27 junho 2009

 

Carta a um correligionário

Ou de como sabere extrair as lições necessárias e adequadas dos momentos de crise, quando os ventos parecem soprar contra nós.


Meu prezado Amigo:

Permita-me que lhe fale hoje das vantagens que muitas vezes advêm para a causa da democracia e do progresso dos chamados «desaires eleitorias». Parece um paradoxo isto que afirmo ou uma bricadeira de mau gosto, sobretudo por estar relacionado a perda considerável sofrida pelo nosso partido no último escrutínio. Só o é, por+em, na aparência.
É certo que sofremos uma derrota, mas considere o meu prezado Amigo os efeitos benéficos que temos vindo a averbar, ganhando ânimo novo para as próximas pugnas eleitorias que se avizinham e para a causa dos nossos ideais.
O nosso partido é o único partido transformacionista que meteu ombros à tarefa de reformar a sociedade pela abilição dos privilégios das corporações que entravam o progresso. As corporações são, como sabe, o principal obstáculo oriundo da velha sociedade que importa destruir. Os interesses corporativos têm constituído, na verdade, um sério bloqueio ao desenvolvimento da nova sociedade que pretendemos implantar, assente numa economia de mudança, uma nova ordem económica, que tenha o mercado como principal fonte de progresso e da riqueza das Nações. Ora, o desejo de fazer muito e depressa fez com que o nosso partido se atirasse com sanha a todas as corporações antigas dos diversos mesteres: a corporação dos funcionários públicos, defendendo privilégios do "ancien régime"; a dos professores, apegados a métodos caducos da velha sociedade, que não se coadunam com os nossos objectivos de estancar a m+a educação e a deficiência de instrução, tão necessários para a qualificação da mão-de-obra que pretendemos; a dos juízes e prossecutors, que vivem entrincheirados na seus puídos trajes profissionais e já tentaram acusar alguns de nós de promoverem a pilhagem das criancinhas dos internatos, para servirem de manjar aos prazeres sensuais dos ricos e assim se aliviarem as instituições do seu pesado encargo, lendo mal-intrencionadamente uma proposta que em tempos apresentei (não sei se o meu prezado Amigo se recorda... Chamava-se «Modesta Proposta - para obstar a que os filhos dos pobres constituam um encargo para os pais ou o País e para os tornar úteis ao público»); a dos trabalhadores em geral, que se coligam em velhas associações de mesteirais (os temíveis sindicatos) para defenderem "direitos adquiridos", que constituem núcleos inflexíveis de resistência à mudança, à implementação de novas leis do trabalho e ao novo espírito da classe dos empreendedores.
O nosso governo e, em particular, o Ministro-mor, têm agido sob o impulso deste enorme desejo de mudança, cortando cerce nos velhos privilégios das classes que se têm encarniçado contra o progresso e entupido o caminho do futuro - uma sociedade aberta, de livre mercado e de livre empreendimento, onde os "direitos adquiridos" à sombra das antigas corporações não façam obstáculo aos novos ideais. Porém, nós próprios confundimos muitas vezes esse impulso de mudança com vontade férrea, inflexível, se não mesmo autoritária, o que é compreensível do ponto de vista de que pretende a mutação rápida das coisas, mas que se pode tornar fatal pelas resistências que ocasiona. E assim o que vimos? As classes atingidas revoltarem-se, não só pela perda dos privilégios, mas pela obstinação do governo em desprezar os seus lamentos e protestos.
Erro fatal. Erro hist+orico, porque nós sabemos que, apesar de a razão não estar do seu lado e de a tendência da História ser a de varrer essas classes do tablado (de contrário, elas varrer-nos-ão a nós), a táctica impõe todo um outro estilo de comportamento. Foi esse erro fatal o responsável pela derrota qie sofremos nas recentes eleições para a Confederação Europeia dos Países do Progresso, pois todas as corporações contra as quais temos manifestado a nossa hostilidade (bem entendido, em nome da instauração da nova sociedade) cologaram-se contra nós, votando nos partidos que nos são opostos (e todos o ssão), os quais, como é sabido, lutam contra nós, enquanto nós lutamos pelo progresso social.
Porém, deste nosso desaire resultou, para já, uma consequência positiva importantíssima: um exame autocrítico, como é próprio dos partidos que constantemente revêem a sua táctica, em função dos objectivos transformacionistas que se pretendem atingir. Assim é que os mais fecundos pensadores da nnossa causa chegaram à conclusão de que as profundas transformações de que o nosso Reino carece não podem ser alcançadas com uma política de hostilização e de confronto. É preciso atrair para o nosso lado o povo em geral, levando-o não só às urnas, de que anda arredio, por indiferença ou descontentamento, mas também a votar em nós, visto que somos o único partido que defende os seus interesses. E, quanto às corporações de mesteirais, é preciso, pelo menos, evitar a sua hostilização, de modo a não assustá-las com a nossa política de abolição de privilégios. Neste sentido, caiu muito bem no vulgo a declaração de humildade democrática do chefe do nosso partido, o reconhecimento dos erros passados e a afirmação da necessidade de diálogo com todas as forças. EE também o diálogo no interior do próprio partido, como o têm reclamado muitos dos nossos correligionários, até aqui muito propensos ao silêncio e a dizerem ámen com o chefe, mas agora dispostos a marcarem presença, alentados com a situação de crise que se gerou, pois as crises e os desaires favorecem a loquacidade a crítica transformadoras. Assim é que eu penso, meu prezado oAmigo que nem todas as derrotas são negativas. Esta não o foi, como iremos ter oportunidade de ver muito proximamente.
O meu prezado Amigo mo há-de confirmar dentro em breve.
Ânimo, pois! Em frente com a Nossa Causa Imorredoura!

Saudações Correligionárias do Seu

Jonathan Swift
(1665 - 1745)





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