30 abril 2010

 

Investigações parlamentares

Depois das "audições" da Comissão de Ética, com o desfile interminável de vedetas da TV e arredores, a AR decidiu prolongar o espectáculo com mais uma comissão, esta de inquérito, sobre o mesmo tema: saber se o PM sabia ou não do negócio da PT sobre a TVI, ou seja, se queria "calar" uma voz incómoda para ele.
É uma espécie de "reprise", e por isso, embora com transmissão directa e integral, o impacto já não é o mesmo. Tudo cansa. Os telespectadores são muito exigentes, não querem pratos requentados.
O pior é que esta comissão, ao contrário da outra, vai ter que apresentar um relatório e conclusões. Sabemos, aliás, que o presidente da mesma já tem opinião formada, mesmo antes de os trabalhos de investigação começarem. O relatório pode até já estar meio alinhavado. Mas este terá que ser votado e obter a maioria, pois a verdade parlamentar é a da maioria.
O relatório pode concluir que o PM sabia do negócio e que queria de facto calar a TVI. Que fazer nesse caso? Mandar o relatório para procedimento criminal pelo crime de atentado ao Estado de Direito? Não vale a pena, porque o PGR já se pronunciou sobre o assunto, arquivando o respectivo "expediente".
Pode, é certo, a maioria tentar retirar consequências políticas do relatório e apresentar uma moção de desconfiança no Governo. Quererá de facto fazê-lo?
Admitamos que o relatório não comprova a alegada tentativa de interferência na comunicação social. Nesse caso, os promotores da iniciativa não ficam bem na foto, sobretudo depois de dizerem que tinham a certeza que sim.
Enfim, uma encrenca.

 

Portugal e os mercados

Segundo parece, já que o afirmam os grandes sacerdotes da economia, Portugal está em risco de cair nas mãos (ou nas garras) dos "mercados".
Há quem diga que eles até não são maus tipos, mas agora andam "nervosos" e é preciso ter cuidado com eles, falar baixinho, fazer-lhes as vontades. Talvez seja necessário mesmo fazer juras de obediência futura, mesmo que com reserva mental (que eles não detectam imediatamente).
Enfim, ou nos submetemos ou vemo-nos gregos.

28 abril 2010

 

Silêncio e direito à não auto-incriminação

Para esclarecer o povo, e os jornalistas que inventam crimes de desobediência (só um ignaro é que julga que os arts. 17.º e 19.º da Lei dos Inquéritos Parlamentares existem, para além do mundo da república virtual, onde a mentira em depoimento perante comissão de inquérito parlamentar não é ilícita no plano penal), nada melhor que uma jurista que caminha segura o território das suas certezas e não precisa sequer de parar, por curtos instantes, em artigos de jornal divulgados na sua escola.
Realmente, para quê bizantinices sobre a destrinça de recusa de depoimento e recusa de resposta a perguntas concretas que podem ser auto-incriminadoras (com o ónus de o alegar)? Tais decomposições são por certo invenções dos incivilizados do outro lado do Atlântico, agarrados a um débil quinto aditamento sem conhecerem o farol da civilização à beira-mar plantado e por moreiras iluminado(*) .


(*) Nomeadamente o art. 133.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).

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26 abril 2010

 

Defesa ou segurança nacional?

Aproveitando a maré da revisão constitucional, o general Loureiro dos Santos saiu a terreno propondo a substituição, no texto constitucional, do conceito de "defesa nacional" por "segurança nacional".
Não se trata de uma mera questão de palavras, como ele explica com clareza. É que "defesa nacional" tem a ver exclusivamente com a defesa externa, que cabe naturalmente às Forças Armadas. Mas "segurança nacional" é mais abrangente, pois compreende as "ameaças externas actuando no interior do território nacional" como acontece com os "actos terroristas ou acções de criminalidade organizada e violenta".
Ora, com o actual texto constitucional, as FA estão impedidas de actuar em tais situações, lamenta o general. Trata-se, a seu ver, de um grave "constrangimento operacional" que põe em perigo a nossa segurança.
O novo conceito de "segurança nacional", eliminando as fronteiras entre defesa externa e segurança interna, abriria o caminho à intervenção das FA na segurança interna. E num leque amplíssimo de situações, já que os conceitos de "criminalidade especialmente violenta" e "altamente organizada", tal como são definidos no CPP, têm uma previsão muito vasta.
A proposta, por bem intencionada que seja, é insustentável. As FA não estão vocacionadas para a luta contra a criminalidade, ainda que violenta. O paradigma do Estado de Direito exclui a intervenção interna das FA, a não ser em casos excepcionais, como os de estado de sítio ou de emergência.
Esperemos que não haja tentações de alterar o que é inalterável.

 

Fundamentalismo militante na Faculdade de Direito de Lisboa

No dia 22 deste mês foi realizado, na Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, uma instituição pública, como é sabido, um teste na cadeira de Direito Constitucional, da responsabilidade de Paulo Otero, com o seguinte teor:

A Assembleia da República aprovou, em complemento à lei sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, um diploma com o seguinte teor:
"Art. 1º - É admitido o casamento poligâmico.
Art. 2º - Desde que exista um projecto de vida em comum, podem também contrair casamento um ser humano com um animal vertebrado doméstico.
Art. 3º - Podem ainda contrair casamento dois animais vertebrados domésticos da mesma espécie, desde que exista consentimento dos respectivos donos."
a) Se procurasse defender a constitucionalidade do diploma, que argumento utilizaria?
b) E se lhe fosse pedido defender a sua inconstitucionalidade, quais os argumentos que usaria?

Pergunto eu:
O casamento homossexual tem alguma coisa a ver com a poligamia?
É conjecturável que a AR aprove algum dia o casamento entre um ser humano e um cão ou um gato, ou uma galinha? Poderá haver alguma vez um "projecto de vida comum", isto é, comummente assumido, entre um ser humano e um animal?
É admissível pensar que a AR poderá vir a aprovar o casamento entre dois cães (ainda que de sexo diferente)?
Este teste é um simples exercício de mau gosto? É antes um exercício de militância fundamentalista contra o casamento homossexual?
Em qualquer dos casos, este docente revela idoneidade científica e ética para ocupar o lugar numa universidade pública?
A Faculdade de Direito de Lisboa admite um nível tão baixo de docência?
Espera-se a tomada de posição do Conselho Pedagógico da Faculdade.

 

A residência dos deputados

Na semana que passou ficou a saber-se que a lei não obriga os deputados à AR a viverem em território nacional.
Bem vistas as coisas, seria uma violência obrigá-los a viver nesta chungaria.
Residindo nas grandes cidades europeias, eles podem, findos os trabalhos parlamentares da semana, no regresso a casa, assistir a grandes espectáculos, a congressos diversificados, enfim podem mergulhar na grande cultura que se faz lá fora.
Mais cultos, mais preparados, mais europeus, em suma, é assim que devemos querer os nossos deputados.
É claro que muitos deles se resignam a ficar por cá, no mesmo meio em que vivem os seus eleitores. São assim os medíocres, os de estreitos horizontes. Mas os espíritos elevados não pactuam com a mediocridade! Eles precisam de respirar o ar puro das grandes cidades da cultura.
São caras as viagens? Constituem um encargo desproporcionado para o orçamento?
Que argumento tão mesquinho! É mesmo de merceeiro de bairro... Tudo o que se pagar é pouco em troca do que se ganha!

 

A liberdade de crítica das decisões judiciais

Há que distinguir: uma coisa é criticar, outra é rebaixar, insultar.
Tornou-se costume nos últimos anos alguns advogados fazerem comícios à porta dos tribunais quando as decisões não lhes agradam. Nesses comícios, muitas vezes transmitidos em directo pela TV, com grande sucesso de audiências, sobre juízes e/ou procuradores são lançadas todas as maldições e suspeições. Nenhuma crítica é feita, note-se, pois não se rebatem os argumentos da decisão (argumentos que muitas vezes são até desconhecidos dos oradores). O que se faz é pura e simplesmente lançar a ignomínia da suspeita sobre as "verdadeiras" intenções da decisão...
Daí seguem geralmente os ditos comicieiros para os canais de TV, sempre muito hospitaleiros, e do alto da tribuna falam ao país, fulminando com o seu verbo inflamado os pobres dos julgadores que ousaram decidir em contrário do que eles queriam. O país, (in)crédulo, assiste a "mais uma" da justiça. Nas sondagens, por vezes imediatas, à pergunta sobre a credibilidade da justiça, o mesmo país aproveita para a arrasar (nas sondagens, aliás, ninguém sai ileso da fúria "popular").
Dias depois,o espectáculo continua, e assim sucessivamente.
Alguém ainda se lembrará que existe um dever de reserva para os advogados quanto a declarações sobre processos poendentes?
Imagine-se o circo que vai ser a sessão de leitura da decisão do processo "Casa Pia", com todos os canais e jornais presentes...

23 abril 2010

 

Onde estavas Tu?


Jaime Nogueira Pinto escreveu, no passado dia 20, um artigo no “I”, cheio de justa cólera, sobre os casos de “pedofilia” na Igreja, a que deu o título de “O silêncio de Deus”. A certa altura, assumindo a responsabilidade de «partilhar a consciência e consequência do pecado e do crime deles» ⌠”sacerdotes pedófilos”⌡, ocorria-lhe a ideia de «perguntar onde estava Deus na hora em que esses maus pastores, abusando e pervertendo o que há de mais sagrado, abusaram da autoridade, da condição e do carisma e, acima de tudo, da confiança que leva uma criança ou um jovem a olhar o padre como um pai.»
É compreensível esta angústia do articulista, mas já começa a pesar demasiado, no discurso de certos crentes, esta interpelação de Deus sobre a Sua ausência nos momentos mais dolorosos para a humanidade e nos crimes mais hediondos que se cometem. O próprio Papa João Paulo II, diante do muro das lamentações em Jerusalém, por ocasião de uma visita, apostrofava Deus dramaticamente, perguntando onde estava Ele quando se cometeram os horríveis crimes do Holocausto. “Onde estavas Tu?”
Significará isto que a crença incorpora em si também a descrença? Que mesmo os mais altos dignitários da Igreja têm os seus momentos de dúvida e começam a desconfiar de tanto silêncio e de tanta ausência de Deus? E querem acordá-lo do Seu sono profundo, interpelando-o sobre o Seu lugar nos acontecimentos trágicos, que é como quem diz, sobre a Sua responsabilidade nesses acontecimentos? Sim, porque perguntar “onde estavas Tu?”, equivale a perguntar “Estavas a dormir?”, ou, mais filosoficamente, “Qual é o significado da Tua ausência?” Assim como, segundo Saramago (sim, Saramago), que, numa entrevista recente, disse que «não há ateus absolutos», também não há crentes absolutos. O próprio Cristo, momentos antes de expirar na cruz, teve o seu momento de ateísmo: “Pai, pai, porque me abandonaste?” Afinal, foi ele o primeiro a questionar a ausência de Deus Pai. Escreve o filósofo Slavoj Zizeck, em A Monstruosidade de Cristo (titulo que não corresponde ao que aparenta e é, sobretudo, a referência a uma frase de Hegel): «No seu “Pai, porque me abandonaste?”, o próprio Cristo comete o que é o pecado supremo aos olhos de um cristão: vacila na sua Fé.»

20 abril 2010

 

Jornadas de Direito Penal

Deixo aqui ligação para o programa das Jornadas de Direito Penal – Crimes no seio da Família e sobre Menores que decorrerão em Ponta Delgada nos dias 7 e 8 de Maio próximos. Uma boa oportunidade para visitar os Açores.

 

Entre o céu e a terra

O impedimento do tráfego aéreo faz-me lembrar um conto de Júlio Cortázar incluído em todos os fogos o fogo, que se entretece à volta de um gigantesco engarrafamento nas estradas de acesso a Paris, no termo de um fim-de-semana. A paralisação por alguns longos dias imposta pelo engarrafamento gera relações insólitas de proximidade e generosidade, de improvisada organização de entreajuda, de ligações sentimentais fortuitas e também de algum comércio espúrio, a par de situações extremas de desespero, entre os condutores e ocupantes dos veículos, que, de meios de locomoção rápida, se transformam em extenuantes empecilhos. Na hora do desbloqueamento, todos voltam a correr em direcção às luzes da cidade, ignorando-se uns aos outros, perdendo-se uns dos outros e sem que soubessem o para quê daquela corrida.
Naquele tempo, ainda não se imaginava o volume impressionante que o tráfego por cima das nossas cabeças viria a atingir e como uma nuvem espessa de cinzas lançada por um vulcão, num pequeno país falido por uma crise financeira mundial, poderia acarretar um tão grave distúrbio, com milhares de pessoas em desespero nos aeroportos, impedidas de regressar aos seus países, arrastando malas de rodinhas pelos lajedos de mármore, agarrando-se a telemóveis para desabafarem as suas angústias ou vencerem ilusoriamente as distâncias, empinando constantemente as cabeças para os painéis de informação, colocados ao alto, atirando os corpos fatigados para bancos de espera incerta e dormindo em cima de malas. Suponho que, em muitos casos, se gerarão solidariedades inesperadas, relações cordiais entre pessoas que compartilham da mesma sorte, convivialidades fortes entre indivíduos que falam línguas diversas e habitam diferentes pontos do globo, numa mistura de raças, línguas, caracteres, etnias.
Porém, o desespero vai vencendo, a vida rotineira de todos os dias vai reclamando as suas urgências, a economia, afinal tão dependente das rotas aéreas, começa a contabilizar prejuízos, pressões de todos os lados, com as companhias aéreas à cabeça, querem romper o bloqueio, arriscando voos mesmo com a ameaça da espessa nuvem vulcânica, que supostamente danificaria os aviões e poderia causar acidentes graves, mas que, bem vistas as coisas, talvez não seja tão perigosa como a supunham de princípio. Entretanto, muitos põem-se em debandada, utilizando meios de transporte já quase banidos em longas viagens, como comboios, camionetas e até táxis, fretados por alguns para fazerem distâncias loucas, a troco de pequenas fortunas.
Todavia, uma grande percentagem ainda continua à espera dos aviões, que as companhias aéreas querem repor em circulação o mais depressa possível. Todos esses continuam a perscrutar o céu, à espera que de lá venha a salvação, não já a salvação transcendente da vida eterna, mas a salvação comezinha do dia-a-dia. Quem diria que o céu havia de ser mesmo a esperança do nosso tempo?

15 abril 2010

 

Criações, criatividade legislativa, suspensões de prazos e equiparação a férias



Hoje nasceu, através de decreto-lei, uma suspensão de prazos dos processos judiciários (nomeadamente do penal), que se apresenta simultaneamente como uma equiparação a férias judiciais (produz os mesmos efeitos legais das férias judiciais mas não se trata de férias judiciais, note-se), que não altera o processo penal nem a organização dos tribunais, pois essas são matérias da reserva da Assembleia da República .
Sublinhe-se que esta nota não é associável a quem goste de criar dificuldades , apenas o elogio possível dos facilitadores.

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12 abril 2010

 

Mais uma revisão constitucional...

Quando as ideias não são muitas, não há nada como acenar com mais uma revisão constitucional. Tirar o socialismo do preâmbulo não faz grande mossa. Na gaveta está ele metido há muito. Mas já pôr a AR a designar o PGR é muito grave: a quem interessará a partidarização/fragilização do lugar?

11 abril 2010

 

Parcialidades

Por favor não mexer em António Mexia! Ele vale muitíssimo dinheiro! E dinheiro do Estado!


A pior coisa que fizeram a Sócrates, no “imbróglio” dos projectos que ele terá assinado quando era deputado, foi mostrar as casas nas páginas dos jornais e sobretudo na televisão. Na verdade, a comunicação social é impiedosa. Aquilo não era coisa que se mostrasse.

A Igreja Católica está à beira de ver interditada aos seus ministros a célebre frase de Cristo “Deixai vir a mim as criancinhas”. Na verdade, não podendo responsabilizar-se todos os sacerdotes pelos desmandos de alguns (muitos), os sérios golpes no crédito da Igreja, abalada por severas críticas de todos os lados, nestes tempos em que parece não haver instituição alguma que se furte à derrocada, parecem traduzir uma desconfiança generalizada que tenderá a impor uma solução desse tipo. Ângela Merkel, de certo modo, já a insinuou com veemência.

Baltazar Garzón. Também esse. Finalmente esse. O supermediático magistrado espanhol, na sua desmedida ambição de perseguidor de todas as injustiças, urbi et orbi, está enredado nos fios da justiça caseira. A braços com uma acusação que lhe poderá custar a carreira, ele haveria fatalmente de meter o pé numa cilada para a qual a sua propensão o empurraria. Também o inabalável magistrado caiu em desgraça.

08 abril 2010

 

A riqueza dos juízes

Retomando o tema da eventual futura obrigação para os juízes de declararem os rendimentos, já aqui analisado pelo Mouraz, direi o que segue.
Já se sabia que o frenesim legislativo anticorruptivo tinha entrado em fase de desvario.
Agora avança-se com mais esta "ideia", que é certamente popular (mais concretamente, populista), e aparentemente correcta e justa.
Mas só aparentemente. É certo que os juízes detêm e exercem um poder soberano. Mas a similitude com os titulares dos outros órgãos de soberania pára aí.
Os juízes estão sujeitos a formas efectivas e permanentes de controlo e fiscalização da sua actividade que os demais titulares de soberania não estão. São tutelados por um órgão constitucional de composição mista e ampla representação "externa" que sobre eles detém poderes disciplinares, o que não acontece com os outros.
Não foi alegado que essas formas de controlo se tenham revelado insuficientes para garantir a probidade e honradez dos juízes.
Para mais, sabe-se que a fiscalização das declarações de rendimentos se tem revelado ineficaz por indisponabilidade de meios para o efeito.
Para quê então esta peregrina proposta? Porque é popular (populista). É mais uma medida simbólica, para o Zé Povo pensar que agora, sim, agora é que eles (os corruptos) vão ver como é...

 

Condenação à morte administrativa

Numa curta notícia o "Público" de hoje dá conta de uma condenação à morte proferida pela Casa Branca (exactamente, pelo insuspeito Obama). O condenado trata-se obviamente de um "terrorista", mas é curiosamente um americano, embora um americano suspeito, pois é de origem árabe (um tal Anwar al-Awlaki). A execução ainda não foi efectivada, porque a condenação foi à revelia.
Enfim, nada de novo, afinal. EUA e Israel cada vez mais irmãos.

 

Aquilo de que se fala


É curioso observar como um facto (a pedofilia), que se tornou monstruoso na época contemporânea passou antes totalmente despercebido, ou foi relegado para um limbo de idiossincrasias pessoais a que não era conferido relevo especial ou, se o era, tinha apenas ressonâncias éticas que ficavam fechadas à chave na consciência de cada um ou no silêncio sepulcral das instituições; às vezes, aureolado de uma espécie de ingénua poeticidade literária ou, nos casos mais veementes, de uma retórica de provocação. Basta ler, entre muitos outros, alguns textos de Teixeira Gomes (já uma vez aqui referi um conto, inserto em Agosto Azul), de António Botto, de Luís Pacheco, dos surrealistas em geral. Entre os estrangeiros, aí está o autor venerado por crianças e adultos, Lewis Carol (pseudónimo de Charles Lutwidge Dodgson), matemático e eclesiástico, cuja paixão por uma menina de 10 anos o levou a escrever Alice no País das Maravilhas, agora tão apreciado também no cinema Não quero citar o Marquês de Sade, que é, evidentemente, um caso à parte, que incluiu crianças no universo tenebroso e indistinto dos objectos da sua luxúria ficcional.
O certo é que o fenómeno da “pedofilia”, cuja definição e limites talvez não sejam muito claros na actual maneira de encarar as coisas (a lei penal não fala de nenhum crime de pedofilia, mas de «abuso sexual de crianças») não tinha assento nos códigos penais como crime autónomo, em que a vítima é uma criança, considerando-se como tal, na nossa legislação, um indivíduo menor de 14 anos.
A este propósito, talvez valha a pena referir um texto do meritório crítico António Guerreiro publicado no “Expresso” de 20 de Março passado e que se intitula: «Sobre uma figura nova, sexo-criminal: o pedófilo”.
Diz o texto:


Numa recente crónica no “Público”, a propósito dos casos de pedofilia que estão a pôr a Igreja Católica em causa, Paulo Varela Gomes sublinhava esta verdade elementar: é uma constante a utilização sexual das crianças em seminários, internatos, orfanatos, etc.. Novo é só o facto de se ter começado a falara nisso. Como é que se iniciou recentemente esta “vontade de saber”? Os factos começaram a vir à luz do dia, porque se construiu uma figura nova, sexo-penal, que não existia: o pedófilo. Dito de outra maneira, assistimos nos últimos anos à criminalização e à absoluta rejeição moral de uma prática sexual que antes não era objecto de nomeação e criámos a partir dela uma tipologia de indivíduos que não existia. Algo que se tornou entretanto repugnante podia, até há pouco tempo, ser descrito como belo e virtuoso. Leia-se um livro editado em França, em 1980, de um escritor já morto, chamado Tony Duvert (“L’enfant au masculin”, na mais que respeitável editora Minuit), para perceber que aquilo que hoje sabemos de maneira tão evidente era desconhecido, porque não era objecto de um discurso, não tinha nome, não suscitava perguntas. Nem aos sexólogos, nem aos criminólogos.»

Pergunto: Por que se criou essa figura nova? Por que se deu um nome a esses factos já muito velhos e se criou um discurso novo sobre eles? Não será porque se foi forjando uma nova consciência axiológica, que tem a ver com um outro estatuto (pessoal, social e jurídico) da criança? A criminalização de um facto não surge sem mais nem menos, sem uma consciência ético-social da sua negatividade já suficientemente amadurecida na comunidade.

06 abril 2010

 

Separação de poderes e transparência

Diz-nos a história que num quadro macro-político onde se verificam tensões entre o exercício dos poderes concretos dos juízes e alguns titulares de órgãos políticos, os direitos dos cidadãos são sistematicamente postos em causa através de intervenções legislativas que pretendem condicionar a independência de quem julga.
O Estado de Direito sustenta-se em vários princípios fundamentais, entre eles a independência dos Tribunais perante os restantes órgãos de soberania, que se concretiza em vários princípios constitucionais.
A legitimação eleitoral dos poderes executivo e legislativo corresponde a legitimação de exercício dos Tribunais.
À inamovibilidade dos juízes corresponde a transitoriedade dos restantes titulares de órgãos de soberania democraticamente eleitos – aqui a diferença com os regimes ditatoriais.
À absoluta impossibilidade de desempenhar funções que não sejam as jurisdicionais por parte dos juízes, corresponde um leque de impedimentos mais ou menos fechado dos restantes titulares de órgãos de soberania, enquanto exercem funções ou em períodos temporários subsequentes ao exercício do mandato.
Os vencimentos dos juízes são fixados em Lei da Assembleia da Republica e só podem ser por esta alterados ou modificados.
A garantia dos cidadãos a uma justiça verdadeiramente independente depende exactamente da concretização destes princípios.
Pretender equiparar o regime do controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos ao regime de incompatibilidades dos juízes nada tem que ver com pretensas exigência de transparência. É apenas e só, como já foi dito anteriormente pelo Tribunal Constitucional a propósito da pretendida equiparação do estatuto dos juízes ao estatuto dos funcionários públicos, mais uma machadada no princípio da separação de poderes.

05 abril 2010

 

Os alvos da corrupção

Afinal os alvos da corrupção são os juízes e os procuradores!

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