25 março 2010

 

A objecção de consciência ao contrário ou o elogio do funcionário sabujo


Este exercício da bloga diz muito sobre uma determinada «literatura» sem estados de alma (nem grande lógica), em que as «imprecisões» factuais são apenas um pormenor que não afecta em nada a pureza do raciocínio contrário a qualquer imperativo de consciência (e bem cioso do dever de cumprimento escrupuloso do funcionário).

Aditamentos:
1) Como ilustração do significado de alguém «distinguido por posições anti-semitas» no glossário de um funcionário da literatura pode ver-se isto e isto.
2) Refira-se que me parece que a recondução de embaixadores políticos deriva essencialmente da confiança política, que se pode apresentar desvinculada de uma ética do dever ser. Não é isso que está em causa, apenas o conceito de consciência de um literato e a sua perspectiva sobre os deveres de um funcionário num caso em que se calhar que nem sequer se colocava verdadeiramente a necessidade de legitimar a substância do acto do poder.

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24 março 2010

 

O PEC em 1969, analisado por José Régio

Dizem que José Régio escreveu este soneto em 1969, depois de ler o orçamento, ou melhor, o PEC da altura.
Ouçamo-lo:

Surge Janeiro frio e pardacento,
Descem da serra os lobos ao povoado;
Assentam-se os fantoches em São Bento
E o Decreto da fome é aprovado.

Edita-se a novela do Orçamento;
Cresce a miséria ao povo amordaçado;
Mas os biltres do novo parlamento
Usufruem seis contos de ordenado.

E enquanto à fome o povo se estiola
Certo santo pupilo da Loyola,
Mistura de judeu e de vilão,

Também faz o pequeno "sacrifício"
De trinta contos - só! - por seu ofício
Receber, a bem dele... e da nação.

 

Lobbying e tráfico de influência

Nos idos anos 60 os ministros ingleses eram apanhados em escândalos sexuais. Ficou na história o "caso Profumo", que envolvia uns ministros metidos com umas jovenzinhas apetitosas.
Mas nos tempos que correm, os ministros ingleses já não correm atrás de meninas, mas antes das libras (eventualmente dólares). Descobriu-se agora que três ex-ministros (um deles conhecido, Geoff Hoon, que foi ministro da Defesa) ter-se-ão "disponibilizado" para "vender os seus serviços de influência" sobre membros do governo a uma empresa americana. Só que não havia empresa nenhuma, era uma armadilha da imprensa...
Talvez se possa dizer que se tratava de uma tentativa impossível e portanto não punível, não sei o que diz a lei inglesa sobre isso. Mas Gordon Brown cortou o mal pela raiz: não há irregularidades e nem sequer um inquérito parlamentar será aberto.
(Que dirá VPV a isto: ministros que se dispõem a vender a sua influência?)
Realmente eram melhores os tempos em que os ministros ingleses dirigiam a líbido para o sexo propriamente dito. Para o vil metal não é tão nobre...

 

A reforma do sistema de saúde nos EUA

Lendo os hossanas de Teresa de Sousa à reforma de saúde nos EUA, poderíamos ficar a pensar que a humanidade entrou numa nova fase da civilização...
Mas não é bem assim... Do que se trata é de uma reformazinha que pretende dar protecção sanitária a uma faixa ampla da população que não a tem. Enfim, uma aproximaçãozinha ao chamado "modelo social europeu", que tão caluniado tem sido...
Num país em que quando se fala de "direitos humanos" se fala apenas de direitos civis, a novidade tem algum alcance (interno). Interno apenas.
Enfim, Obama festeja, porque nada mais tem para festejar. Mas do lado de cá do Atlântico não há motivo para grande foguetório.

23 março 2010

 

Crime e castigo

Passo a publicar mais um texto enviado pelo colaborador do Sine Die Luís Eloy (que lhe atribuiu o título em epígrafe):

Saiu muito recentemente um excelente hors-série de parceria Le Figaro-Beaux Arts dedicado à exposição que está a decorrer em Paris, no museu d’ Orsay (16 de Março-27 de Junho), dedicada ao Crime e Castigo e ao fascínio que estes exerceram nos grandes artistas.
Balizada entre 1789 e 1981, duas datas bem simbólicas (a segunda a da abolição da pena de morte em França) a exposição foi inspirada pelo ex-ministro da justiça françês Robert Badinter, artesão da abolição da pena de morte em França (vale a pena ler o seu impressivo romance L` Execution de 1973) e muito ligado à história da justiça e à sua implementação.
A revista tem uma qualidade gráfica excepcional e os conteúdos não lhe ficam absolutamente nada atrás.
Uma grande entrevista com Badinter, artigos sobre o assassinato de Marat por Charlotte Corday, sobre o Pelletier de Saint-Fargeau, sobre Lombroso, sobre Alphonse Bertillon, sobre a relação dos artistas com a justiça (Daumier, Courber, Van Gogh, Egon Schiele) entre outros, fazem mitigar o lamento de quem não pode ir ver a exposição propriamente dita.
Trata-se, sem dúvida, da melhor revista que li nos últimos meses e que vale largamente os 8,60 euros que custa em Portugal.


Luís Eloy

22 março 2010

 

Solução (fácil) para o segredo de justiça

Andava para aí toda a gente a matutar na solução para as violações do segredo de justiça, colocando-se mesmo a hipótese de proceder a escutas de magistrados, quando afinal a solução é simples e infalível.
Vem dos States, pela mão do prof. Nuno Garoupa, da University of Illinois.
Diz ele: "Todos sabemos quem está na origem das violações, o procurador responsável pelo processo. Evidentemente que muitas vezes não é o procurador quem directamente viola o segredo de justiça, mas sobre ele cai a responsabilidade processual de o proteger." Portanto, pimba no procurador! (Desculpem esta linguagem pimba, que não é, porém, mais pimba que a solução...).
Portanto, já não são precisas as escutas. Está encontrado o responsável. É fácil. O procurador, tenha ou não tenha culpa, é o culpado.
É genial! Como não nos tínhamos lembrado ainda? Ah, mediocridade lusitana! Só quem sai desta pátria tacanha abre os olhos para a luz!

 

Inquéritos a governantes

VPV veio lamentar que o nosso PM não seja julgado em tribunal pela acusação de mentir perante o parlamento, mas apenas ouvido numa comissão parlamentar.
Na sua sábia opinião, se fosse em Inglaterra ou na "América", era o que sucederia.
Sabe-se que VPV é um velho lorde lusitano, ressabiado por nunca ter tido assento na britânica Câmara dos Lordes. Compreende-se o desgosto, mas isso não justifica a afirmação. Na verdade, como é hoje incontestável, mesmo para o próprio VPV, Bush mentiu perante o Congresso quanto às razões da invasão do Iraque e não foi sequer incomodado depois de sair da Casa Branca (trata hoje pacificamente das vacas no seu rancho do Texas). Blair, depois de mentir com todos os dentes, e mais alguns, no Parlamento inglês, sobre a mesma matéria, foi apenas "ouvido" como testemunha, ou coisa parecida, num inquérito parlamentar, que aliás aproveitou como palco para dar mais um espectáculo, como comediante que é (e sempre foi).
Portanto, neste caso, não há nenhuma especificidade portuguesa...

 

Combate sem tréguas nem quartel contra a corrupção

É de bom tom, é popular, é rentável politicamente, ser contra a corrupção. Todos são contra a corrupção (embora certos estudos não ratifiquem completamente esta ideia...).
Os partidos políticos são obviamente contra a corrupção. Todas as personalidades políticas, todos os comentadores, todos, enfim, os que têm acesso à palavra pública são enormes inimigos da corrupção. E indignam-se como ela por aí grassa, como há tolerância das instituições, como os tribunais são incapazes de a combater...
E então aparecem as propostas, todos querem aparecer como ferozes inimigos da corrupção, e avançam propostas drásticas (saber se são constitucionais é um mero pormenor, ou melhor, uma questão bizarra suscitada por alguns suspeitos colaboracionistas...).
É assim que aparecem o enriquecimento ilícito, que vai ganhando crescente credibilidade, o "crime urbanístico" (???), e por último a equiparação dos presentes a subornos... (cuidado, especialmente, com os relógios, os decantadores, os centros de mesa e as canetas)
A unanimidade está praticamente assegurada. É uma questão patriótica e unificadora das forças vivas da Nação.
Mas, se passar essa legislação de emergência, cá estarei para ver (e rir) quando aparecer o primeiro processo contra uma personalidade sonante...

19 março 2010

 

Debate interno II

Depois de ter colocado o último texto, ocorreu-me que o Dr. Mário Soares não capitaliza em seu proveito, apenas do ponto de vista simbólico, os seus apelos ao debate interno no PS. Ele é o «animal político» que fareja com acuidade as melhores oportunidades de intervenção para influenciar o partido, de que ainda se sente o «pai espiritual» e talvez mais do que isso: o velho líder com autoridade para provocar alguma “perturbação” nas hostes partidárias. Ora, no caso presente, muito embora ele possa sentir necessidade de discutir questões relacionadas com a recente política do governo (principalmente o PEC), à luz de alguns princípios basilares que devem enformar um partido que ainda se chama «socialista», cujo socialismo, é verdade, ele foi o primeiro a meter na gaveta, mas supostamente de forma transitória e sem abdicar dos seus mais emblemáticos princípios norteadores, há outras prementes questões que estão na ordem do dia. Questões que não são tanto de filosofia política e do partido, mas mais comezinhas, ao menos nos objectivos que possam estar por detrás. Refiro-me às eleições presidenciais, que já entraram nos preparatórios da corrida, com alguns candidatos em liça. Ora, Mário Soares quer resolver essa questão dentro do partido e sobretudo quer ver resolvida a questão do apoio à (para ele) espinhosa candidatura do seu ex-aliado Manuel Alegre.

17 março 2010

 

Debate interno

O Dr. Mário Soares chamou a atenção para a necessidade de debate interno dentro do PS e logo alguns militantes, conotados com a ala esquerda do partido, secundaram o ex-presidente da República. Foi como se tivessem acordado de um sono letárgico. É isso que é intrigante. Não terem eles próprios tomado a iniciativa. Porque, se há ausência de debate interno, a coisa é grave num partido cujo lema histórico é o de ser campeão das liberdades e cujo orgulho, insistentemente realçado, é o de ser um partido verdadeiramente pluralista, acolhendo fraternalmente diversas correntes de opinião. Mas então por que se não levantaram antes esses militantes que reconhecem haver carência de debate interno? Por é que só agora o fazem, timidamente e na sequência de um apelo de um velho e qualificado dirigente, que é, historicamente, o próprio rosto do PS ( ainda o é, penso, pelo menos simbolicamente)?
Há uma explicação: Mário Soares age como um senhor que nada teme, nem nada tem a perder. Antes pelo contrário: capitaliza em seu proveito (sempre simbólico) o gesto soberano de reivindicar o debate interno para o seu velho partido, tão desfigurado e tão arredado já de qualquer veleidade socialista. Ao contrário dele, os militantes em exercício, políticos que, na maior parte, não sabem, nem têm possibilidade de viver fora da política activa ou sem ser à sombra do partido, têm medo de perder o lugar.
Se esta hipótese tiver alguma verosimilhança, é caso para dizer que o PS precisa mesmo de ser renovado.

 

Suas Eminências

Há umas certas eminências em Portugal que proclamam constantemente a necessidade de fortes medidas de contenção e austeridade. O PEC está nessa linha, mas as medidas, para muitas dessas eminências, ainda são escassas. Seria preciso ir mais fundo e mais longe. Porém, essas eminências pregam escudadas na largueza confortável dos seus rendimentos. Implicitamente tomam-se como talentos, cuja preciosidade e excepcionalidade tem de ser avaliada segundo os altos padrões de que se julgam credoras. Quando desbobinam as suas teorias, pressente-se uma zona de sombra ou de confusa explicação. Solicitadas a concretizarem certos pontos nebulosos, acaba-se por se perceber as suas opções, por entre contorcionismos verbais. Uma coisa é certa: essas opções põem sempre a salvo, com vários subterfúgios, as suas opulentas benesses em empresas públicas, que acrescem aos seus escandalosos vencimentos, os quais somam mais, num ano, do que o vencimento de uma vida inteira de um trabalhador normal por conta de outrem. E para elas não é lícito mudar as regras do jogo “a meio do campeonato”. Para além disso, é preciso não assustar os investidores. E não afugentar os talentos para países onde há menor carga fiscal. (Vejam-se as declarações de Eduardo Catroga no telejornal do Canal 2 de segunda-feira passada). Por conseguinte, por exclusão de partes, já se sabe quem são as pessoas e classes fadadas para aguentarem com os sacrifícios da crise.

15 março 2010

 

O que é "censura prévia"?

Começou bem o provedor do "Público", ao criticar a manchete do jornal de 12.2.2010, que falava de "censura prévia" a propósito da decisão da providência cautelar intentada contra o "Sol". Afirma ele: "do ponto de vista do rigor jornalístico, uma providência cautelar aceite por um juiz não é, de modo algum, censura prévia".
Absolutamente exemplar esta afirmação, que até seria desnecessária se o rigor não tivesse deixado de ser uma característica do nosso jornalismo, nomeadamente das manchetes.
Não está em causa o direito de criticar as decisões judiciais que decretam providências cautelares sobre apreensão de publicações (houve outra também discutível, no caso da menina inglesa). Mas, em caso algum são censura. Quem viveu no tempo da "outra senhora" sabe bem distinguir. Os mais novos não saberão (para seu bem) por experiência própria. Mas devem aprendê-lo por outros meios: pela formação, pela cultura.
Rigor, é o que se espera de um jornal "de referência". O novo provedor do "Público" envereda pelo caminho certo.

 

Fiscalização restrita

O PR pediu ao TC a fiscalização da constitucionalidade da lei do casamento homossexual. Tem o seu direito. E, embora eu não tenha dúvidas (de que não é inconstitucional o dito casamento), aceito que o PR as tenha, até porque a questão foi controvertida na AR e é controversa na sociedade.
O que me parece estranho é que o PR tenha excluído do seu pedido de fiscalização a norma que exclui o direito à adopção. É que, embora aí eu também não tenha dúvidas (igualmente de que não é inconstitucional), acho que o PR, ainda que as não tenha, tivesse incluído essa norma, em nome daqueles muitos que a acham inconstitucional.
É ou não o PR de todos os portugueses?
Acho também que um parecer do prof. Freitas do Amaral não irá impressionar muito o TC... É que ele ultimamente escreve um pouco sobre tudo: direito desportivo, direito penal, agora direito da família... É eclectismo a mais para um professor.

14 março 2010

 

Citações

«O horror consiste precisamente no facto de estes acontecimentos tenebrosos quase deixarem de ser horríveis para nós. É disso que é preciso ter medo, do nosso hábito e não do crime concreto deste ou doutro indivíduo. Em que residem as causas da nossa indiferença, da nossa atitude, que não passa de uma morna atitude para com estes sinais do tempo que nos profetizam um futuro pouco invejável?»
(Dostoiévski, Os Irmãos Karamázov, Parte IV, Livro 12, Cap. 6).


«Um trabalhador por conta de outrem trabalha, na verdade, por conta de dois, digamos, outrens: por conta do empregador e por conta do Estado. São os trabalhadores, e não as empresas e os bancos, os grandes «criadores de riqueza». Criam a riqueza dos patrões e a do Estado, que depois toma essa parte da riqueza e a devolve às empresas e aos bancos, sob a forma de nacionalização do que for prejuízo e privatização do que der lucro.»
(Ricardo Araújo Pereira, Visão – 11 a 17/3/2010)


«A política fiscal é (…) clara: as pessoas que ganham menos do que eu pagam menos impostos do que eu; a generalidade das que ganham mais também pagam menos impostos do que eu.»
(idem, ibidem)

 

Agora os sinos tocam a rebate

O drama do jovem estudante de Mirandela que se lançou às águas do rio Tua, onde veio a desaparecer como consequência, ao que se diz, da prática do “bullying” (mais um estrangeirismo abominável, que parece que quer dizer “sevícias”, tanto morais como físicas), por parte dos colegas, tem sido notícia diária nos meios de comunicação social. No seu seguimento, outros casos vão aflorando à tona da realidade, depois de terem passado despercebidos no meio da indiferença dos casos banais que não merecem notícia. É o caso agora dado à luz, ou pelo menos “repescado” com outro relevo e outro significado, granjeado pelo alarme que aquele suscitou, do professor de Sintra, que se atirou ao Tejo da ponte “25 de Abril”. É sempre assim: se um caso chocante aparece sob os holofotes da comunicação social, outros são redescobertos por arrastamento, como se encadeados numa série que adquire um sentido estruturante. É o “bullying” – a nova moda bárbara. No caso do professor, também se pretende, bem ou mal, associar ao “bullying” o seu suicídio, o que significaria que essa prática de violência física e psicológica exercida nos meios juvenis se converteria num sintoma mais vasto: a falta de disciplina e de autoridade, o caos escolar.
Três observações:
1 - A violência escolar, como sinal específico de uma violência mais vasta que atravessa a nossa sociedade, constituindo uma forma de cultura que assinala muito da nossa vivência contemporânea, tem vindo a acentuar-se de uma forma preocupante de há uns anos a esta parte, a começar por esses estúpidos e crassos rituais da praxe académica, que têm grassado como epidemia por todo o lado, e à sombra dos quais se têm cometido as mais nefandas atrocidades, com a complacência de muitos responsáveis. Mas não só: também a violência para com professores, como consequência da degradação do ensino, da falta de autoridade (não digo autoritarismo), da permissividade e da condescendência com práticas de prepotência, num errado entendimento da “tolerância democrática”. Passou-se, literalmente do “totalitarismo” escolar, como eu o conheci, para a anarquia total.
2 - A violência exerce-se predominantemente contra os mais fracos, que, justamente por isso, deviam merecer mais protecção. Isso foi de sempre. O ser humano sempre se comprazeu em espezinhar os mais débeis (não só os seus semelhantes, mas também outros seres mais expostos à fereza dos seus instintos animalescos). Quer no caso do jovem de Mirandela, quer no caso do professor, tratava-se de pessoas “frágeis”, ao que se pode colher de informações disponíveis. Esse desforço sobre os mais fracos sempre foi abjecto; fazer dessa abjecção um “desporto”, uma prática ou uma “moda” eis o que há de mais intolerável, porque aí reside a raiz do que de mais hediondo se praticou ao longo dos tempos.
3 - É lamentável que em Portugal seja preciso que os desastres aconteçam, e estes dramas de desespero gritem a sua exasperação para que, finalmente, se tomem medidas.

13 março 2010

 

A alma Lusa


Em bom rigor não era preciso um estudo. Todas as pessoas de bem o intuíam. Mas agora, para todos os efeitos científicos, somos uns tristes. Os portugueses são, por rectas contas, consequencialistas puros: para os autóctones o único padrão da ética é o resultado das nossas acções. Por isso, não vem mal ao Mundo se em decorrência de uma corrupçãozita vier mais uma rotunda com umas palmeiras, um campo de bola sintético ou até mesmo um micro-ondas. Não admira, pois, que o mesmo povo que diária e religiosamente brame contra a Justiça eleja um autarca condenado a 7 anos de prisão por corrupção e malfeitorias afins (diz que é por vias da presunção da inocência, que parece aplicar-se, agora, às questões políticas…). Nos países decentes, nos países em que as pessoas se lavam, essas coisas não sucedem. Depois, o problema é a Justiça…

(*) Imagem retirada de http://carloslaranjeiracartoon.blogspot.com

11 março 2010

 

Nothing for the boys

No jobs for the boys,
no money for the boys,
no kids for the boys,
no girls for the boys,
no boys for the boys!

(Anonym)

 

Às avessas

Depois do vírus da gripe suína, outro vírus fez a sua arremetida durante o passado fim-de-semana: o da contaminação política do Ministério Público. O caso ia descambando para um surto epidémico de grande espectro, ameaçando alastrar-se em vagas de febre e altas temperaturas de confronto institucional, mas, ao que parece, tudo não passou de mal-entendido e de mero deslize verbal, acabando a anunciada contaminação por se desvanecer, sem mesmo ser necessário fazer qualquer campanha de prevenção e vacinação.

Afinal, o atentado ao Estado de Direito democrático, a partir de uma estratégia de domínio de órgãos da comunicação social e em que estariam envolvidas personalidades influentes, incluindo o primeiro-ministro – atentado esse que resultaria, segundo uma certa leitura, de vários indícios do processo “Face Oculta” -, parece que virou em tentativa de destituição ilegítima do primeiro-ministro por parte dos magistrados, quer do Ministério Público, quer da judicatura, que, assim, pretenderiam vingar-se de algumas regalias que perderam, por força da política do governo de atacar os privilégios dessas corporações. Assim se teria virado o feitiço contra o feiticeiro, como se costuma dizer.

“Estou à procura de Portugal”, disse Alberto João Jardim, fantasiado, no Carnaval madeirense, de Vasco da Gama. E a verdade é que, por força dos trágicos acontecimentos que enlutaram a Madeira, Jardim acabou mesmo por encontrar o Continente num grande abraço de solidariedade, que até prescindiu da discussão, que se previa renhida, da lei das finanças regionais. Ao mesmo tempo, parece que se esqueceram erros que terão sido cometidos nas obras de urbanização do Funchal e que terão contribuído para o desfecho trágico, isto, evidentemente, a dar ouvidos a certas línguas viperinas, que serão, certamente, de “cubanos” impenitentes. O que é certo é que o “machado de guerra foi enterrado” e que o Sr.Pinto de Sousa passou a ser o Sr. primeiro-ministro de Portugal, incluindo da Ilha da Madeira.

Sousa Tavares, que tem, inegavelmente, desembaraço de escrita e veia polémica, tem também as suas fixações maníacas. Uma delas é o Ministério Público. Desta vez, na sua habitual crónica no “Expresso”, disse que, por ele, a autonomia do Ministério Público acabava de imediato. Podia ter ido um pouquinho mais longe na insinuação e postulado a submissão do Ministério Público ao poder executivo, com a prévia revisão da Constituição nesse âmbito. E já agora (por que não?), a proscrição da independência dos tribunais. Seria um trabalho completo.

Aí está o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC). Quem vai pagar fundamentalmente a crise já se sabe que não é quem tem mais responsabilidades nela. São os pagadores de sempre. Isto não constitui novidade para ninguém. Basta ouvir o que dizem e ler o que escrevem os entendidos. A novidade está em o governo conseguir aumentar a receita fiscal sem aumentar os impostos, cumprindo assim a sua promessa eleitoral. A habilidade é muito simples: em vez de se aumentar a taxa do imposto, subtrai-se nas isenções e nos benefícios. Ou seja, paga-se mais imposto, mas a taxa é a mesma. Vão-nos aos bolsos e tiram-nos mais dinheiro, mas sem assumirem que o fazem. E como se não déssemos por isso!

10 março 2010

 

O Facebook, Pétain e a história

Junta-se texto do Luís Eloy habitual colaborador do Sine Die, com o título em epígrafe:

Uma pequena rua de Milltown, New Jersey foi denominada, em 1920, Petain Avenue.
Mas, na sequência de um protesto individual sobre a continuação do aludido nome, gerou-se um movimento no facebook denominada “Change Pétain Street”, apresentando a fotografia do célebre cumprimento do Marechal a Adolf Hitler, defendendo que mudar de nome seria “fazer o que está certo”.
Obrigado a tomar posição, o Conselho Municipal local pronunciou-se, por unanimidade, contra essa intenção, correspondendo ao sentir dos seus habitantes, alguns dos quais tinham nascido e crescido na rua com aquele nome.
E a seu favor tiveram o testemunho do mais conhecido historiador do regime de Vichy, Robert Paxton (pioneiro da nova investigação histórica desse regime com o seu La France de Vichy de 1973).
O retirado professor da Universidade de Columbia pronunciou-se a favor da manutenção do nome esclarecendo a sua visão de Pétain: “I don’t see him as a profoundly wicked man, but a deeply misguided one. His priority was to get along with the Germans, and as a result he got dragged in deeper and deeper. He was an accomplice, not an instigator”.
E, depois considerou ser mais importante perceber e recordar as razões da queda de Pétain da glória para a infâmia (de herói na I Guerra Mundial para vilão na II) do que apagar o seu nome. E com o brilho dos grandes historiadores rematou “His story is so much a part of the way history unfolds. I don’t think obliterating it adds to our understanding in any way”.
Esta interessante discussão, globalmente difundida pelo New York Times do passado dia 7 de Março, em torno de um nome de uma recôndita rua, de uma pequena cidade dos Estados Unidos é bem merecedora de reflexão: sobre o fenómeno emergente das redes sociais, sobre a memória e sobre a importância da história como esquema social estruturante.


Luís Eloy

09 março 2010

 

Mais bullying

Mas um certo Secretário de Estado (da área da Justiça) parece que não quer ficar atrás do seu ex-rival em matéria de bullying, e manda aquela da "contaminação" do MP...
Bem, agora já disse que não é bem aquilo que disse...
Mas nestas coisas é preciso cuidado, um membro do Governo não pode falar em público como se estivesse no café. Aliás, em Lisboa já nem há cafés.

 

Aveiro: onde fica?

Desde quando Aveiro fica no "interior"?
Há aqui um problema de geografia, pelo menos (se fosse só esse...).

08 março 2010

 

O bullying do dr. Pinto

Já estávamos habituados ao bullying doméstico do dr. Pinto. Eis que agora se meteu à internacionalização do ridículo. Em entrevista a uma publicação brasileira sobre o sistema judicial da sua pátria não teve escrúpulo em afirmar, por três vezes, que o Estado português é “terrorista” e que os “magistrados (…) têm cultura de Estado totalitário”(*). A mais disso, os torquemadas indígenas têm ainda “relutância” (sic) em relação aos advogados.

Por entre outras catilinárias de taxista, insurge-se ainda contra um certo “jovem juiz”, ainda por cima “de uma cidade do interior” (é mais fácil apanhar um preconceituoso do que um coxo…), que – summa iniuria! - escutou gente de consequência, amiga do nosso PM. Só mesmo num Estado totalitário e, a mais disso, terrorista!

O dr. Pinto espanta pela sua absoluta falta de vergonha; incomoda por nos envergonhar a todos.

(*) É claro que o dr. Pinto tem especial legitimidade para falar destas coisas, correntes entre nós, do totalitarismo e do terrorismo de Estado. No fim de contas, como ele mesmo explica, ainda jovem já o dr. Pinto se batia “pelo Direito”, foi “dirigente da Associação Académica de Coimbra no tempo da ditadura” e, sobretudo – isto nunca falha: uma vez no currículo funciona como uma espécie de estado de necessidade susceptível de, por alquimia, irrelevar qualquer desmando – esteve “preso pela polícia jurídica” (sic.).

06 março 2010

 

Os 20 anos do "Público"

O "Público" fez 20 anos, idade bonita. O "Público" é o meu jornal, melhor dito, o jornal que leio preferencialmente.
Dito isto, há ainda outras coisas para dizer.
O "Público" começou bem, pelas mãos de Vicente Jorge Silva e da equipa que formou. Era um jornal aberto, pluralista, além de bem feito e atractivo.
Depois, melhor, no consulado de José Manuel Fernandes, e sobretudo a partir da chegada de Bush ao poder, é que foi o diabo. Foram anos de doutrinação neo-conservadora e de alinhamento cerrado com a política externa americana (por vezes, os editoriais do director pareciam um boletim da embaixada dos EUA, outras vezes da de Israel). A dose de doutrina foi tão elevada que enjoou toda a gente. No plano interno, também suscitaram dúvidas certas "campanhas" do jornal, tendo inclusivamente o último provedor questionado a eventual existência de uma "agenda oculta"...
Enfim, anos negros...
A renovação era necessária e ela veio. Mas, bem vistas as coisas, não sei se veio... A nova directora dirige de facto? A presença de José Manuel Fernandes, agora formalmente apenas como "colunista" (um colunista de página inteira...), projecta uma grande sombra sobre a orientação do jornal.
Mas o mais interessante da edição comemorativa de ontem foi o artigo do "comendador" (agora "chairman") da Sonae. Todo palavras doces para o dito ex-director. Todo empenhado na liberdade de imprensa, mesmo perdendo dinheiro com o jornal.
Fico de facto sempre com os olhos marejados de lágrimas quando vejo um cavaleiro da indústria ou da finança empenhado em acções altruístas, fazendo o bem pelo bem, sem pedir a quem. Um mecenato empenhado na cidadania e no contributo cívico, nas próprias palavras do cavaleiro! Sem certeza, nem sequer procura, de retorno!
São estas acções que nos reconciliam com a natureza humana!

 

Bullying (2)

Vendo o exemplo indicado pelo Pedro Soares de Albergaria, constato que efectivamente no meu tempo não havia tal coisa. É mesmo um fenómeno recente. Mas será duradouro?

 
Mais um caso de bullying ...

05 março 2010

 

Bullying

Sobre este fenómeno escolar, agora muito divulgado, eu gostaria de saber o seguinte:
O dito fenómeno já existia em Portugal antes de esta arrevezada palavra aqui ser introduzida?
Se sim, como se chamava então?
É para eu saber se no meu tempo fui vítima, ou agressor...

04 março 2010

 

Desprotecção de crianças e jovens

Aqui está quase tudo, pelo menos sobre a dimensão jurídico-institucional, de uma estória que nos devia envergonhar (além de revelar o real que está para além, e por trás, dos discursos).

 

As pressões sobre a comunicação social

Num debate da Antena 1, ontem, dia 3, sobre a temática das pressões de vários poderes e entidades sobre os órgãos de comunicação social, um dos intervenientes mostrou a sua indignação relativamente ao facto de muitos jornalistas e responsáveis dessa área minimizarem essas pressões com a alegação de que “pressões sempre as houve; os jornalistas é que têm de saber resistir-lhes.” Ajuntava esse interveniente que tal é inadmissível e podia conduzir a uma generalizada desculpabilização e até inversão de valores, pois também se poderia dizer que, em muitos crimes, a vítima é que não soube resistir ao criminoso, deixando-se apanhar.
Concordo, de uma forma geral, com essa argumentação e comungo dessa indignação.
Com efeito, vai fazendo carreira a ideia de que, por usuais, as pressões sobre a comunicação social devem ser tidas como banais, deslocando-se ao mesmo tempo o pólo da ilegitimidade da acção para o da resistência que se lhe deve opor e culpabilizando-se quem não seja capaz de o fazer ou de o fazer de forma eficaz.
É esta uma ideia completamente inaceitável. Sem embargo de dever resistir a pressões, em nome da independência, da isenção e da objectividade requeridas a quem tem o múnus de informar, as situações referidas, ao menos quando revistam alguma gravidade, devem ser denunciadas. É que a coragem não está só no resistir, mas também no denunciar.
É certo que, em muitos casos, a denúncia é difícil ou até praticamente impossível, por a pressão ter sido feita em circunstâncias tais que inibem o visado de a denunciar, por falta de prova ou por qualquer outra razão, mas que se não banalizem ou branqueiem estas situações.

 

Os professores (de direito) na arena

Só faltava esta: assistir à formação de duas alas opostas de professores catedráticos (ou lá perto) confrontando-se na arena (política) com argumentos falsamente jurídicos, cada uma defendendo a sua "dama" (oculta).
Haja contenção e rigor! Já que não querem saber da imagem da justiça, que manifestamente não prezam, que pensem na imagem da universidade.

 

A Madeira e o Rectângulo

Podemos estar seguros de que nos próximos dois ou três anos o continente será muito querido entre a classe dirigente da Madeira. Deixará de ser o "rectângulo" e deixará de ser habitado por "cubanos". Todos e quaisquer continentais serão bem vindos na Madeira, sobretudo se recheados de euros.
Depois de se fecharem as torneiras, o continente voltará a ser um rectângulo povoado por cubanos.
Entretanto, o Grande Chefe admitiu sacrificar-se a recandidatar-se a mais um (só um?) mandato. Quem lhe recusará o sacrifício?

03 março 2010

 

Pequena nota sobre comissões de inquéritos parlamentares e mentiras



Aqui no Sine Die as comissões de inquérito parlamentar, por força da intensa actividade da Assembleia nesse domínio, já suscitaram alguns textos, nomeadamente três (1, 2 e 3) de Maia Costa, este do José Mouraz, e ainda este e este meus.

Esta pequena nota visa apenas um ponto que, dada a actual força da doutrina da ética republicana cingida à lei, talvez importe lembrar agora que se prepara uma nova comissão de inquérito parlamentar e tanto se fala de verdade: À luz da legislação aprovada pelo parlamento, é legítima a interpretação segundo a qual mentir em audição de inquérito parlamentar não constitui um ilícito penal (atenta, nomeadamente, a redacção dos arts. 17.º e 19.º da Lei dos Inquéritos Parlamentares e os arts. 359.º e 360.º, do Código Penal).

PS: Importa ainda relembrar que seguindo a doutrina de um recente presidente de comissão parlamentar, que então não era de inquérito, por vezes há deputados que não podem «corresponder porque já deviam ter as suas coisas organizadas de outro modo». Talvez também seja esse o motivo (a capacidade de corresponder) que explica flutuações doutrinárias de alguns deputados sobre a legitimidade e âmbito dos inquéritos parlamentares.

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