objecto, no presente momento, de uma euforia derrotista, independentemente ou para além dos erros que se cometem, das debilidades que se têm revelado e dos fracassos que a desacreditam. Alguns comentários foram mesmo de “caixão à cova” e tão ridículos, que manifestaram mais a indigência mental de quem os escreveu ou proferiu, do que a real situação da justiça em Portugal. Somos um país que tanto se emociona de uma forma papalva com a mais comezinha situação, como faz um berreiro histérico com o mais pequeno deslize.

13 setembro 2010

 

Debater a justiça com os arguidos

Afinal a assídua presença de Carlos Cruz na RTP após a leitura do acórdão "Casa Pia" não ficou a dever-se a compadrios ou a cumplicidade de amigos, como alguns maldosos pensaram, mas ao sincero propósito de debater a justiça, a propósito de um caso famoso (explicou a direcção de informação).
Só que convocar um arguido para debater a sentença que o condenou é o mesmo que convidar o presidente do Benfica para analisar a arbitragem de Guimarães...

12 setembro 2010

 

Contra a corrupção, marchar, marchar (daqui a seis meses)

Já saiu o "pacote legislativo" contra a corrupção. É a Lei nº 32/2010, de 2-9, a 25ª alteração ao CP.
De destacar dois novos crimes: o de "recebimento indevido de vantagem" e o de "violação de regras urbanísicas". O primeiro é o da criminalização das "prendas" aos funcionários. Mas atenção: excluem-se as "condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes". Tudo dependerá, portanto, dos usos e costumes... Dos bons costumes, penso eu.
O outro crime pune, em resumo, os autores de obras em desconformidade com as "normas urbanísticas aplicáveis", bem como os funcionários que as autorizarem. Claramente uma norma penal em branco... Mas as intenções do legislador são boas e os princípios penais que vão para as urtigas.
A propósito deste "pacote", em que a AR se empenhou a fundo, vale a pena fazer a seguinte citação do livro "Corrupción en la España democrática" (1997) de Alejandro Nieto, professor na Universidade Complutense de Madrid: "Cuando se habla de esta lucha, lo primero en que se piensa es en el Código penal, que representa algo así como termómetro del celo estatal. En tiempos de turbulencia, cuando proliferan los escandalos, la primera reacción de los gobiernos es presentar a las Cortes un proyecto de ley en la que se amplían los tipos delictivos y se agravan las penas. Cuando el nuevo texto se publica en el Boletín Oficial del Estado parece que ya está todo —o casi todo— hecho y el poder ha salvado su imagen. La diligencia de las Cortes no acaba, sin embargo, aquí: también se constituyen en su seno comisiones parlamentarias de investigación, cuya creación y desarrollo no suelen ser pacíficos, como veremos muy pronto. A diferencia de lo que sucede en la elaboración de las reformas legales —en las que reina una concordia admirable y los partidos se emulan en expresiones de dureza—, aquí se enfrentan inevitablemente dado que las comisiones, por definición, buscan víctimas que han de pertenecer a algún partido concreto y a éste importa mucho amparar a los suyos aunque sólo sea en interés propio para evitar el desprestigio político que de otra suerte había de salpicarle." Etc., etc., etc.
Portanto, está salva a imagem do convento (de São Bento). Se a aplicação da lei não correr bem, a culpa não será certamente do santo.
De qualquer forma, não deixa de ser estranho que a lei só entre em vigor daqui a 180 dias (recorde-se que a vacatio da revisão do CP de 2007 foi de 15 dias!).
Enfim, uma última oportunidade concedida aos corruptos...

 

Os poderes da rainha de Inglaterra

Já no final do seu reinado, súbita e inesperadamente, a rainha de Inglaterra queixa-se de falta de poderes.
Há muitos súbditos que estranham esta atitude. Acham que é tarde para o fazer e que, de qualquer forma, tendo obrigação de saber os poderes que tinha, não deveria ter aceitado a coroação.
Mas ela não desiste. Reuniu os seus cortesãos em conselho para deles obter o necessário aval (embora não deixe de ser humilhante para uma rainha ter de os consultar...).
O pior é que não obteve o esperado apoio. Nesta primeira ronda (ela vai insistir) eles mostraram-se renitentes e não deixaram mesmo de lhe dar alguns "recados" (ao que nós chegámos...).
Vamos esperar pela segunda ronda, que promete...

09 setembro 2010

 

Um depósito com atraso perturbador

A leitura da decisão do processo "Casa Pia" no passado dia 3, mau grado as "dúvidas" suscitadas por um advogado aquando da sua leitura, produziu os efeitos associados à prolação de uma qualquer sentença da 1ª instância: um remate, ainda que provisório, do processo, com o consequente restabelecimento, ainda que precário, da "paz jurídica" perturbada, particularmente perturbada, no caso, pela gravidade das infracções e também pela dilação do julgamento. As vítimas naturalmente reagiram bem, os arguidos mal, mas nem poderia ser de outra maneira, o acórdão não iria nunca contentar todos.
Uma coisa era certa: havia já uma (primeira) decisão, o processo avançava necessariamente para nova fase.
Este efeito terminante, imperativo, peremptório, da decisão tem vindo, porém, a diluir-se. A decisão foi lida, mas não depositada "logo após", como impõe o art. 372º, nº 5 do CPP. O depósito foi adiado para uns dias depois, mais tarde para um dia depois, depois mais um dia... até ver...
O que dá azo evidentemente a toda a espécie de especulações por parte dos que querem sobretudo jogar fora do processo...
Este dificilmente explicável atraso no depósito prejudicou inquestionavelmente não propriamente o teor da decisão, mas o seu efeito socialmente pacificador.
Fica ao menos a lição para o futuro.

08 setembro 2010

 

A inadmíssivel expulsão de ciganos em França

A opinião de um grande jornal europeu (editorial do el pais de hoje)sobre um assunto que não pode passar impune numa Europa dos cidadãos (ou será que é apenas retórica?:
«Si el presidente de la Comisión Europea cree que con un lacrimógeno llamamiento a "no despertar los fantasmas del pasado", como el que ayer dirigió, sin nombrarlo, al Gobierno francés desde el Parlamento Europeo a propósito de la deportación de gitanos, ha cumplido con sus obligaciones, es que Durão Barroso vive en la inopia. Su inane queja contrasta con la firmeza demostrada por su antecesor, Romano Prodi, frente al acceso del ultraderechista Haider al Gobierno austriaco. Y es tanto más de lamentar en el año de la entrada en vigor del Tratado de Lisboa, que se suponía crucial para el desarrollo de la UE y que contiene una Carta de Derechos Fundamentales plenamente constitucionalizada.

Si resulta mordaz que París señale la efemérides violando los derechos de la minoría gitana, todavía es peor que la Comisión, guardiana legal de los Tratados, reduzca esta obligación a mera retórica. La reprimenda ayer a Francia del Parlamento Europeo, con la excepción del PP y apenas un centenar de diputados en los escaños, no añade especial intensidad a la general indiferencia de las instituciones y los líderes de la UE por una situación lacerante.

La expulsión de gitanos ordenada por Nicolas Sarkozy, más de 8.000 en lo que va de año, además de atentar contra la Constitución francesa violenta media docena de artículos de la nueva Carta europea de derechos. Muy directamente el 19, por el cual "se prohíben las expulsiones colectivas"; el 22, que ordena respetar la "diversidad cultural"; y el 45, que defiende el "derecho a la libre circulación y residencia". La Carta no obliga únicamente a las instituciones comunitarias, sino también "a los Estados miembros cuando apliquen el derecho de la Unión".

La libre circulación de los gitanos no es un privilegio susceptible de otorgarse o denegarse según los caprichos de un dirigente, sino puro derecho común. El Ejecutivo comunitario viene obligado, pues, a abrir una auténtica investigación sobre la actuación francesa; y a adoptar las medidas pertinentes. El Gobierno de Francia es responsable de atentar contra su propia ley, hundir el prestigio de su historia como país paladín de las libertades y de crear falsos culpables en esta coyuntura de crisis. La Comisión de Bruselas solo es un vulgar cómplice. Sucede, sin embargo, que esta actúa no solo en nombre de los franceses, sino también de todos los europeos. En nuestro nombre.»

06 setembro 2010

 

As virtudes do sabão azul e branco

Já se sabia que o sabão azul e branco é preferível, do ponto de vista da higiene, aos sabonetes que por aí abundam. O que se ignorava completamente é que é um precioso auxiliar para os arguidos "aflitos", permitindo-lhes interromper um interrogatório judicial que está a correr para o torto. É assim: pede-se para ir à casa de banho, o que geralmente é concedido; depois pega-se no sabão azul e branco, que normalmente é o que é facultado naquelas instalações, e come-se um bom bocado. Minutos após o regresso à sala da tortura, o efeito é infalível: o arguido começa por sentir-se mal disposto, depois vomita (de preferência para cima do juiz, para melhor o convencer) e a consequência é naturalmente a interrupção do interrogatório. É garantido.
Pelo menos é garantido por um dos arguidos do "Casa Pia", que agora vem vangloriar-se da forma como enganou o juiz de instrução. Que venha publicamente gabar-se da façanha, como de um acto heróico cometido, diz bem do actual estado da nossa "consciência colectiva".

 

As regras do jogo democrático e as "trêvas"

Há manifestamente quem não queira jogar as "regras do jogo" democrático que constituem o chamado "processo equitativo", que garante a igualdade de armas entre as partes e confere ao acusado o direito a ser ouvido e a contestar todas as decisões que o afectam. Há quem prefira transferir o processo para fora do local próprio, para outros palcos em que se sentem mais abrigados, por aí não haver lugar ao contraditório. Mas o processo fora do tribunal não tem regras nem princípios. Pode degenerar na "justiça popular" ou na justiça dos mais poderosos; em qualquer caso, nunca numa justiça democrática. O palco da rua, tal como o palco mediático (a moderna "rua") não garante justiça, mas apenas ruído, geralmente o ruído do mais forte.
Isso, sim, seria o regresso às "trêvas" pré-modernas.

05 setembro 2010

 

As trevas do dr. Fernandes

"Trevas", "terror", "fascismo", "tribunais plenários"... Não, não é o Sr. Artur Albarran. São os termos usados pelo dr. Fernandes, um Sr. advogado de ar grave, para caracterizar o sistema judicial pátrio do qual, ao que parece, nem ele e nem o dr. Pinto fazem parte. Parece ainda, segundo o tal Sr. advogado de ar grave, que o acórdão é o "reflexo de um dos países mais atrasados..." Pergunto: alguém faz a fineza de explicar a este Sr. advogado de ar grave, um homem genuinamente preocupado com a Justiça e com a Democracia, que em alguns dos outros países que o mesmo terá como muito "mais avançados" do que Portugal o seu cliente porventura não sairia do tribunal com uma pena de 7 anos de prisão, mas antes com uma de 70? Que em muitos deles, um bom número deles, o dito cliente não sairia dali para uma conferência de imprensa em horário nobre, mas antes iniciaria de pronto a execução da pena e sem prejuízo de recurso? Que não é em todos os ditos países "avançados" que poderia apresentar magotes de testemunhas e outros tantos requerimentos, longos como léguas, ao longo de um julgamento? Que também em muitos dos países "avançados" que o mesmo porventura tivesse presentes no cerebelo ao proferir declarações descabeladas, não lhe seriam consentidos, sem prontas consequências disciplinares, dislates como aqueles que faz questão de nos prodigalizar de forma contumaz em prime time televisivo? Que também em alguns países civilizados, daqueles onde as pessoas se lavam, não seria possível, encontrar alguns canais de TV, como temos por cá, prontos a, reiteradamente, dar voz em horário nobre a uma pessoa condenada - por 3 juízes, na sequência de um julgamento de anos e ao que parece com superávite de garantias processuais - a 7 anos de prisão por crimes sexuais sobre menores? E, ainda, de entre o muito mais que se lhe poderia (deveria) explicar, que em alguns dos países em que a Justiça é um paraíso, nomeadamente uns que não raro são alcandorados a paradigma a copiar pelos tudólogos indígenas, o tribunal nem tem (ao menos no momento da prolação da decisão) obrigação de "dar razões" no caso de condenação? Alguém faz a fineza de explicar isso, com as letras todas, àquele Sr. advogado de ar grave?

04 setembro 2010

 

Leituras e democracia

Todos temos as nossas "leituras", "opiniões" e "juízos".
É óbvio que o direito ao recurso das sentenças penais é um valor fundamental e depende do conhecimento integral da decisão judicial da 1ª instância.
O prazo para esse recurso só se inicia com a entrega do texto da sentença escrita, e a lei permite a prorrogação nos casos de elevada complexidade como o do mediático acórdão lido esta sexta.
Sendo inequívocos estes pressupostos, tenho dificuldade em compreender o enfoque no acessório como a ênfase na necessidade de leitura integral do acórdão chegando a colocar-se como aspecto determinante da democracia.
Os direitos dos arguidos não são afectados pela leitura por súmula da fundamentação, na medida em que o acórdão só produz efeitos com a entrega do texto escrito integral (que no caso já foi produzido de acordo com o que os juízes disseram).
Por outro lado, a lei expressamente permite a solução que terá sido adoptada pelo colectivo do processo «Casa Pia», com efeito no art. 372.º, nº 3, do CPP prescreve-se:
«Regressado o tribunal à sala de audiência, a sentença é lida publicamente pelo presidente ou por outro dos juízes. A leitura do relatório pode ser omitida. A leitura da fundamentação ou, se esta for muito extensa, de uma sua súmula, bem como do dispositivo, é obrigatória, sob pena de nulidade.»
Por último, não percebo qual a vantagem (em termos de interesses públicos e privados) da leitura de mais de 1000 páginas de fundamentação...
Sendo a solução aplicada prevista no código há alguns anos será que a reacção do dr. Pedro Santana Lopes é um «mea culpa» enquanto ex-primeiro-ministro que pactuou com uma regra que nas suas palavras significa que «vivemos num regime que não é uma Democracia»?

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Finalmente

Finalmente, a decisão do processo Casa Pia. Só isso é um acontecimento. Não porque a responsabilidade do arrastamento do processo seja imputável aos juízes, que iam dissipando toda uma carreira num único caso judicial. Um processo como este, com a magnitude que tem, a complexidade da prova a produzir, o torrencial desfile de testemunhas, cujo limite foi esticado até ao máximo permitido por lei por cada um dos arguidos, sem contar com as testemunhas de acusação, os incidentes processuais de toda a ordem, tinha fatalmente de demorar muito tempo. Uma das lições a tirar é mesmo a da estratégia de futuras investigações de casos como este. Os chamados “megaprocessos” acabam por frustrar as expectativas de uma justiça em tempo razoável, se é que não põem mesmo em causa a possibilidade de se fazer justiça.
Agora vêm os recursos (inúmeros) – recursos que foram interpostos ao longo do processo, para além do recurso da decisão final. E este, envolvendo inevitavelmente a reapreciação da matéria de facto, pois os arguidos, como se vê, contestam a matéria de facto em que assentou a decisão de direito (todos eles se dizem inocentes e, portanto, não aceitam a matéria de facto assente), vai ser muito complexo e demorado, com os pobres dos desembargadores a terem que ouvir, durante um tempo incalculável, os montões de cassetes gravadas, antes de decidirem as questões relacionadas com a matéria de facto e ainda as numerosas questões de direito levantadas ao longo do processo e as que também se levantarem no recurso da decisão final, para além das questões de facto. Enfim, obra para muitos e muitos meses, com um desfecho desconhecido. Isto sem falar na possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Tribunal Constitucional. Porém, a decisão da1.ª instância é, em certo sentido, a mais importante, não sendo definitiva. Desde logo, porque o julgamento da 1.ª instância tem características únicas, irrepetíveis. Nesse sentido, compreendem-se as palavras de Catalina Pestana: “Para mim o processo ficou hoje arrumado.”

02 setembro 2010

 

Importa-se de repetir?

«A crise económica é coisa do passado. Felizmente!»

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Importa-se de repetir?

«A mentalidade do cidadão comum pode ainda nao estar ao ponto de essa medida ter mais vantagens que desvantagens

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Importa-se de repetir?

«Não considero injusto tirar partido de pessoas com um Qi de menos de 40, considero que é perigoso não desmistificar as anormalidades que debitam.».

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01 setembro 2010

 

Revisão do CPP: uma revisão revista na AR (para pior)

Saiu anteontem, dia 30 de Agosto, a anunciada revisão do CPP (Lei n° 26/2010). Anunciada aliás desde 2007, quando foi publicada a última (Lei n° 48/2007), porque logo se tornou então evidente que certas inovações eram completamente desadequadas ao combate à criminalidade mais grave.
A "sombra" do processo "Casa Pia" projectou-se incontestavelmente sobre a revisão de 2007 e deixou mal escondida uma ampla margem de desconfiança ou mesmo intenção retaliativa sobre as magistraturas, em especial a do MP.
Nem tudo foi mau, porém; nomeadamente o regime do interrogatório do arguido e o das escutas ganharam em precisão e densidade, salvaguardando adequadamente as garantias constitucionais.
No entanto, em contrapartida, outras soluções, como o segredo de justiça na sua conjugação com os prazos do inquérito, revelaram-se insustentáveis. A revisão tornou-se inevitável. Era apenas uma questão de oportunidade política, que veio com a mudança de Governo.
A Proposta do Governo (n° 12/XI) era minimalista, pretendendo apenas remediar algumas, porventura nem todas, as soluções mais chocantes.
Porém, a Lei aprovada resulta da discussão conjunta com os Projectos de Lei n°s 38/XI e 178/XI(PCP), 173/XI (CDS), 181/XI (BE), 275/XI (PSD) e apresenta multas diferenças relativamente à Proposta de Lei n° 12/XI.
Diferenças para pior, como já veremos... Vale a pena ver o relatório da discussão e votação na especialidade... Vem no DAR, II-A, de 24.7.2010.
Quanto ao segredo de justiça, "chumbou" a tentativa do Govemo de entregar a decisão sobre o segredo ao MP (n°s 2 a 5 do art. 86°, na versáo da PL n° 12/XI), o que era perfeitamente razoável, dado o estatuto institucional e processual do MP, e não violava as garantias de defesa, já que admitia apelo para o JIC.
"Chumbou" também a solução encontrada pelo Governo para minimizar os danos da abertura incondicionada dos autos, findo o prazo do inquérito (n°s 6 e 7 do art. 89° na versão da PL n° 12/XI).
Subsiste apenas, como atenuante da regra (errada) de conexionar o termo do prazo do inquérito com o fim do segredo interno, a dilatação dos prazos do inquérito e a sua suspensão no caso de envio de carta rogatória (art. 276°).
No mais, o texto da Lei não altera significativamente o da PL n° 12/XI. Mas há que referir, com apreensão, a introdução no art. 257°, n° 1 de uma al. c) que vem permitir a detenção fora de flagrante delito "se tal se mostrar imprescindível para a protecção da vítima". Espera-se que esta regra seja aplicada com o maior rigor e cuidado, para que a "detenção a pedido" da vítima, forma de vindicta privada, não venha a vulgarizar-se...
Mantenho as minhas maiores reservas quanto às alterações ao regime da prisão preventiva, que encapotadamente passa a ser admitida largamente nos crimes punidos com pena superior a 3 anos (e não 5 anos, como diz a "regra" do art. 202°, n° 1, a)), por via das alterações ao art. 202° e ao art. 1°.
Enfim, uma revisão revista na AR para pior, e que apenas atenua algumas dificuldades, sem resolver os problemas maiores.
Uma reforma, uma verdadeira reforma, estudada sem pressas, impõe-se.
Mas a AR estará interessada?

 

União, facto, direito e ironias de um postal ilustrado (e com legendas…)


O regime legal da união de facto carece de uma reflexão crítica, nomeadamente à luz de uma perspectiva liberal (em termos da relação política do Estado com o cidadão), que permita repensar o respectivo sentido, horizontes, alternativas e efeitos colaterais num contexto jurídico e social inconfundível com aquele em que a regulação de uniões de facto deu os primeiros passos no sistema normativo português.
Algo que me pareceu ausente na discussão (nos "prós" e nos "contras") e aprovação da Lei 23/2010, de 23-08.
Para essa discussão, a bloga está longe de ser o espaço adequado, mas não deixa de servir para o brilhantismo subtil da critica à opinião publicada [que] vai assobiar para o lado, num texto ilustrado com uma fotografia, devidamente legendada para os ignaros: «Na imagem, Snu Abecasis e Francisco Sá-Carneiro, então primeiro-ministro, o mais célebre casal português unido de facto».

Quem não assobia para o lado e informa o povo que O mundo mudou, decerto que enquanto conhecedor e ilustrador da lei sabe que nesta se continua a prescrever que «Impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto:
[…]
c) Casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens
».

Ou seja, o regime legal sobre as uniões de facto reguladas pelo direito português continua a não passar da soleira da porta de uniões de facto em que um dos unidos de facto se encontra ligado a alguém por casamento não dissolvido (e sem que tenha sido decretada a separação de pessoas e bens, ainda que exista uma prolongada separação de facto), os quais podem continuar unidos de facto, enquanto o tal casamento não for dissolvido, e subsistir preservados (na vida e morte) do farejar alheio (a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível).
Constitui aliás um dos curiosos paradoxos do regime jurídico das uniões de facto à portuguesa, que a contemporânea união de direito por casamento não dissolvido possa servir o exercício (limitado) do direito à não intromissão de terceiros na união de facto, sob pena de esta ser de direito (com necessário pagamento de liberdade de um dos «unidos», mesmo que em nome da «protecção» do outro*).
Trata-se de um reinventar, ainda que involuntário, de funções para o casamento, enquanto mecanismo de preservação da privacidade quanto a situações de facto que não afectam menores, nem ilegitimamente terceiros, quem sabe se para abrir um nicho ao mercado publicitário, eventualmente com fotos legendadas, «case-se para poder ser apenas unido de facto com outro sem que ninguém se meta na sua vida».

* Recorde-se que não se pode beneficiar da «protecção» da «união de facto» regulada pelo direito português se se tiver: a) Idade inferior a 18 anos à data da do reconhecimento da união de facto;
b) Demência notória, mesmo com intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, salvo se a demência se manifestar ou a anomalia se verificar em momento posterior ao do início da união de facto.

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