31 julho 2010

 

Constituição versus Arizona

A declaração de inconstitucionalidade, por parte de uma juíza federal, das disposições mais "duras" da famosa lei do Arizona sobre a imigração clandestina significa que a juíza se manteve fiel ao direito, que sobrepôs a perenidade dos valores constitucionais às sondagens e às maiorias populares conjunturais.
Fez assim o poder judicial cumprir o seu papel. Era essa a sua obrigação. Mas, ao ir contra a onda xenófoba que percorre todos os EUA, esta decisão adquire um valor especial.
A governadora do Arizona vai recorrer... Ela emparceira historicamente com os governadores do Alabama, do Mississipi e de outros estados do Sul que, nos anos 60, se opuseram ao movimento emancipador dos negros. Há um evidente paralelismo entre os dois momentos históricos. Agora como então há xerifes racistas saídos da fileiras da Ku Klux Klan a espalharem o terror da lei e da ordem contra os que se atrevem a reivindicar os seus direitos.
A batalha dos anos 60 beneficiava da simpatia da opinião pública dos estados mais populosos e mais poderosos. É o que parece não acontecer agora...
A batalha vai travar-se nas ruas, nos media, e nos tribunais.
Nestes últimos começou bem. A Constituição, para já, ganhou ao Arizona.

 

Arquivamento atípico

Nos termos do art. 277º do CPP, arquiva-se um inquérito quando se reunem provas de não ter havido crime, ou de o arguido o não ter cometido, ou ainda quando não se colhem provas suficientes da prática de um crime ou da identidade do seu autor, o que pressupõe o esgotamento de todos os meios de prova ao dispor (antiga "melhor prova").
Ora, no caso Freeport, não se verifica nenhuma destas hipóteses. As duas primeiras, manifestamente. A terceira, também não, porque, guiando-me pelo que diz a imprensa, havia ainda, segundo os magistrados que dirigiram o inquérito, pelo menos mais uma diligência a realizar, a audição de certa testemunha, sendo aliás indicadas especificamente as perguntas a fazer-lhe. Mas essa testemunha, identificada e de paradeito conhecido, ficou por ouvir...
Que tipo de arquivamento é este então? Qual a cobertura legal?

30 julho 2010

 

O caso Freeport




Terminou o caso «Freeport». Não. Parece que não terminou. Terá chegado ao fim. A avaliar pelas notícias que têm sido difundidas, os magistrados do Ministério Público que têm o processo a seu cargo afirmam no despacho final haver ainda mais diligências que deveriam ser feitas, tendo como alvo o actual primeiro ministro e, à altura dos factos, ministro do Ambiente, e ainda o secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza de então, bem como ficaram por esclarecer vários pontos relacionados com quatro cartas rogatórias que foram expedidas para um país estrangeiro e que não foram cumpridas. Tinham até um questionário preparado dirigido a essas duas entidades, mas que não puderam concretizar por falta de tempo, isto é, por o processo ter de chegar ao fim. É que o vice-procurador-geral da República tinha imposto uma data – o dia 25 passado - para o processo ser encerrado. Dessa forma, o processo terminou sem ter chegado ao fim. Terminou por imposição hierárquica. Não há outra leitura para o que, segundo a imprensa, se afirma no referido despacho.
A situação, assim descrita, causa perplexidade. Foi posto um termo ao processo, sem que este tivesse cumprido o seu objectivo: alcançar a verdade, pelo pleno esclarecimento dos factos.
O despacho final produzido no inquérito levanta, pois, muitas dúvidas.
Por que razão foi imposto um limite temporal, independentemente da verdade a que se chegasse? Porque o processo andou a arrastar-se durante anos e era preciso pôr-lhe um termo? Mas se o processo já tinha ultrapassado os prazos normais, por que não continuar com ele até se esgotarem as diligências? Por que impor-lhe um fim formal e aparentemente discricionário?
O processo demorou por culpa dos investigadores, ou as delongas ficaram a dever-se a circunstâncias alheias à investigação? E se foi por estas últimas, por que não prosseguir com ela?
Tem-se acusado os investigadores de terem tido muito tempo para porem em prática as diligências que agora foram referidas no despacho final, nomeadamente, os esclarecimentos que projectavam obter do actual primeiro ministro e do, ao tempo, seu secretário de Estado. Mas será assim, ou só agora os investigadores conseguiram reunir elementos que possibilitariam realizar com algum proveito essas diligências?
É necessário esclarecer todas estas questões para que se alcance, neste caso, um mínimo de transparência e de tranquilidade pública.
O despacho, tal como veio a público, levanta mais questões do que aquelas que resolve e, nesse aspecto, sendo um despacho final, não põe fim às dúvidas que sempre ensombraram este caso. Pelo contrário: parece adensá-las. Por outro lado, interpela directamente certas entidades de uma forma talvez pouco usual e que insinua muita coisa nas entrelinhas. Por isso, mais do que nunca se impõe um esclarecimento por parte dos responsáveis que ponha cobro a tanta divagação e a tantas opiniões ou palpites desencontrados dos habituais comentadores que intervêm na comunicação social.

25 julho 2010

 

Vergílio Ferreira

Hoje visitei Vergílio Ferreira no cemitério e no largo onde está a "casa amarela", em Melo. A sepultura é uma placa de mármore com as datas de nascimento e da morte e a assinatura que teve em vida. Uma sepultura sóbria virada para a serra e para o vale. Um bom lugar para ficar até ao fim dos tempos. (Espero que não o levem um dia para algum lugar fechado.)

Este é o início de "Para Sempre" (regresso ao início, início do fim):



"Para sempre. Aqui estou. É uma tarde de Verão, está quente. Tarde de Agosto. Olho-a em volta, na sufocação do calor, na posse final do meu destino. E uma comoção abrupta — sê calmo. Na aprendizagem serena do silêncio. Nada mais terás que aprender? Nada mais. Tu, e a vida que em ti foi acontecendo. E a que foi acontecendo aos outros - é a Historia que se diz? abro a porta do quintal. É um portão desconjuntado, as dobradiças a despegatem-se. Há muito tempo já que aqui não vinhas. Sandra era da cidade, gostava da capital, detestava a vida da aldeia. Lá ficou. Abro a porta devagar, ela range para o espaço do jardim. É um jardim morto, as plantas secas, os canteiros arrasados nas pedras que os limitavam. Alguns tém só terra ou hastes secas de roseiras. Vejo-as do portão, o carro à entrada a trabalhar. Depois meto-o na garagem, que é um barracão ao lado da casa. Um silêncio súbito, silêncio da terra. Só vozes ermas dos campos, ouço-as no calor parado da tarde. Reparo agora melhor n0 pequeno jardim. Uma selva bravia. As plantas selvagens irromperam de todo o lado, aos cantos dos muros à volta, junto à casa. Há algumas armações de madeira ainda, já apodrecidas, suspensas de arames, sem flores. Olho-o um instante, olho a casa, circunvago o olhar. Preparar o futuro — o futuro... E uma súbita ternura não sei porquê. Silêncio. Até ao oculto da tua comoção. Preparar o futuro, preparação para a morte. Está certo. Parte-se carregado de coisas, elas vão-se perdendo pelo caminho."

24 julho 2010

 

A CPLP o que (não) é?

Lamento não enfileirar na onda de indignação pela eventual entrada da Guiné Equaorial na CPLP. Parece-me que há alguns equívocos por parte dos adversários.
Terá sentido fazer da CPLP uma organização cultural sem fins lucrativos ou um organismo de defesa dos direitos humanos? Querem mesmo reduzi-la a uma associação folclórica ou a uma ONG?

 

O projecto dos feriados e pontes

Afinal, o projecto para alteração dos feriados e abolição das pontes foi chumbado por uma maioria esmagadora da bancada do PS, que se juntou aos votos do BE e do PCP. Isto depois de, ao que parece, ter havido unanimidade no seio da bancada do mesmo PS a respeito da aprovação do edificante projecto, apresentado por duas das suas deputadas independentes. É uma perda considerável do ponto de vista do acréscimo de produtividade que daí resultaria para o país, numa altura de crise. Nem todos, infelizmente, têm a percepção aguda das mudanças que se impõem, dirão as proponentes. Lamentável!, diria Jonathan Swift.

 

A "eurosclerose" e os crucifixos da Madeira

Despacho n.º 17/2010

Considerando que a Região Autónoma da Madeira não deve pactuar com aquilo a que se chama «euroesclerose», marcada

por um ataque aos Valores que suportam a civilização europeia, consequência também das correntes auto-denominadas de

«pós-modernismo» .

Considerando que não é possível, sob o ponto de vista da realidade cultural e da sua necessária pedagogia escolar,

conceber a Europa e Portugal sem as bases fundamentais do Cristianismo.

Considerando que, por tal, a laicidade do Estado não é minimamente lesada pela presença de Crucifixos nas Escolas e,

pelo contrário, incumbe ao Estado laico dar uma perspectiva correcta da génese civilizacional dos povos, bem como dos

Valores que suportam o respectivo desenvolvimento cultural.

Considerando que os Crucifixos não representam em particular apenas a Igreja Católica, mas todos os Cultos fundados

na mesma Raiz que moldou a civilização europeia.

Não há, assim, qualquer razão para a retirada dos mesmos Crucifixos das Escolas, pelo que determino a sua manutenção.

O presente Despacho vai para publicação no «Jornal Oficial» da Região Autónoma da Madeira e para execução pelo Senhor

Secretário Regional de Educação e Cultura.

O Presidente do Gocerno Regional da Madeira, Alberto João Jardim


23 julho 2010

 

À procura de mais leis que não devem ser aplicadas «apesar da entrada formal em vigor»

O art. 86.º, n.º 13(*), do Código de Processo Penal «apesar da entrada formal em vigor» deve ser aplicado ?


(*)«O segredo de justiça não impede a prestação de esclarecimentos públicos pela autoridade judiciária, quando forem necessários ao restabelecimento da verdade e não prejudicarem a investigação:
a) A pedido de pessoas publicamente postas em causa; ou
b) Para garantir a segurança de pessoas e bens ou a tranquilidade pública.»

 

Comunicado sobre a propositura de inventários na «silly season»

Assim, em alternativa, abrem-se às partes duas opções:
1.ª) Aguardar a publicação da nova lei para intentar o processo de acordo com o regime vigente;
2.ª) Instaurar o processo de inventário nos tribunais apesar da entrada formal em vigor do novo regime do Inventário após 18 de Julho, apesar do risco de rejeição do processo por incompetência, apesar de, assim que a nova lei entrar em vigor, todos os actos praticados fiquem “ratificados”.


O trecho acima não é uma sugestão entre bicas (eventualmente pingadas) é um ministerial comunicado a solicitar a cooperação de todos os profissionais forenses, "apesar" do fino recorte comunicativo, "apesar" de algumas dúvidas suscitadas pela entrada em vigor de uma lei nova com prescrições opostas ao comunicado mas que é velha por outra estar prestes a ser aprovada para a substituir, "apesar" de não se conhecer a redacção da novíssima lei que ainda não foi aprovada na especialidade...

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22 julho 2010

 

Kosovo legitimado

O Tribunal Internacional de Justiça, por decisão de hoje, por 10 votos contra 4, considerou que a declaração unilateral de independência do Kosovo não violou o direito internacional.
Com base na mesma doutrina, o norte do mesmo "país", de maioria sérvia, tem igualmente legitimidade para declarar a secessão do novo estado.
Doutrina que será igualmente válida para a Catalunha, a Córsega e as Ilhas Selvagens (as cagarras, que aguardavam ansiosamente a decisão do TIJ, vão reunir-se brevemente para debaterem o tema).

 

A revisão do PSD


O facto político que está na ordem do dia é o programa de revisão constitucional apresentado pelo líder do PSD. Com ele, Passos Coelho assume-se como uma espécie de Margaret Tatcher portuguesa, com atraso de 20 anos: privatização da saúde, do ensino e do que ainda resta do sector empresarial do Estado; liberalização do mercado do trabalho e consequente reforço do poder do capital. Ficamos esclarecidos quanto a estas intenções que já se intuíam de alguns comportamentos e declarações avulsas. Trata-se do único tema verdadeiramente fracturante (à direita), que já começou a produzir alvoroço e agitação nas hostes.

21 julho 2010

 

Duas bofetadas em Argel em 1953

A propósito dos minaretes da Suíça, do véu islâmico em França, e outras simpáticas atitudes do "Ocidente" para com o mundo islâmico, aqui transcrevo esta página do Diário de Miguel Torga com data de 14 de Setembro de 1953:

As duas bofetadas que um polícia francês acaba de dar na minha frente a um nativo vagabundo hão-de custar caro à França. Até me pareceu ver o céu claro da Argélia abrir-se ligeiramente, e Maomé tomar nota do caso no seu canhenho de represálias.
Este cartesianismo europeu não se convence de que toda a forma de colonialismo é imoral, seja ela a mais progressiva materialmente e a mais codificada socialmente. De que à universal e tentacular presença civilizadora do cristianismo falta sempre um dos lados do diálogo: a opinião do indígena. Que pensa ele do benefício? Que disse o inca no Perú, o asteca no México, o negro em Angola? Que diz o árabe, aqui? Interessa-lhe mais a penitência da cruz, ou a volúpia do crescente? Prefere ver as formas, ou adivinhá-las? Claramente que nunca passou pela cabeça dos apostólos fazer a pergunta. Armados até aos dentes e senhores duma técnica manual e mental demoníaca, julgam ocioso fazê-la. Mas todo o submetido responde, mais cedo ou mais tarde, mesmo sem ser interrogado. Embora a séculos da agressão, os incas estão a responder, e os astecas também, e os negros também. E não me parece que o mundo islâmico se cale, túrgido como o vejo, com todas as energias represadas nas dobras do albornoz.
Na voz salmodiada dos velhos muezins, que desce dos minaretes e repercute multiplicada e rejuvenescida nas gargantas adolescentes, no silêncio duma Casbá onde a alma forasteira penetra como lâmina em bainha sem fundo, no bulício das feiras que a miséria circunda dum halo de comício, o espírito ocidental suspicaz surpreende a força incoercível duma religiáo a que já nada de autêntico temos a opor, e o ódio de uma vontade humana que nunca se concebeu esmagada. Mais do que o poder dos engenhos de repressão, do que as seduções dum progresso que atropela as essências, vale a obstinação dum versículo que se estampa nos olhos, depois de ser carícia nos lábios e friso caligráfico nas mesquitas. E mais ainda do que ele, vale a liberdade. O gosto de ser livre diante do próprio deus.

Diário, VII

Para ler e reler (digo eu)

 

Reescrever a Constituição (às avessas)

A direita não perdoa mesmo ao 25 de Abril! Mas só pode queixar-se dela própria, pois não foi capaz de fazer a "evolução pacífica" para a democracia, como aconteceu em Espanha...
O projecto de revisão constitucional do PSD mais não é do que (mais) um ajuste de contas com a revolução, não ainda o último certamente, mas directo ao coração da constituição social, que é uma das grandes traves da nossa Constituição.
É claro que este projecto não vai passar, e é até certo ponto uma ajuda ao PS de Sócrates, agora remetido para a "esquerda", o que lhe pode ser favorável conjunturalmente.
Mas o projecto não será certamente um acto inútil para o PSD. Marca terreno. É um instrumento de pressão, à esquerda e à direita, cujo espaço quer ocupar totalmente...
Na hora da negociação, lá estará na mesa, ao lado de outros projectos, constitucionais e não só, prontinho para as trocas e baldrocas, dou-te isto em troca daquilo, não não, quero mais, já levas, vais ver, pronto leva lá, mas dá-me cá aquilo, etc., etc.
A Constituição não vai ficar desfigurada ao ponto pretendido pelos revisores do PSD, mas alguma coisa conseguirão, alguma flexibilidade aqui, algum corte ali...
Parece que a proposta também mexe alguma coisa na área da justiça, mas não sei bem ao certo. Quis consultar o texto da proposta mas não o encontrei, nem no sítio do PSD, o que não deixa de ser estranho.

20 julho 2010

 

Argumentário para um poder judicial barato

Longa catilinária escreveu ontem o Prof. Bacelar Gouveia no "Público" contra o poder judicial, não a propósito dos temas habituais da "crise da justiça", mas por andar a escapar-se à "lógica de redução de custos e de evitação de desperdícios".
Vale a pena acompanhar a argumentação.
Começa por insurgir-se com o facto de os vencimentos dos magistrados não terem sofrido a redução de 5 % que aingiu as remunerações dos titulares de cargos políticos. Reconhece, é certo, que o poder judicial não pode legislar, mas tal facto, em seu entender, não os absolve. E adianta: "O julgador do Estado Social possui também uma parcela criativa de Direito e por aí passa simultaneamente um mandato de contenção da despesa púlica, patente no modo como se preenchem conceitos indeterminados ou como se integram lacunas jurídicas." Daí passa a interpelar os conselhos superiores nestes termos: "Ainsa na perspectiva da actuação administrativa dos tribunais, seria interessante perguntar aos órgãos dirigentes das magistraturas que medidas eles próprios já tomaram para reduzir as despesas que dependem das suas próprias decisões."
Segue-se a denúncia, no quadro de uma "reavaliação das despesas com o poder judicial", do número excessivo de juízes nos tribuais supremos (incluindo o TC).
Para terminar, interpela a comunidade para "chamar à liça" o poder judicial, para que este não se julgue "imune ao esforço de todos os portugueses na superação da crise económico-financeira que nos aflige."
Vindo de quem vem, aflige esta argumentação anti-despesista típica de merceeiro (sem ofensa para essa distinta classe).
Vejamos, passo a passo:
Os magistrados não sofreram redução de vencimento? Quem tem a culpa? Deveriam os magistrados, perante a "omissão" de quem de direito, erguer-se em uníssino e exigir essa redução? (O Prof. Bacelar Gouveia, caso fosse magistrado, tê-lo-ia feito?) Deveriam os juízes ter usado da tal "parcela criativa" para reduzirem o seu vencimento?
Que história é essa de os magistrados deverem interpretar os conceitos indeterminados e as lacunas jurídicas segundo a "lógica da contenção da despesa pública"? Será que agora existe um princípio geral do direito assim chamado?
Os conselhos são desafiados a poupar ou a mostrar que pouparam. Mas poupar em quê? Em magistrados, em papel de escrita, em papel higiénico? Onde há desperdícios? É preciso dizer...
É certo que ele refere um caso: o do número de magistrados dos tribunais superiores. Ele acha que são de mais... Não pensa o Prof. que a redução drástica que ele preconiza (que não pouparia o TC) terá necessariamente repercussão na quantidade e na qualidade do serviço, e no próprio direito de acesso dos cidadãos a esses tribunais...
Mas isso que lhe importa? O que é preciso é poupar!
São constantes, variadas e conhecidas as acusações dirigidas ao poder judicial. Mas a de ser "gastador" é mesmo nova.
Esperemos que a catilinária exprima apenas um ponto de vista pessoal...

 

Aumentar as receitas por via carcerária



O populismo penal é uma corrente em voga, a par do neoliberalismo económico. Não é um exclusivo de Portugal. Aqui em Espanha, por exemplo, parece que tem aumentado o número de presos, mesmo preventivos, assim como o tempo médio de permanência na prisão. Desde o ano 2000, o número de reclusos terá aumentado em 65,1%, apesar de a Espanha ter uma das mais baixas taxas de criminalidade da Europa (a 3.ª mais baixa). A resposta para um pseudo-aumento da criminalidade tem sido sistematicamente o endurecimento das medidas de carácter penal. Disso dá conta Ramon Moles, no El País de sábado passado, num artigo intitulado “Contra el populismo penitenciario”. O autor atribui o fenómeno a uma classe politica que reage ao sabor da comunicação social, que vive de incrementar o chamado “alarme social”, reclamando o endurecimento das penas. O mais interessante, porém, é constatar que essa política, segundo o autor, não faz ideia do aumento de custos que o recurso ao endurecimento penal acarreta, sem que traga benefícios do ponto de vista da eficácia no combate ao crime. Em tempos de crise, os Estados deviam reflectir mais sobre esta questão. Assim, por exemplo, é curioso ver o exemplo que nos vem da Holanda. Segundo o referido autor, a Holanda inflectiu a sua política criminal, optando por menos repressão e mais recurso aos meios preventivos, o que lhe permitiu desocupar oito estabelecimentos prisionais. E, para evitar o desemprego de 1.200 funcionários, planeia importar presos de outros países, nomeadamente da Bélgica e da Alemanha, a troco de dinheiro, “gerando ingressos, em vez de custos”.
Ora, aqui está uma medida estupenda, em tempos de crise. Medida que recomendo vivamente aos nossos políticos, preocupados com o PEC: aumentar as receitas também por esta via. Seria uma boa medida para Paulo Portas apresentar no Parlamento, como alternativa ao aumento de impostos. E não se diga que não faria uma óptima figura.

19 julho 2010

 

A UE



A União Europeia parece tão expedita a zelar pela livre concorrência das empresas e a garantir as sacrossantas garantias do mercado, quanto renitente a estabelecer medidas que viabilizem os mecanismos de uma verdadeira democracia europeia e os direitos sociais dos trabalhadores e dos cidadãos em geral.

15 julho 2010

 

Polanski

Finalmente, o governo suíço resolveu pôr um ponto final no absurdo pedido de extradição formulado pelos EUA. Absurdo, porque respeitante a uma condenação penal de 1978.
O instituto da prescrição da pena é uma peça fundamental de um direito penal democrático. Porque o decurso do tempo torna inútil, do ponto de vista dos fins das penas (prevenção, nomeadamente, mas também retribuição), o cumprimento da pena convertendo esse cumprimento num puro acto de violência estatal. Porque a renúncia do estado à execução da pena, passado certo prazo, constitui, em si, uma medida de pacificação, de reconciliação, de humanização das relações sociais.
Os ventos do puritanismo e do populismo penal que sopram do outro lado do Atlântico, que também assolam as nossas terras, desta vez perderam.
Talvez tenha valido a Polanski ser Polanski. Talvez um "vulgar delinquente" tivesse tido tratamento diferente. Mas, em todo o caso, a libertação de Polanski é a vitória do direito penal.

12 julho 2010

 

Filho de mãe incógnita

Cristiano Ronaldo tem conseguido assinaláveis êxitos na sua carreira, embora nem sempre na área do futebol.
Agora conseguiu algo de invulgar: ter um filho de mãe incógnita. Só ele (e ela) sabe quem é a mãe de rebento que já chegou a Portugal, mas a título precário, ao que parece.
O país inteiro está à beira do desespero, enquanto não souber o segredo.
Cristiano Ronaldo arrisca-se a fazer uma carreira futebolística parecida com a de Beckham: isto é, a ver os jogos no banco, ou na bancada, vestido com fato e gravata.

 

A segurança de Blair

Este homem é sempre notícia por más razões.
Agora é outra vez os custos da sua segurança, que o Estado paga...
O ministro dos Negócios Estrangeiros, que agora é conservador, vem anunciar (ou denunciar) que são 6.052 euros por semana. Não é pouca coisa, num período de crise. E que faz Blair para justificar o desembolso? Passeia por todo o mundo, dá conferências pagas a peso de ouro, aparece por tudo quanto é sítio desde que haja um palco à sua espera...

 

Saramago outra vez a incomodar

Saramago, com a sua irreverência, continua a incomodar.
Primeiro, obrigou VPV a escrever uma crónica sobre ele, coisa que irritou sobremaneira o historiador.
Segundo, obrigou os ouvidos do nosso PR a receber elogios entusiásticos sobre a sua (de Saramago, pois) pessoa, vindos do Presidente de Cabo Verde e outras altas entidades daquele país. Foram cinco discursos massacrantes para o nosso PR (que ia sorrindo, agradecido em nome da Pátria).
Depois, pior ainda, foi a homenagem prestada na "Playboy" portuguesa. Fazer aparecer Cristo ao lado de mulheres nuas ultrapassa tudo o que é admissível para a casa-mãe daquela casta instituição, que se prepara, em nome das "regras" austeras que a regem, para repudiar a edição portuguesa (creio que não haverá problemas para os editores portugueses se continuarem a descobrir valores nacionais como a professora de Mirandela).
Fundamentalistas não serão só os que se ofenderam com as caricaturas de Maomé...
Enfim, Saramago rir-se-ia bem divertido com estas peripécias bem portuguesas.
Nós rimo-nos por ele.

08 julho 2010

 

É o mercado, estúpido!

Esta a síntese da sentença de hoje do Tribunal de Justiça da União Europeia.

07 julho 2010

 

Defesa e justificação de uma proposta





Com um vivo encorajamento a que se acabe com o PEC (Pontes E Calaceirices)


Desejando dar um contributo para a solução da crise que afecta o nosso País, proponho-me justificar uma valiosa proposta que tem vindo a ser seriamente encarada por pessoas empenhadas em restaurar a confiança nas nossas capacidades. O mundo deu uma grande volta nestes últimos meses, como salientou o nosso ministro-mor, a ponto de se tornar outro, muito diferente, quase de um dia para o outro. Nesta realidade nova, em que se vão esboroando sem remédio as bases em que assentava a política de bem-estar social e onde tinham esteio muitos direitos importantíssimos dos cidadãos em geral e das classes trabalhadoras em especial, avultam os tais “mercados internacionais”, a deitarem olhos desconfiadíssimos para a nossa dívida pública e para a nossa escassa produção nacional. Não é que este seja um problema só nosso (na realidade, a crise atravessa a generalidade dos países do velho Continente, e outros, fora dele), mas é para nós que os tais mercados embicam os malvados olhares.
Neste cenário, duas ilustres compatriotas da ala transformacionista da sociedade apresentaram a tal proposta que me proponho defender e justificar.
A proposta, com vista a aumentar a produtividade, vem a traduzir-se nesta singela solução: acabar com a maior parte dos feriados e evitar as “pontes” entre eles. “Ponte”, em linguagem figurada, quer aqui dizer, como toda a gente sabe, a possibilidade de ligação de um feriado que cai a meio da semana (por exemplo, uma quinta-feira) com o fim-de-semana próximo, ou de um fim-de-semana com um feriado que calha num dos primeiros dias seguintes (por exemplo, uma terça-feira). A “ponte” consiste em unir o dia útil de permeio aos dias ociosos, prolongando assim os dias sem trabalho, de modo a obter umas pequenas férias. Coisa verdadeiramente inconcebível nos tempos que correm.
Ora, a proposta pretende, como disse, acabar com estas “pontes” e transferir os feriados oficiais para o dia útil seguinte a um fim-de-semana. Desta forma, evitando-se a “ponte”, dá-se também o bónus a quem trabalha de gozar sempre um fim-de-semana prolongado. Mas mais do que isso: a proposta tem a inteligência subtil de acabar com outras “pontes” indesejáveis. Refiro-me à ligação entre um “feriado” e o acontecimento que ele evoca. Um feriado, como se sabe, está ligado à celebração de uma data considerada importante, quer do ponto de vista religioso, quer do ponto de vista profano. Ora, essa ligação pode ser perigosa nos tempos que correm. Por exemplo: o “25 de Abril” evoca um acontecimento dos mais importantes na nossa História recente: a revolução que instaurou a democracia e que consagrou uma panóplia de direitos ditos «fundamentais», não só no campo individual, como também nos campos económico, social e cultural – direitos que hoje estão em larga medida ultrapassados. Evocar o “25 de Abril” podia fazer recordar os tempos conturbados da revolução e trazer para o terreno da reivindicação muitos dos referidos direitos que hoje não fazem sentido.
Outra data – o 1.º de Maio. Uma data perigosíssima, por evocar a luta histórica dos trabalhadores em todo o mundo para alcançarem condições de dignidade mínimas, entre as quais um horário limitado de trabalho. Esta luta contra a bestialização do trabalhador fez correr muito sangue e sacrificou muitas vidas. Ora, não é nada conveniente, nos tempos que correm, reavivar essa memória.
A proposta tem, pois, o condão de dissociar um feriado do conteúdo que lhe deu origem; por outras palavras, de abolir a energia acumulada enquanto memória de um acontecimento histórico. Em bom rigor, deixam de existir “feriados” para passarem a existir “folgas”, “dias livres” para o pessoal gozar como quiser e como puder, segundo as variadíssimas ofertas de entretenimento que o mercado, hoje em dia, põe à disposição de todos, apenas com a limitação das respectivas bolsas.
A proposta tem ainda outras virtualidades: acabar com o número de feriados e, desde logo, alguns daqueles que recordam datas históricas, como o “5 de Outubro”, em que se comemora a revolução que aboliu a monarquia e implantou o regime republicano. Com efeito, não faz sentido nenhum continuar a evocar mais essa revolução, pelos motivos que já sobejamente foram expostos. O melhor é abolir a data e fazer do “5 de Outubro” um dia igual aos outros, sem relevo nem história, para que possa ser consagrado inteiramente à produção. Além disso, nos dias que correm, a queda da monarquia não deve ser motivo para festejos, sendo antes conveniente apresentar a monarquia e a república como duas opções de regime perfeitamente legítimas. A verdade é que, desaparecidos antigos preconceitos, o espavento do cerimonial monárquico tem cada vez mais audiência nos modernos meios de difusão e o nosso simpático candidato ao trono tem aparecido em certas cerimónias oficiais, lado a lado com republicanos dos quatro costados.
Quanto ao 1.º de Dezembro, sendo outra data histórica, também não tem interesse assinalá-la com um feriado, pois a restauração da independência é uma antiqualha e o que interessa, acima de tudo, é apagar a memória inútil do passado e infundir nos nossos trabalhadores a ideia de que a verdadeira restauração da independência está em trabalhar mais e produzir mais.
Nos feriados religiosos, mantém-se, como não podia deixar de ser, o dia de Natal a 25 de Dezembro, aí sem possibilidade de transferência, pois se trata de uma importante data relacionada com a Família. E mais: a proposta prevê mesmo um feriado suplementar a 26 de Dezembro, como prolongamento da festa da Família, o que é a todos os títulos louvável, porque a Família deve continuar a manter-se como a célula-base da sociedade e o centro por excelência da reprodução da força de trabalho.
Eis, meus senhores, os motivos por que apoio sem reservas a proposta das nossas compatriotas.

Jonathan Swift (1665-1745)

06 julho 2010

 

Questões e opiniões: abertura de inquérito



«A concretização do conceito de notícia do crime para efeitos de abertura de inquérito constitui uma problemática que exige um exercício difícil e com reduzido arrimo na lei, pelo que não pode ser suportado num esforço exclusivamente exegético, em especial na articulação entre o art. 262.º, nº 2 e os arts. 242.º e ss. e 48.º e ss., do CPP e arts. 113.º e ss. do Código Penal. Embora com algumas dúvidas, na análise da questão já se preconizou um critério pragmático / jurídico baseado na interpretação sistemática, à luz do qual será obrigatória a abertura do processo em face da denúncia facultativa (que está prevista como um direito), para dar uma resposta (jurídica, processualmente fundada e impugnável) àquela iniciativa (pelo que aqui importa sobretudo um conceito de notícia do crime em sentido subjectivo, pois a denúncia facultativa compreende em sentido implícito a formulação de um desejo de procedimento criminal, a legitimidade e a sanação da sua falta já será uma questão processual). O critério pragmático implica, no fundo, uma garantia de raiz processual, o juízo sobre a ausência de relevância jurídico-penal é formulado através de um despacho de arquivamento, mas não determina uma actividade de investigação infundada no plano jurídico-penal a qual, em caso algum, deve ser empreendida. Já relativamente às denúncias obrigatórias e notícias do crime obtidas por conhecimento próprio do MP continuaria a ter inteira validade o fundamento liberal que está na base do critério estritamente objectivo que constitui um limite à actividade oficiosa de investigação criminal das instâncias formais de controlo» (Processo Penal, prova e sistema judiciário, Coimbra Editora, no prelo, p. 169).

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Questões e opiniões: assistentes


«Fundamental, em primeira linha, na caracterização do assistente (e sua relação com o Ministério Público) apresenta-se a destrinça entre os crimes particulares em que o assistente é o principal titular da acção penal e os crimes semipúblicos e públicos em que a acção penal é uma competência do Ministério Público (na tripla vertente da preparação, exercício e sustentação)» (Processo Penal, prova e sistema judiciário, Coimbra Editora, no prelo, p. 132) .

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05 julho 2010

 

Condoleeza Rice, nome de artista

Não se ouvia falar dela há muito tempo, mas agora reapareceu. Abandonou aqueles horríveis saia-e-casaco de burocrata de Washington. Veste agora como artista. Aliás, ela agora é uma artista, uma pianista de qualidade, e vai aparecer com Aretha Franklin num espectáculo.
Saúda-se esta viragem. É a prova de que a reinserção social não é um mito!
Ela quer a todo o transe mostrar que a velha Condy do Bush já não existe.
Até já se mostrou disponível para ir tocar piano para Guantánamo!

01 julho 2010

 

EUA: um homem, um voto, uma arma

O Supremo Tribunal dos EUA reafirmou, por sentença de 28 de Junho, a perenidade da famosa 2ª Emenda Constitucional (de 1791), que reconhece o direito dos cidadãos ao uso e porte de armas de defesa. A pistola, a par do voto, continuará a ser um atributo inseparável e inalienável dos cidadãos americanos (embora isso não os tenha tornado mais seguros...).
Foi uma decisão tangencial (5 contra 4), confirmando a permanência de uma maioria conservadora, que Bush filho conseguiu instalar, e que Obama ainda não conseguiu alterar, mesmo com a próxima nomeação de Elena Kagan, que vai substituir um liberal (Stevens, possivelmente o mais liberal de todos).
Enfim, uma vitória da "América profunda", dos seus pistoleiros, dos seus rambos (e da indústria que os abastece, claro).

 

Um hamburger para ti, um hamburger para mim...

A caminho do G-20, em Toronto, Medvedev passou pelos EUA para visitar o seu amigo Obama. Estiveram de acordo em quase tudo e até sobre o Afeganistão houve convergência.
Mas verdadeiramente comovente, ou exaltante, é a fotografia em que aparecem em mangas de camisa, cada um mastigando laboriosamente o seu hamburger numa mesa apertadinha de um restaurante popular. E chegaram a partilhar uma dose de batatas fritas!
É uma amizade que fica selada, selada a molho de ketchup ou outra mistela parecida.

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