07 junho 2010

 

Por outras palavras, minhas.


Saiu finalmente o livro de crónicas de Manuel António Pina, Por outras palavras & mais crónicas de jornal, editado pela “Modo de Ler” – uma editora com a marca inconfundível de José da Cruz Santos. A antologia, abrangendo 244 crónicas, das muitas que ele tem vindo a publicar diariamente no "Jornal de Notícias", com apreço generalizado de uma infinidade de leitores de Norte a Sul de Portugal, e outras que publicou na revista “Visão”, foi organizada por Sousa Dias, que anteriormente já havia reunido em volume uma série de entrevistas do escritor, com o título Dito em voz alta, da editora “Pé de Página”.
Ficamos, assim, a dispor de um objecto manuseável onde podemos, em qualquer momento, desfrutar do prazer de revisitar muitos dos textos que tínhamos saboreado em parcos minutos, em pequenos intervalos da lufa-lufa diária, e em que tínhamos ido buscar a centelha que nos deu o génio para o dia, o golpe de asa que nos fez voar ou a palavra justa para a nossa indignação.
Com esta publicação antológica, Sousa Dias resgatou essas memoráveis crónicas do destino volátil próprio das folhas de jornal. Porque elas valem «pelo seu sopro literário, por vezes mesmo poético, imediatamente sensível. É esse sopro, essa respiração formal, que cria uma autonomia do texto da crónica em relação ao seu conteúdo referencial actual, isto é, uma auto-referencialidade da linguagem que torna a crónica inactual, interessante por si mesma, pelo “prazer do texto” de que falava Barthes, independentemente do seu assunto.» (Do prefácio de Sousa Dias). Isto, sem esquecer o formidável poder crítico que nelas se contém, que, na maior parte dos casos, é também um jogo da linguagem, desembocando em fulgurantes golpes de ironia e de humor, que, em meia dúzia de linhas, arrasam por completo o objecto eleito pelo cronista para seu alvo. Nesse sentido, Manuel António Pina é também um dos mais acerados críticos que campeiam na nossa imprensa actual e, por isso mesmo, temido por muitos, que gostariam de o destronar ou, pelo menos, de lhe amaciar o tom por mil e uma formas mais ou menos insidiosas, ao mesmo tempo que admirado por muitíssimos outros, a quem ele empresta a mão, sempre certeira no manejo da palavra. Palavra que é sempre, desde há milénios, o nosso pobre instrumento de busca de um sentido para a vida. Di-lo Manuel António Pina, no seu estilo inconfundível, logo na crónica que abre o livro:
«Provavelmente está tudo dito. Mesmo o sentimento da ociosidade e da inutilidade das palavras é uma sensação infinitamente cansada. E, no entanto, temos que dizer tudo de novo todos os dias, de juntar os pedaços dispersos do mundo e, com eles, descobrir para nós um lugar do nosso tamanho ou, ao menos, uma forma de sentido para aquilo que chamamos vida.»





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