28 dezembro 2009

 

Nem tudo está podre no Reino da Dinamarca

Reflexões à porta de um novo ano ou de como felizmente se revela ultrapassado o famoso dito de Marcelo em «Hamlet», essa grande tragédia da autoria do maior génio que escreveu na nossa gloriosa língua: Something is rotten in the state of Denmark.


Países de todo o mundo estiveram recentemente reunidos, durante duas longas semanas, em conclave, no Reino da Dinamarca, com o pretexto de encontrarem soluções para o que se vem apelidando de «aquecimento global». Mudanças climáticas, por força do aumento geral da temperatura no orbe terráqueo, atribuído aos chamados «gases de estufa» (os gases que são lançados para a atmosfera, em consequência da acelerada industrialização da nossa era e que, segundo dizem, destroem a «camada de ozono», que nos protege da crua incidência dos raios solares) têm preocupado algumas mentes de indivíduos e organizações alarmistas. O futuro traçado por esses indivíduos e organizações, que se armam de uma amedrontadora prosápia científica, é apresentado com proporções verdadeiramente catastróficas: derretimento de gelos polares, aumento do nível dos mares, que invadiriam áreas populacionais, que seriam sorvidas na voragem, desaparecimento de certas espécies animais, por efeito da destruição dos seus habitats, desaparecimento, a prazo, do próprio homem, liquidação, em último termo, do nosso belo planeta. Medonho cenário, hein?
Apraz-me, contudo, registar que o conclave deixou tudo na mesma. Ainda bem, caros concidadãos do mundo inteiro. É que a visão aterrorizadora que os ditos indivíduos e organizações crismados de «ambientalistas» (outro termo novo para justificar uma causa sem nexo) nos dão do futuro não passa de mistificação e de lamentável embuste. Se não vejamos. Tivemos nestes últimos decénios um ligeiro aumento da temperatura, o que até é um bem, não um mal, dado que ninguém gosta de tiritar de frio. Que o digam os naturais do nosso reino, se não se sentem melhor com um pequeno acréscimo de calor, sobretudo no pino do inverno, em que há tanta pobre gente regelada, sem lenha nem fogões que a aqueça. E então que dizer de povos de reinos mais frios, onde se verifica anualmente um grande morticínio provocado pelas baixas temperaturas!
O que é certo é que os tais indivíduos e organizações aproveitaram logo para extraírem consequências terríficas do designado “aquecimento global” e para poluírem as mentes de tanta gente incauta com as suas fantasmagorias, propalando que, a prazo, se nada for feito, a Terra (a «Mãe Terra», como eles dizem na sua linguagem sentimental) vai dar um estouro e nós com ele. Oh pobres visionários! Oh Cavaleiros do Apocalipse! Como se houvesse uma relação cientificamente provada entre estes fenómenos e as consequências catastróficas que eles visionam!
Mas nada nos garante com a certeza das verdades científicas que o chamado “aquecimento global” seja devido a qualquer acção do homem sobre a natureza. É ver como surgem agora tantos cientistas com dúvidas sobre as causas do fenómeno, se fenómeno é. A tal propósito, tem-se falado mesmo em manipulação de dados científicos por parte de muitos desses anunciadores do fim do mundo, que assim pretenderiam forçar o conseguimento dos seus objectivos.
De modo que, mesmo pondo de lado a congeminação de uma criminosa trapaça, como aconteceu recentemente noutros domínios em que se falsificaram dados da realidade para desencadear guerras extremamente mortíferas, a verdade é que existe uma impossibilidade de se obter uma certeza quanto à causa dos referidos «fenómenos». Ora, nessa ausência de certeza, devemos continuar a agir como até aqui, ou seja, devemos continuar na senda do radioso Progresso, porque este é o único bem que temos como certo. É ele que nos proporciona conforto, bem-estar material, riqueza e essa incontável soma de objectos de todas as espécies, que são produzidos, uns para satisfação de necessidades básicas, outros (a maior parte), para gáudio das nossas existências e sem os quais o nosso mundo não seria justo nem razoável. Se não fosse o Progresso, ainda não tínhamos saído da idade da pedra lascada e rasparíamos uma pedra na outra para obtermos uma chispa de lume, em vez de termos a portentosa iluminação que transforma a noite em dia nas nossas cidades.
Os Cavaleiros do Apocalipse do nosso tempo o que pretendem é inverter toda a caminhada do homem até aqui e meter-nos a todos, outra vez, dentro das cavernas que abrigaram os nossos antepassados mais remotos. Como está à vista de toda a gente, esses profetas da desgraça, que os tem havido em todos os tempos, não passam de uma minoria. Uma minoria algo ruidosa, é certo, mas que se alimenta de pesadelos mórbidos.
Ainda bem que, no conclave de Copenhague, ninguém lhes deu importância. Nem os soberanos dos grandes países desenvolvidos, acusados de lançarem para a atmosfera, com a sua indústria poluente, a maior quantidade de «gases de estufa»; nem os dos países em desenvolvimento, que também se acham, como é natural, no direito de emitirem os seus, para igualarem os países desenvolvidos; nem, finalmente, os dos países pobres, que se queixam, com razão, de os quererem marginalizar e evitar que eles próprios cheguem ao Progresso.
O conclave de Copenhague foi, assim, uma grande vitória do Progresso e um estrondoso fracasso dos Cavaleiros do Apocalipse. Nem se percebe bem a razão de esse conclave ter existido, a não ser por uma questão de as nações quererem afectar escrúpulo e condescendência com as dúvidas que têm sido lançadas sobre o dito «aquecimento global», que, no fundo, até ver, até tem trazido vantagens. Vantagens não só relativamente à necessidade de afugentar o enregelamento de muitos povos e nações, como também quanto às possibilidades que abre de novos empreendimentos lucrativos. Refiro-me às explorações dos miríficos «combustíveis fósseis», nomeadamente do chamado «ouro negro», prevendo-se que alguns deles possam vir a ser explorados à volta do Círculo Polar Ártico, em zonas que se prevê venham a ser acessíveis, a breve prazo, graças ao tão denegrido degelo. Vários povos já desenham nos mapas, com entusiasmo, essas inesperadas vias de acesso e já se digladiam, com um salutar espírito de concorrência, sobre a quem competirá explorá-las. Jurisconsultos de variegadas partes do mundo terão aqui, certamente, uma nova oportunidade para desenvolverem o fecundo ramo do direito internacional público (o ditoso ius gentium).
Quanto ao futuro, mesmo que fosse de levar a sério as teses dos apocalípticos bandos protestatários, o futuro … (digamo-lo sem medo) não existe, tal como não existe o passado. Só o presente nos toca. Só o presente nos interessa. Acaso nos devemos preocupar com o que já se foi ou com o longínquo amanhã?
E quem nos diz a nós que o inesgotável engenho humano não há-de inventar novos mundos, a tempo de as gerações futuras se porem a safo de qualquer hipotética catástrofe e mandarem, de dentro de um desses mundos recém-descobertos, uma fortíssima gargalhada à espectacular destruição do velho planeta?

Jonathan Swift
(1665 – 1745)





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