30 junho 2009

 

"Atravessamos tempos de incerteza"

O notabilíssimo discurso proferido no dia 25 passado pelo Cons. Henriques Gaspar na sua posse como Vice-Presidente reeleito do STJ merece ser lido e meditado, pelos "de dentro" e pelos "de fora".
Não foi um "texto de circunstância", foi uma reflexão profunda sobre a circunstância que vivemos.
Aqui vai o texto integral. Lê-lo não é perder tempo. E como seria bom que tantos plumitivos que diariamente, ou quase, peroram sobre a justiça o lessem...
Claro que isso seria pedir muito.

Senhor Presidente,
Senhores Conselheiros,
Senhoras e Senhores:


Atravessamos tempos de incertezas.
A força do efémero, a incapacidade de prever e dominar os golpes do destino, o sentimento de solidão perante o infortúnio individual e a privatização acrescida das dificuldades, com cada um entregue a si mesmo, produzem intranquilidades e adensam os medos.
A insegurança do presente e do futuro toma conta do quotidiano das pessoas, tornando intimidativa a tarefa de gestão dos medos – da inadequação, do desemprego, dos riscos insuportáveis da pobreza (nova ou velha), o medo da humilhação e da exclusão.
A angústia pelo temor da retracção das protecções do Estado social, como construção típica da «modernidade sólida», transformou o presente em «presente líquido» (Zygmunt Bauman).
Hoje, as democracias têm de saber fazer a gestão da complexa insegurança moderna – feita muito de insegurança existencial e de medos difusos e endémicos.
No «presente líquido», prenhe de crises, desaguou, dizem que sem aviso, a crise financeira de Outubro passado, com todas as pesadas consequências na economia e na vida de quase todos.
Crise que se apresentou com a marca do caos.
Do caos financeiro em que, como escrevia Denis Muzet no “Nouvel Observateur” de 8 de Janeiro, «a aparente irrealidade dos factos, a sua origem misteriosa, o carácter virtual dos actores e o montante astronómico das somas – as perdidas como as comprometidas em socorro de instituições financeiras – confundem os espíritos, ultrapassam a razão e acrescentam uma dose suplementar de absurdo».
E do caos da dissolução das referências em que se ancorava a estabilidade de um modo de organização da sociedade.
E também uma crise que toca o indivíduo na dimensão ética.
A crise foi o lugar de convergência de todos os perigos e o ponto de encontro dos excessos e da desregulamentação.
A dimensão da crise que nos foi servida desagregou o sentido do real.
A crise, por tudo isto, é de confiança. Que por sua vez é resultado de uma crise de valores – de valores seguros como a previsibilidade, a prudência, a equidade e a solidariedade social, que cimentavam a segurança e os equilíbrios das sociedades.
Perguntar-nos-emos, então, o que tem esta crise que ver com a Justiça.
Responderei que tem muito ou quase tudo.
É que a crise de confiança contamina a vida colectiva e afecta todas as instituições.
E a Justiça sofre a erosão agravada dos efeitos da crise de confiança, porque é e tem de continuar a ser a última instância de recomposição e de resguardo da confiança, em sociedades de incerteza assoladas por pânicos sociais e morais mais ou menos difusos.
A confiança, como «instituição invisível», dá força à dimensão das expectativas de cidadania, e marca a capacidade de reconhecimento das instituições.
Mas os tempos são de validações negativas, frágeis e voláteis, e de afirmação dos poderes de recusa em democracias de confrontação e de culpabilização.
A afirmação de poderes não institucionais, ou em expressão marcada, de “contra-poderes”, que têm por característica funcional distanciarem-se e repelirem as instituições, elimina as mediações, com a consequente desvalorização dos poderes tradicionais.

A democracia limita a democracia.
O cepticismo generalizado marca esta época e anda de par com a inquietude e a acentuação das linhas de fractura.
As expectativas dos cidadãos e as enormes exigências que transferem para as instituições conduzem, paradoxalmente, à deslegitimação dos poderes a que se dirigem.
Os sentimentos difusos de injustiça, em que os excessos de emoção obscurecem a razão das coisas, saturam o quotidiano.
Reclamam-se outras utopias erguidas em vez do ideal democrático.
A transparência, a denúncia e as exigências de responsabilização sempre mais insistentes, tornaram-se nos valores da exterioridade essencial e da intervenção popular, ficcionando-se o povo como vigilante através de outras mediações opostas à mediação institucional.
A suspeita e a denúncia constituíram-se em novas virtudes políticas alimentando o sentimento de impaciência dos cidadãos.
Mas a democracia imediata e simples, que é servida com a aparência sedutora da intervenção popular como quase-instituição sem mediações, não constitui mais do que patologia exaltada da suspeita sistemática e da obsessão pelo novo valor da transparência.
Criam-se emocionalmente «ultra-realidades» ou meta-factos em real ficcionado que bloqueiam a razão da análise.
A democracia de fiscalização, de «soberania negativa» e vigilância exacerbada, em estigmatização compulsiva e permanente da autoridade, pode levar por direitas linhas ao populismo, como manifestação destruidora da ideia de verificação e de controlo dos poderes.
A exigência de escrutínio funcional e a elaboração intelectual sobre as formas de controlo institucional, reduzindo a entropia representativa, não constituem, no entanto, a marca de água das sociedades actuais marcadas pela presença obsidiante da comunicação.
Basta revisitar Benjamin Constant na efervescência intelectual e política post-revolucionária de há dois séculos, e passar pela reconstrução teórica de Rosanvallon através da cunhagem e densificação do conceito de «contra-democracia».
O controlo da acção das instituições decorre, neste tempo, da presença activa e permanente da opinião pública, com todas as derivas pseudo-representativas. O fórum ou os “discursos directos” que enchem a emissão de manhãs ou tardes do áudio-visual aí estão a revelar uma patologia de pseudo-representações.
A opinião pública apresenta-se, no entanto, como expressão da vontade geral e constitui-se numa espécie de espaço e lei em que qualquer um se quer sentir ou ser juiz ou ministro – em expressão marcada, o «povo-juiz».

A fragilização da confiança afecta da forma mais intensa as instituições judiciárias.
Tal como outros poderes institucionais, as instituições de justiça estão expostas à fiscalização cívica e de regulação, através de fluxos contínuos de avaliações e de críticas, por interacção da comunicação social ou de grupos inorgânicos de génese avulsa, em alerta e protesto em tempos de crise e conflituais.
O crescente desassossego do presente, especialmente nos últimos três lustros, reflecte-se acentuadamente nas instituições judiciárias, pelo encontro cruzado de novas exigências com a emergência de uma auto-centrada “indústria da avaliação”.
As instituições judiciárias ficaram no centro do julgamento e da exigência de fiscalização, em que se pressente alguma contradição entre a «atribuição ex ante de confiança» e o «exercício ex post de desconfiança».
A avaliação séria e objectiva, que confronta a instituição consigo mesma na resposta às expectativas dos cidadãos, constitui factor de recomposição e auxílio no cumprimento da missão de servir melhor.
Contrariando pré-compreensões que por aí se ouvem a circular, os magistrados estão habituados ao embate de fortes críticas, porque o seu é um lugar de tensões e de permanente tomada de decisões.
Mas a imputação da generalização negativista sem pressupostos nem conteúdo, ou a culpabilização gratuita e sem rigor de análise, afectam de forma devastadora a credibilidade.
E, nos últimos meses, a intensidade do afrontamento - na opinião, nos editoriais, no tratamento mediático, nas intervenções de responsáveis vários em «vituperação absurda» ou generalizações totalitárias, querendo transformar em Razão a agregação de avulsas “pequenas razões” – atingiu níveis e dimensão de ruptura.
Parece, em projecção externa, que existe uma espécie de convergência estratégica objectiva para descredibilização das instituições de justiça.
Tudo a que temos assistido surpreende verdadeiramente pela aparente concertação, pela extensão e pelo mimetismo de quem parece querer estar na moda do politicamente correcto do dia, exautorando o sistema de justiça, fonte jurada de todos os males.
E, no entanto, não deve existir na sociedade portuguesa sector onde a distância entre a realidade efectiva e a percepção da opinião é tão brutal.
Mas não surpreende.
Está nos livros.
Foi assim sempre que a Justiça pretendeu realizar a igualdade, desconsiderou pactos genéticos por regra agarrados ao simbolismo de ineficácia de algumas leis, ou quando deixou de ser o «poder nulo» ou a «boca inerte» que diz as palavras da lei.


A assimetria das condições de intervenção e a diferenciação radical do espaço e dos tempos, têm remetido as instituições judiciais para um acantonamento defensivo, quando não para uma atitude passiva perante a intensidade do afrontamento.
Em registo que, pelas exigências da nossa posição, tem de ser muito rigoroso no discurso e no conteúdo, na forma e na substância, devemos reequilibrar a intervenção e, porque não, exercer o contraditório.

Para tanto, devemos insistir na desconstrução de alguns mitos, que em tempos de crise, paradoxalmente, assumem força simbólica pela sua fragilidade racional.
É que as representações da justiça coincidem, por demais, com estereótipos.
E ao real construído, que na repetição faz imposição, deve ser contraposta, com insistência e determinação, uma mensagem de rigor.

A começar pela acusação de falta de transparência e da ausência de escrutínio.
Temos que afirmar, com toda a clareza, para quem quiser ver, de boa-fé, que a realização da justiça é, porventura, a mais transparente das missões de Estado.
Mas, por elementar honestidade intelectual, não se pode assimilar transparência a um “voyeurismo” imediato e primário em projecção populista e inconsequente.
A Justiça não tem segredos. Mesmo a exclusão da publicidade no processo penal é hoje a excepção e de tempo curto, abrindo-se de seguida o processo a quem demonstrar legítimo interesse. Mas legítimo interesse não pode confundir-se com curiosidade de baixo perfil.
A administração da justiça é pública.
A publicidade constitui, aliás, um dos elementos constitutivos do processo equitativo, inscrito como garantia constitucional.
A justiça administra-se sempre através do processo; o processo constitui um espaço de garantia dos interessados e dos cidadãos.
Garantia dos interessados, porque é no processo e apenas pelo processo, conduzido segundo regras pré-estabelecidas, que todos podem exercer os seus direitos, expondo as suas pretensões com inteira igualdade, sob o controlo de regularidade de um juiz imparcial.
Garantia dos cidadãos, porque o processo permite a verificação e o escrutínio externo quanto ao modo como a justiça é administrada.
O processo constitui um espaço democrático; poderemos dizer, o espaço paradigmático de confronto democrático, onde qualquer um que pretenda exercer um direito que julga seu pode intervir em plena igualdade.
No processo, os interessados são todos ouvidos por igual, na mesma dimensão de liberdade dentro das regras estabelecidas, independentemente de, fora do processo, terem possibilidade de falar mais alto ou de poderem fazer-se ouvir melhor.
O escrutínio externo da justiça, se quiser ser responsável e intelectualmente sério, tem de ser feito pelo processo e através do conjunto dos seus elementos, sem urgências do imediato, sem fragmentação das referências, sem unilateralidade das análises e sem manipulação ou selecção arbitrária dos factos.
Por isso, não é escrutínio nem informação, a imputação isolada, a conclusão definitiva assente no pormenor substancialmente irrelevante, ou, como temos visto a propósito de recentes decisões de tribunais, a montagem de espectáculos eticamente vazios e democraticamente dissolventes (obscenos, no sentido etimológico, usado por Régis Debray, em “L’obscénité democratique”), de onde, sem pudor deontológico, «se fazem escorrer emoções e pathos».

Outro mito que é urgente desfazer, resultado de estereótipo construído por afirmações repetidas sem fundamento e sem contraditório, está na responsabilização da justiça pelo mau desempenho da economia.
Se outras razões de demonstração não houvessem, a instalação e o retrato da crise financeira e económica dissolveu o mito.
Não foram, como sem responsabilidade cívica proclamam algumas afirmações por aí escritas e faladas, a ineficiência ou a ineficácia da justiça que provocaram a crise.
Na génese da crise pesaram violações de normas éticas, imponderados comportamentos de risco, incompetência e mesmo a perda do sentido da decência, tudo somado a regulação insuficiente e a supervisão deficiente – como salientou o Senhor Presidente da República em recente intervenção (17 de Abril do 2009, no 4º Congresso da ACEGE).
Foi a exploração do tempo curto através de um «comércio de vento».
Com empobrecimento de quase todos.
Bem ao contrário das ideias feitas, é a crise que condiciona e produz dificuldades acrescidas na resposta das instituições judiciais.
A crise gera conflitos que exigem recomposição.
Matérias que envolvem responsabilidade de natureza penal, direitos em crise pela ignorância dos riscos ou da natureza dos «produtos tóxicos», execução de decisões e solvabilidade de créditos, recuperação de empresas e insolvências, ou a garantia dos direitos afectados de trabalhadores, irão exigir certamente intervenção acrescida e adequação dos meios orgânicos e humanos nas respostas.

A má compreensão da justiça na opinião e nas representações, em interacção de causa e efeito, tem permitido afirmações de extraordinário desconchavo.
Por exemplo, a afirmação em recente artigo de opinião, que a reputação da justiça portuguesa no estrangeiro é «medíocre e risível».
A afirmação é gratuita e muito pouco responsável. E será talvez fundada em algum impressionismo primário, bebido do consabido estatuto de rigor de um qualquer “tablóide” inglês.
Quem estiver interessado, se o rigor e o cuidado intelectual importarem, pode informar-se e ver que a justiça portuguesa é parte inteira no diálogo judicial europeu, colabora em igualdade com as várias justiças tanto da Europa como de outras latitudes, participa activamente em projectos comuns, tem estado na primeira linha da colaboração e da construção da justiça na Europa; a jurisprudência nacional é reconhecida e, por vezes, até precedente no espaço de liberdade, segurança e justiça.
Há meio ano, nesta tribuna, em cerimónia que assinalou o 30º aniversário da vigência em Portugal da CEDH, o Presidente do TEDH quis salientar o cuidado das jurisdições nacionais na protecção de valores fundamentais.
Orgulhamo-nos desta partilha de valores e de linguagem comum e do reconhecimento da justiça portuguesa no concerto das justiças europeias.


Acusa-se a justiça de ser lenta e burocrática.
A percepção está instalada, e este será o indicador que no próximo futuro teremos de melhor cuidar.
Mas, por cuidado elementar, haverá que sublinhar que a actual situação é muito melhor do que a existente há poucos anos, e que os indicadores de avaliação de que dispomos permitem projectar uma evolução positiva.
As dificuldades, hoje, já não são sistémicas.
A resposta dos tribunais superiores, e em particular do Supremo Tribunal, será, porventura, das melhores de todos os 47 Estados do Conselho da Europa, com tempos de resolução de dois -quatro meses, e com uma excelente relação tempo/produtividade/qualidade, que merece o respeito e a admiração das delegações estrangeiras que nos visitam, e que connosco querem partilhar ideias, experiências e soluções.
Por seu lado, o Relatório de 2008 da CEPEJ, do Conselho da Europa, que trata os dados de 2006, situa a taxa de resolução dos processos cíveis em primeira instância em 112%, ao nível das três melhores em termos comparados.
E relativamente a processos cíveis e criminais, a tendência em 2007 e 2008 vai no mesmo sentido, como mostram os elementos estatísticos disponíveis.
Não obstante, o indicador relativo aos tempos de duração dos processos cíveis em primeira instância, que supera o ponto médio em termos europeus, tem de merecer algum cuidado na identificação e resolução dos bloqueios pontuais que perturbam as leituras globais.
Os números impressivos do contencioso de massa gerado pelos grandes utilizadores do sistema de justiça, constituem, certamente, um factor de gestão difícil, que perturba uma leitura positiva sobre a eficiência.
Mas, do outro lado do problema, as referências comparadas indicam-nos que o contencioso nuclear é resolvido em tempos que podem ser qualificados como excelentes.

Senhores Conselheiros,
Senhoras e Senhores:

As instituições de justiça têm de saber compreender e interpretar os sinais de desconfiança democrática, perceber e reverter os desvios de racionalidade e apreender as expectativas dos cidadãos.
A justiça tem de ser para todos e tem de ser compreendida por todos.
Tem de estar adaptada às evoluções da sociedade, à natureza de outros contenciosos, à nova complexidade de velhos problemas, e responder à missão de apaziguamento social na resolução do conflito.
A Justiça do séc. XXI só pode ser construída como justiça de qualidade, eficaz e efectiva.
A eficácia do sistema de justiça deve partir de indicadores sócio-económicos e traduzir uma relação de efectividade entre os serviços e os destinatários.
O regime de acesso ao direito e de acesso à justiça constitui um indicador de primeira linha.
A eficácia da justiça será tanto mais concretizada quanto mais disponível for o acesso ao conhecimento dos direitos e das possibilidades de intervenção para a realização e concretização dos direitos individuais, em particular dos mais desfavorecidos económica e socialmente.
As críticas à morosidade são recorrentes e, por isso, impõe-se cuidar este indicador, isolando os problemas onde existam, para encontrar os mecanismos adequados de intervenção.
A maleabilidade da gestão dos meios materiais, mas sobretudo dos meios humanos, pode ser necessária para uma resposta atempada.
Sem «fetichismo dos números», tendo sempre presente que a justiça precisa de tempo – o tempo razoável.
É certo que as regras do processo são cronófagas e contrárias aos ritmos de aceleração das sociedades do imediato.
Mas na natureza instrumental do processo devemos procurar os equilíbrios exigidos pela garantia dos direitos e pela realização de boa justiça.
A celeridade não poderá ser a primeira das prioridades, porque uma justiça urgente gera riscos de afectação de direitos.

A qualidade da justiça é factor decisivo da confiança.
E constitui um dos elementos essenciais da qualidade da democracia.
Não é fácil definir a noção de qualidade. E, no entanto, é pela qualidade processual e substancial que se marcará a eficácia da decisão.
A qualidade depende do nível discursivo da actividade judiciária, do valor jurídico, da fundamentação das decisões e da consideração que revelem por direitos fundamentais.
Decisões que sejam claras e precisas, fundamentadas e compreensíveis, inteligíveis mesmo na complexidade, axiologicamente comprometidas, mas neutras na linguagem.
A expressão de estados de alma, o comentário lateral, avulso, desinserido e sem préstimo argumentativo, desviam as percepções do essencial para a sedução do pormenor inútil, perturbam a legibilidade e fragilizam a aceitação das decisões.
A coerência da jurisprudência, que dá segurança e acrescenta confiança, será um índice relevante de qualidade. Impõe-se, por isso, melhorar a coordenação da jurisprudência no seio das jurisdições como factor de certeza, de previsibilidade e de igualdade.
A concretização do direito à execução é também inerente à qualidade e directamente instrumental da eficácia das decisões.

A eficiência e a eficácia são factores essenciais da confiança.
Mas a confiança é também sentimento, a «instituição invisível» que devemos tornar visível e solidificar.
É urgente, por isso, uma estratégia que permita inverter o desregramento da má informação e da opinião mal avisada, que são factores de descredibilização do sistema de justiça.
Num editorial de Março passado, o jornal “Expresso” salientava que uma das tarefas do poder político, dos magistrados e de toda a sociedade, sem excluir a comunicação social, que dizia ser «parte importante do caminho perigoso» do descrédito, é credibilizar a justiça.
Todos estaremos de acordo.
A exigência de credibilização foi, uma vez mais, referida pelo Senhor Presidente da República na mensagem de 10 de Junho.
Esta imposição democrática a todos convoca como imperativo categórico.

Lemos por aí que se prepara a abertura de uma frente de obra que certamente nos chamará na defesa de princípios constitutivos do Estado de Direito.
Está de novo, na agenda, a exigência de melhor responsabilização democrática dos juízes.
A instituição judicial constitui, estruturalmente, o paradigma da instituição de ponderação e de imparcialidade, que encontra a sua legitimidade democrática na exclusiva submissão à lei, na credibilidade, na qualidade e na confiança.
O declínio da confiança resulta, por regra, do sentimento de que a instituição se tornou menos objectiva, mais politizada ou partidária, ou que prossegue finalidades que se desviam dos princípios da independência e imparcialidade.
É pelas qualidades e pelo exercício quotidiano que as instituições de ponderação e de imparcialidade se legitimam.

Mas a agenda sobre a responsabilização democrática dos magistrados, afixada agora nos muros da política do dia, pode esconder por debaixo uma outra agenda bem diversa.
A agenda das forças que convivem mal com a independência dos tribunais, com afivelados desígnios marcados de jacobinismo tardio e pós-moderno.
Deveremos, então, recordar o tempo inaugural deste Supremo Tribunal, e repetir a mensagem forte do histórico documento de 14 de Agosto de 1844 - a carta do seu primeiro presidente e dos seus juízes à Rainha, verdadeiro acto fundador da independência judicial: a independência não constitui privilégio dos juízes, mas direito fundamental dos cidadãos.

Senhores Conselheiros:

As instituições são a única realidade de sobrevivência e de perenidade.
Não somos nós.
Mas na transitoriedade e circunstância das nossas vidas, cabe-nos a honra maior de servir o Supremo Tribunal e os cidadãos – o povo em nome de quem administramos a justiça.
Nesta missão, permitam-me que faça nosso o caderno de encargos do juiz Aharon Barak para a função do supremo tribunal numa democracia.
Os juízes devem agir de modo a manter a confiança do povo.
Devem compreender que julgar não constitui apenas uma função, mas uma forma de vida; uma forma de vida que não é compatível com a procura de riqueza material ou de notoriedade pública, mas que visa a riqueza espiritual e que exige uma busca incessante, objectiva e imparcial da verdade.
Uma forma de vida que se guia pela razão e não pela imposição, pela modéstia e não pelo domínio, pela composição e não pela força, pela reputação e não pela fortuna, pelo compromisso com valores e princípios e não pelo desejo de agradar, pela lei geral e igual para todos e não pela demissão perante grupos de interesses, por decisões apoiadas num conjunto de valores e princípios fundamentais e não sob a influência passageira da espuma das coisas.
E com renúncias, especialmente no que respeita à aceitação de restrições à liberdade de expressão.
O nosso dever – e nossa honra sem outra recompensa que não seja a tranquilidade da consciência – será saber, assim, homenagear os nossos maiores. Que são as eminentes figuras da vida nacional que serviram nesta Casa Maior da Justiça ao longo de quase dois séculos.
E transmitir aos que nos sucederem o prestígio intacto da instituição.
Mais pelo exemplo do que por palavras.
Na competência, na atitude, nos comportamentos, na firmeza tranquila, na reserva, mas também em sociedade de medos e conformismo, na coragem do combate que se nos imponha por princípios fundamentais.

Senhor Presidente,
Senhores Conselheiros,
Senhoras e Senhores:
Esgotei o espaço que a vossa tolerância me dispensou.
Terminarei.

A justiça ideal deve ser, a um tempo, aplicada em cada época, mas intemporal, sob pena de se tornar escrava da opinião.
E tem de ser a força serena contra arranjos e manobras em sociedades de manobras e arranjos.
A História ensina-nos que a liberdade e a democracia podem morrer na rua sob o aplauso ruidoso das multidões.
Mas sabemos também que uma Justiça prestigiada e forte é condição e garantia de liberdade.
Porque o futuro está no presente.
Assumindo o dever de inteligência e recusando a atracção intelectual pelo pessimismo, estaremos à altura dos desafios deste tempo.



(António Henriques Gaspar)

27 junho 2009

 

Carta a um correligionário

Ou de como sabere extrair as lições necessárias e adequadas dos momentos de crise, quando os ventos parecem soprar contra nós.


Meu prezado Amigo:

Permita-me que lhe fale hoje das vantagens que muitas vezes advêm para a causa da democracia e do progresso dos chamados «desaires eleitorias». Parece um paradoxo isto que afirmo ou uma bricadeira de mau gosto, sobretudo por estar relacionado a perda considerável sofrida pelo nosso partido no último escrutínio. Só o é, por+em, na aparência.
É certo que sofremos uma derrota, mas considere o meu prezado Amigo os efeitos benéficos que temos vindo a averbar, ganhando ânimo novo para as próximas pugnas eleitorias que se avizinham e para a causa dos nossos ideais.
O nosso partido é o único partido transformacionista que meteu ombros à tarefa de reformar a sociedade pela abilição dos privilégios das corporações que entravam o progresso. As corporações são, como sabe, o principal obstáculo oriundo da velha sociedade que importa destruir. Os interesses corporativos têm constituído, na verdade, um sério bloqueio ao desenvolvimento da nova sociedade que pretendemos implantar, assente numa economia de mudança, uma nova ordem económica, que tenha o mercado como principal fonte de progresso e da riqueza das Nações. Ora, o desejo de fazer muito e depressa fez com que o nosso partido se atirasse com sanha a todas as corporações antigas dos diversos mesteres: a corporação dos funcionários públicos, defendendo privilégios do "ancien régime"; a dos professores, apegados a métodos caducos da velha sociedade, que não se coadunam com os nossos objectivos de estancar a m+a educação e a deficiência de instrução, tão necessários para a qualificação da mão-de-obra que pretendemos; a dos juízes e prossecutors, que vivem entrincheirados na seus puídos trajes profissionais e já tentaram acusar alguns de nós de promoverem a pilhagem das criancinhas dos internatos, para servirem de manjar aos prazeres sensuais dos ricos e assim se aliviarem as instituições do seu pesado encargo, lendo mal-intrencionadamente uma proposta que em tempos apresentei (não sei se o meu prezado Amigo se recorda... Chamava-se «Modesta Proposta - para obstar a que os filhos dos pobres constituam um encargo para os pais ou o País e para os tornar úteis ao público»); a dos trabalhadores em geral, que se coligam em velhas associações de mesteirais (os temíveis sindicatos) para defenderem "direitos adquiridos", que constituem núcleos inflexíveis de resistência à mudança, à implementação de novas leis do trabalho e ao novo espírito da classe dos empreendedores.
O nosso governo e, em particular, o Ministro-mor, têm agido sob o impulso deste enorme desejo de mudança, cortando cerce nos velhos privilégios das classes que se têm encarniçado contra o progresso e entupido o caminho do futuro - uma sociedade aberta, de livre mercado e de livre empreendimento, onde os "direitos adquiridos" à sombra das antigas corporações não façam obstáculo aos novos ideais. Porém, nós próprios confundimos muitas vezes esse impulso de mudança com vontade férrea, inflexível, se não mesmo autoritária, o que é compreensível do ponto de vista de que pretende a mutação rápida das coisas, mas que se pode tornar fatal pelas resistências que ocasiona. E assim o que vimos? As classes atingidas revoltarem-se, não só pela perda dos privilégios, mas pela obstinação do governo em desprezar os seus lamentos e protestos.
Erro fatal. Erro hist+orico, porque nós sabemos que, apesar de a razão não estar do seu lado e de a tendência da História ser a de varrer essas classes do tablado (de contrário, elas varrer-nos-ão a nós), a táctica impõe todo um outro estilo de comportamento. Foi esse erro fatal o responsável pela derrota qie sofremos nas recentes eleições para a Confederação Europeia dos Países do Progresso, pois todas as corporações contra as quais temos manifestado a nossa hostilidade (bem entendido, em nome da instauração da nova sociedade) cologaram-se contra nós, votando nos partidos que nos são opostos (e todos o ssão), os quais, como é sabido, lutam contra nós, enquanto nós lutamos pelo progresso social.
Porém, deste nosso desaire resultou, para já, uma consequência positiva importantíssima: um exame autocrítico, como é próprio dos partidos que constantemente revêem a sua táctica, em função dos objectivos transformacionistas que se pretendem atingir. Assim é que os mais fecundos pensadores da nnossa causa chegaram à conclusão de que as profundas transformações de que o nosso Reino carece não podem ser alcançadas com uma política de hostilização e de confronto. É preciso atrair para o nosso lado o povo em geral, levando-o não só às urnas, de que anda arredio, por indiferença ou descontentamento, mas também a votar em nós, visto que somos o único partido que defende os seus interesses. E, quanto às corporações de mesteirais, é preciso, pelo menos, evitar a sua hostilização, de modo a não assustá-las com a nossa política de abolição de privilégios. Neste sentido, caiu muito bem no vulgo a declaração de humildade democrática do chefe do nosso partido, o reconhecimento dos erros passados e a afirmação da necessidade de diálogo com todas as forças. EE também o diálogo no interior do próprio partido, como o têm reclamado muitos dos nossos correligionários, até aqui muito propensos ao silêncio e a dizerem ámen com o chefe, mas agora dispostos a marcarem presença, alentados com a situação de crise que se gerou, pois as crises e os desaires favorecem a loquacidade a crítica transformadoras. Assim é que eu penso, meu prezado oAmigo que nem todas as derrotas são negativas. Esta não o foi, como iremos ter oportunidade de ver muito proximamente.
O meu prezado Amigo mo há-de confirmar dentro em breve.
Ânimo, pois! Em frente com a Nossa Causa Imorredoura!

Saudações Correligionárias do Seu

Jonathan Swift
(1665 - 1745)

25 junho 2009

 

Marcha-atrás

Em Espanha, o Congresso dos Deputados aprovou hoje uma norma que limita a chamada «jurisdição universal» vigente em Espanha que legitimava a Audiência Nacional a intervir em processos fora de Espanha. Um acordo entre PSOE e PP permitiu efectuar uma alteração à Ley Orgânica del Pode Judicial que, agora, apenas permite a investigação de crimes ocorridos fora de Espanha quando existam espanhóis envolvidos. Existem neste momento processos abertos por genocídio ocorridos no Tibete, China, Guatemala e Ruanda, entre outras.
Independentemente das questões jurídicas que a questão suscitava, a tutela dos direitos humanos no mundo é, claramente, abalada.

23 junho 2009

 

Tony igual a si próprio

Tony, já se sabe, é sempre notícia e, já se sabe, quase sempre pelas piores razões.
Também ele se envolveu no escândalo dos "subsídios para a segunda casa", que varreu grande parte do Parlameno inglês. Tony, já de malas feitas para sair de Downing Street, apresentou um documento de despesa de 7000 libras para "reparação do telhado" da sua segunda residência... (Saíu a 27 de Junho de 2007 e apresentou o documento dois dias antes.) Assim anda a ética republicana, perdão, monárquica, pelas ilhas britânicas nos tempos (difíceis) que correm...
Mas há mais: agora, por portas travessas, andou a mover influências para que o inquérito ao envolvimento da Inglaterra na guerra do Iraque não seja público.
Aposto, no entanto, que este simpático senhor é capaz de fazer uma conferência pública muito convincente (pagando bem, claro) sobre as virtudes supremas da ética e da transparência em democracia.

 

Rectificação anunciada

Foi ontem rectificado o art. 40º do DL nº 15/93, na versão republicada a 11 de Maio, e reposta a redacção anterior.
É evidente que outra coisa não podia acontecer, porque as leis são feitas pelos deputados ou pelo Governo e não pelas secretarias oficiais.
Mas houve ali uma "mãozinha marota" e não foi na Imprensa Nacional seguramente.
Em conclusão: doravante temos de estar atentos às republicações.

18 junho 2009

 

Humildade (talvez) tardia

A humildade é sempre bem vinda, mesmo que não espontânea, como é o caso.
Mas não bastam as proclamações, as juras; são precisos os actos comprovativos e confirmativos da dita humildade.

16 junho 2009

 

Bibi (o israelita)

O que Bibi, o israelita, tem a propor aos palestinianos é um estado desmilitarizado e sem controlo do respectivo espaço aéreo!!!
Não seria obviamente um estado, mas, quando muito, uma região (relativamente) autónoma, seria, na verdade, um "bantustão", completamente à mercê de Israel, como os bantustões estavam em relação à África do Sul do apartheid.
Aliás, Israel cada vez se parece mais com esse extinto regime.

15 junho 2009

 

O patriarca das virtudes ou o profeta das desgraças

Auto-investido em patriarca das virtudes, António Barreto aproveitou o palco do 10 de Junho para proferir uma cruel admoestação à Pátria. Do alto do seu pedestal de profeta, fustigou tudo e todos (em especial, "políticos, empresários, sindicalistas e funcionários") e sibilinamente pressagiou as maiores desgraças se não for seguida a sua receita para todos os nossos males (a moral do "bom exemplo"!).
Quem encomendou a pregação ao pregador?
Que autoridade tem para pregar moral?
Que virtualidades tem uma moral que não ultrapassa o nível da catequese paroquial?
Quando as análises racionais são substituídas por arengas "edificantes" os resultados são penosos e deploráveis...
É caso para perguntar: é este um "bom exemplo" da universidade portuguesa?

13 junho 2009

 

O destino da 5ª categoria de prisioneiros de Guantánamo

Na sua declaração de 21 de Maio sobre Guantánamo, Obama dividiu os prisioneiros em 5 categorias, por ordem crescente de "perigosidade". A 5ª categoria (a pior, portanto) é constituída por aqueles que "não podem ser processados, mas constituem um perigo claro para o povo americano". E explicou que eles não podem ser processados porque as provas estão "contaminadas". O que significa que foram obtidas sob tortura.
Mas isso não importa. Obama entende que nestes casos o processo penal não serve. Ele não vai libertar os prisioneiros da 5ª categoria porque eles estão em guerra com os EUA (!!!) e portanto até acabar a guerra (???) eles são inimigos e, como tal, não devem ser libertados.
Estamos, como se vê, muito próximos do argumentário bushiano: uma guerra infinita e indefinida, prisioneiros sem direitos à mercê do captor, de todas as injúrias e crueldades que este entender aplicar-lhes...
Das duas uma: ou os tais prisioneiros são "delinquentes", e devem transitar para o sistema judicial, ou são inimigos, prisioneiros de guerra, e como tal devem ser tratados, reconhecendo-se-lhes a protecção das Convenções de Genebra!
Mas é isso que os EUA não querem, e por isso Obama fala de estudar uma "solução constitucional" para o estatuto destes prisioneiros...
Em qualquer caso, haja ou não "solução constitucional", os prisioneiros continuarão nessa situação indefinidamente... Uma prisão perpétua administrativa...
Entretanto, o Congresso terá legislado no sentido de impedir que esses prisioneiros fiquem detidos nos EUA. Não para que eles sejam libertados, note-se; mas para que sejam remetidos para países estrangeiros...
Sabe-se da "abertura" manifestada por alguns países europeus para receber prisioneiros de Guantánamo, para "ajudar" Obama a resolver o "problema" (assim assumido também como problema europeu...). Portugal, pela voz do ministro Amado, destacou-se no pelotão da frente.
Essa "boa vontade" não pode obviamente ser extensiva a estes prisioneiros. Portugal não pode aceitar uma violação tão clara das regras mais elementares do Estado de Direito: prisão administrativa decretada por tempo indeterminado.
Portugal pode, quando muito, receber indivíduos a quem seja atribuído, na plenitude, o estatuto de refugiados.
Portugal não pode ser cúmplice de Guantánamo.

 

Afeganistão: guerra sem fim à vista

O Afeganistão pode tornar-se no Iraque de Obama. A guerra arrasta-se sem fim à vista e a situação militar piora. E para os afegãos as coisas pioram ainda mais: os "danos colaterais" (ou seja, os ataques indiscriminados que atingem sobretudo os civis) são cada vez mais frequentes e mais intensos. De tal forma que até Karzai, o "presidente", se tem visto obrigado, para não perder completamente a credibilidade junto do "seu" povo, a "protestar" e a pedir responsabilidades aos americanos. Estes, é claro, dizem que a culpa é dos civis, que andam sempre misturados com os taliban...
Obama dixou-se arrastar para a "solução militar" quando parecia inicialmente inclinado para uma solução negociada. Mas a solução militar parece cada vez mais problemática. A intensidade de ataques dos taliban não pode deixar de significar apoio por uma parte substancial da população, apoio que se vê obviamente reforçado pelos "danos colaterais" conbstantes.
Desde meados do sec. XIX que o Afeganistão é objecto de sucessivas ocupações e dominações estrangeiras. Nenhuma sobreviveu duradouramente; todos os ocupantes retiraram (se possível em boa ordem).
Não é provável que a história seja desta vez desmentida. Apostar na "solução militar" é provavelmente apostar no cavalo errado. Mas Portugal parece apostado em apostar nesse cavalo...

11 junho 2009

 

Obama, nome de praia

Obama não pára. Do Cairo a Buchenwald, a Omaha Beach, perdão a Obama Beach, pois a célebre praia da Normandia, a praia do Dia D, foi rebaptizada com o seu nome.

10 junho 2009

 

Camões

Pouca gente se lembra de Camões no dia do mesmo. É um dia de solenidades, de discursos, de condecorações (gostei sobretudo da da UGT, muito justa pelos numerosos serviços prestados).
Camões, e a sua poesia, fica completamente na sombra.
Por isso, lembro aqui uma estância muito famosa e porventura muito oportuna.

Nô mais, musa, nô mais, que a lira tenho
Destemperada, e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
De uma austera, apagada e vil tristeza.

(Canto X, CXLV)

 

Ainda os voos-fantasma

Afinal, a passagem de aviões da CIA por aeroportos portugueses confirmou-se. Apurou-se onde aterraram os aviões das empresas fictícias criadas pela CIA. Apurou-se quem eram os tripulantes. Só não se apurou se havia "passageiros"... Porque ninguém viu "prisioneiros algemados" nas pistas...
Será que os aviões andavam a queimar combustível só para aquecer? Andavam as tripulações a "treinar"?
Recorde-se que dois ex-prisioneiros de Guantánamo (Abu Omar e Binyam Mohamed) garantem que passaram por aeroportos portugueses a caminho daquele campo.
É evidente que disso não há "provas". E não as há porque os documentos de voo não mencionam o transporte de "passageiros". Obviamente!
Mas o que é mais estranho é que as autoridades aeronáuticas portuguesas tivessem sido tão crédulas, que não fiscalizassem os aviões. Elas tinham obrigação de
desconfiar, logo à partida, daquelas "empresas".

 

Ainda as eleições europeias

As eleições para o Parlamento Europeu vieram mostrar, por todo o lado, o desinteresse dos cidadãos nacionais dos vários países pelas questões de política europeia. Com efeito, o graande vencedor das eleições foi a abstenção. O caso não é específico de Portugal. Isto não significa só que os cidadãos dos diversos países que fazem parte da União se manifestaram, por meio da abstenção, sobretudo contra as políticas nacionais, confundindo estas com as políticas europeias e fazendo repercutir nas recentes eleições o descontentamento de uma crise que, atingindo todos os países de uma forma mais ou menos intensa, é exterior a eles e, de certo modo, à própria Europa. A explicação de muitos opinadores passa por aí, mas não me parece correcta. Primeiro, porque a crise, em muitos casos, como em Portugal, tem também raízes nacionais específicas e já pré-existente à crise financeira global. Em segundo lugar, a Europa também não é alheia à crise, ou seja, às suas causas, quer no que diz respeito à crise global, quer sobretudo no tocante ao afastamento das instituições europeias dos cidadãos da Europa e seus reais problemas.
As políticaas europeias que têm sido implementadas são hostis ao objectivo de uma Europa social e dos direitos da esmagadora maioria dos seus cidadãos, estando muitas vezes na origem da adoção de políticas nacionais agravadoras da situação económica e social dos respectivos cidadãos,mormente na área laboral e do mercado do emprego. As instituições políticas, económicas e financeiras europeias não raro manifestam um olímpico distanciamento dos problemas dos chamados «cidadãos europeus» e um desprezo por regras de participação democrática elementares.
Neste clima, os cidad~~aos da Europa não têm confiança nessas instituições, mormente no Parlamento Europeu, sendo frequente ouvir-se dizer que este não serve para nada. Assim, não admira que os eleitores primem pela abstenção. O dramático e paradoxal é que os partidos que, «por natureza», mais contribuem para o adensamento dessa política de agravamento social e para a liquidação de uma Europa solidária e dos cidadãos sejam os têm ganho cada vez ais terreno no território europeu, onde campeiam personalidades políticas, como Berlusconi, que ultrapassam todos os limites da ficção mais grotesca que possa conceber-se.

09 junho 2009

 

Financiamentos e o moleiro de Sainssouci

«Em suma, o diploma agora aprovado introduz uma muito significativa alteração ao regime até agora vigente de financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, aumentando os limites dos montantes provenientes de fontes privadas de reduzido controlo, com prejuízo da transparência e ao invés das melhores práticas internacionais nesta matéria. Tal redução de controlo e de transparência ocorre sem que diminua o esforço de financiamento público dos partidos, atingindo-se, deste modo, um perverso sistema que acumula as dificuldades associadas ao défice de controlo do financiamento privado com os pesados custos de um sistema de financiamento público. Esta alteração afigura-se tanto mais inoportuna se tivermos em consideração a proximidade de vários actos eleitorais e a actual conjuntura económica e financeira do País.
Assim, nos termos do artigo 136º da Constituição, decidi devolver à Assembleia da República sem promulgação o Decreto n º 285/X da Assembleia da República, que altera a Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, que regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.
Com elevada consideração,
Palácio de Belém, 9 de Junho de 2009
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Aníbal Cavaco Silva»

06 junho 2009

 

Nós e a Europa

Ou de como devemos honestamente tirar as ilações que se impõem da campanha que temos desenvolvido para as primeiras e próximas eleições do grande ciclo eleitoral que temos pela frente.

Senhor:

Tenho passado estes dias sem dizer uma palavra sobre os acontecimentos que vão correndo por essas nossas cidades, por essas nossas vilas, por essas nossas aldeias e por todas as nossas ruas. São as eleições europeias, dizem. Mas o que é a Europa? Eu não vejo Europa nenhuma em nenhum desses sítios. Eu não enxergo ponta do velho Continente no meio dessa azáfama que vai por aí. O que eu vejo e acho que toda a gente vê é nefando. Um candidato a gritar todos os dias palavras acerbas como “roubalheira”, “tramóia”, “trampolinice”, “vigarice”, referindo-se às “trapalhadas” de um banco nosso e atribuindo-as a gente grada de uma agremiação partidária concorrente. Mas é isso a Europa? Outro candidato a clamar contra a brandura das nossas leis penais e a liberdade de que gozam os criminosos que infestam o nosso reino, apelando ao reforço da polícia, ao endurecimento das penas e ao enclausuramento dos prevaricadores. Mas é isso a Europa? Uma outra candidata a rodopiar ao som do estribilho da “roubalheira” e da “trampolinicie”, volteando alegremente sempre que se vê no meio dum ajuntamento popular. Mas é isso a Europa?
Vem então outro candidato e diz: “Se vamos a entrar por esse caminho da “roubalheira”, então nós também poderíamos acusar o senhor A e o senhor B do partido contrário de terem feito isto, aquilo e aqueloutro, querendo com isso insinuar cousas feias e indignas que mancham qualquer cidadão normal, quanto mais gente que ocupa lugares de relevo.
Francamente, Senhor, isto parece um país de salteadores e de vigaristas, um país que precisa de penitenciária e não de Europa. Isto coloca mal o nosso reino, que tem créditos firmados na democracia há muitos séculos. Como queremos emparceirar na Europa com esta imagem de larápios e de bandidos? Como é que queremos fazer uma Europa nova com esta imagem tão esquálida de vagabundos?
Depois vem outro candidato e diz que, se houve “roubalheira” e “vigarice”, o governo do nosso reino - veja bem Vossa Senhoria! – o governo do nosso reino, deu cobertura à “ladroagem”, injectando milhares de euros – a única designação europeia que teve livre curso na campanha - na instituição de crédito levada criminosamente à falência. Francamente, Senhor, o que é que este vilipêndio tem a ver com a Europa renovada onde estes senhores buscam assento? Querem eles sentar-se lá, à custa da nossa miséria e destas tricas?
Pois eu, Senhor, não tenho dito nada, porque estou abismado com esta Europa de trazer por casa e que não é a casa da Europa de que tanto se fala. Não sei o que Vossa Senhoria pensará disto, mas imagino o que lhe irá pela alma, sabendo o muito que tem pugnado por uma campanha serena, elevada, à altura de uma democracia que tem as barbas venerandas de uma velha e respeitável democracia.
Infelizmente, o que esta campanha veio pôr a nu é o quanto a Europa está longe de nós e nós longe da Europa, uma Europa que tanto tem primado pela dignidade de todos os cidadãos europeus, pelo bem-estar e igualdade sacrossanta de todos os povos que a compõem, pela melhoria social das classes menos afortunadas, em suma, por uma democracia cada vez mais choruda, isto é, rica de todas as virtudes democráticas.
Poderíamos contribuir para essa riqueza comum, se em vez de darmos essa imagem de «ladroeira» e «banditismo», nos dedicássemos a enriquecer o património das ideias europeias, discutindo mais a Europa. Já temos no cadastro a cena real da «roubalheira» dos dinheiros que para cá nos vieram à conta dos fundos comuns – uma desonra para a velha Nação que somos – e agora temos a «roubalheira» discursiva com que alegremente vamos enramalhetando a campanha para as chamadas eleições europeias. Uma vergonha sobre outra vergonha!
De maneira, Senhor, que eu atrever-me-ia a propor uma coisa honesta: acabemos com a Europa, e já!, antes que a Europa dê cabo de nós.
Jonathan Swift (1665 – 1745)

04 junho 2009

 

Massacre na Rússia

Noticia hoje o “Correio da Manhã” mais um horrível massacre na Rússia. Da fratria de seis cachorros dados à luz pela cadela da Alexandra, a criança (afectivamente) portuguesa ignobilmente desterrada nos confins da Rússia, só um sobreviveu à sanha de um tio biológico da menina, que enterrou vivos, e logo à nascença, os restantes cinco.
Tão repugnante acto está inscrito na matriz cultural daquele povo pelo menos desde os tempos de Ivan, o Terrível.
Como se sabe, em Portugal, o comportamento adoptado em circunstâncias idênticas é completamente diferente. Os cachorros excedentários (também designados por vezes como supranumerários) ou são lançados para o contentor após o nascimento, vindo depois a transitar para os camiões do lixo, onde são rigorosamente triturados, e finalmente reciclados nas ETAR, ou então, quando ultrapassaram a puerícia, são abandonados em local ermo e desconhecido, dando-se-lhes assim a oportunidade de iniciar nova vida com inteira liberdade e sem regresso ao passado. Que abismo entre a nossa cultura e a russa!
Retornando ao caso que nos ocupa, não se pense que o sobrevivente foi poupado por sentimento de clemência. Esse cachorro está destinado para maiores sofrimentos ainda, como o de futuramente ter que guardar a casa, ladrar aos estranhos que se aproximarem e acompanhar o dono à caça.
Não é só a menina que tem sofrido; a própria mãe cadela, ferida na sua maternidade, está inconsolável. Vários canipsiquiatras portugueses já se disponibilizaram para a acompanhar, se for autorizada a deslocação.
Vamos continuar a acompanhar este apaixonante folhetim.

03 junho 2009

 

Também sobre o texto do MAI - As armas e o securitarismo


A meu ver, o a um tempo exaltado e sombrio panfleto do MAI (linkado no postal anterior) ao invés de infirmar as preocupações vazadas no artigo publicado no SOL confirma-as na íntegra – e até as reforça. Antes de entrar mais propriamente pelo escrutínio do mesmo procurarei fixar, com os meus aleatórios conhecimentos, o sentido e alcance da proliferação dos, assim chamados, “crimes de detenção” na actual política criminal, aqui ou seja onde for. Um dos textos mais recentes e porventura um dos mais influentes sobre o tema, é o de um autor norte-americano que insere a dita proliferação na retórica político-criminal de entono belicista (a famigerada War on Crime) que nós, europeus, como sempre, ainda que de nariz empinado e sempre negando, vamos emulando com maior ou menor sofreguidão. De acordo com a análise incisiva de Dubber a dita “Guerra ao Crime” tem três características essenciais: é “preventivista”, no sentido em que se foca na ameaça (no risco) e não no dano; é comunitarista no sentido em que serve para eliminar ameaças não de pessoas concretas mas de grupos (melhor: comunidades) de pessoas; e é autoritária na medida em que, no limite, a comunidade que é protegida é o Estado.

Os crimes consistentes na mera detenção de objectos (paradigmaticamente armas), já se vê, cumprem o papel de actor principal neste filme de classe B que dá pelo nome de “Guerra ao Crime”. Desde logo, os mesmos desempenham manifestamente uma função de extrema antecipação da tutela penal de interesses e valores importantes, como a vida e a integridade física (de modo arquetípico no caso das armas). Tão extrema, disse, que são um dos principais instrumentos de miscigenação entre medidas penais e medidas de polícia – esta é a sua função preventiva. Depois, a história da aludida função comunitarista, ao menos nos EUA (e não será diferente aqui, ainda que de acordo com a lenda Portugal seja imune a impulsos xenófobos), coincide ponto por ponto, no que respeita ao direito penal, ao controlo social de minorias, nomeadamente de imigrantes. O papel desempenhado pela forte penalização da detenção de cocaína e opiáceos e, antes ainda, do álcool, coincidente, no tempo, com distintos fluxos migratórios, é bem ilustrativo do que quero dizer. Por fim, está visto, a elevação da mera detenção de objectos à categoria de crime deu, em geral, naquilo que se chama de modo expressivo de crimes sem vítima, ou o que é o mesmo, aqueles em que a “vítima” é, latu sensu, o próprio Estado – função autoritária. Quanto a esta última função, convém não perder de vista o seguinte: os crimes de detenção servem sempre (e isto independentemente do que eles deveriam servir), aberta ou subterraneamente, para resolver ao nível processual problemas substantivos (com especial relevo para os problemas de prova) e também como modo instrumental de conferir eficácia (real ou aparente) à acção do Estado. Feita esta singela introdução, vejamos o que ela tem que ver com o nervoso panfleto supracitado.

Comecemos por uma das pérolas da nova redacção da Lei das Armas (artigo 95.º-A/4). Reza assim: “As autoridades de polícia criminal podem também ordenar a detenção fora de flagrante delito, por iniciativa própria, nos casos previstos na lei, e devem fazê-lo se houver perigo de continuação da actividade criminosa” (itálico meu). Sob a capa aparentemente indolor dessa formulação alberga-se desde logo uma notória “policialização” do processo penal. Não desconhecerá o legislador (ele mesmo, com potência absoluta, manda que assim devamos presumir) qual a natureza dos crimes de detenção. Trata-se de crimes cuja execução se mantém até que cesse a detenção (para os doutores: crimes permanentes). E portanto, se o meliante detém a coisa (a arma) não há perigo da continuação da actividade criminosa: há actividade criminosa! Ou seja, não havendo em princípio possibilidade de se deter arma ilícita sem executar o crime de … detenção de arma ilícita, então a polícia detém sempre, fora de flagrante delito, sempre que presuma (e sabe-se como funcionam tais presunções…) que o visado detém arma. Breve, deixa de ser necessário intervenção de autoridade judicial, bem podendo o legislador deitar ao lixo o n.º 3 da norma em causa.

Por outro lado, diz-se no escrito em causa que “nenhuma garantia constitucional tutela o assaltante que faz assaltos em cadeia (podendo pelo meio desgraçar um ou vários cidadãos)”. Isto não é verdade, lamento dizê-lo. As garantias constitucionais aplicam-se a todos, mesmos aos “assaltantes em cadeia”. Mas ainda há outro pormenor na citada declaração: é que de entre os crimes previstos na LA não figuram crimes “de assalto” e menos ainda “em cadeia”. Trata-se de crimes de detenção de arma proibida, de tráfico de armas e outros, mas em nenhum caso de crimes que ponham concretamente em causa, ou menos ainda lesem, interesses individuais. Sendo assim, uma tal declaração, mesmo engalanada de juras à liberdade, é sintoma do que acima disse: há quem pense que uma política criminal dura em matéria de detenção de armas é uma forma de punir alguém por factos não apurados. Não se prova o assalto, mas prova-se a detenção. O problema está largamente estudado. O crime de detenção é usado como uma espécie de crime prêt-à-porter e, sobretudo, funda-se na suspeita.

Depois, ao contrário de que ali se refere – e indiciando o sentido securitário da nova regulação – não se poderá visar com o novo artigo 95.º-A “impedir que delinquentes fujam à aplicação de penas e cometam novos crimes” (itálico meu). Com essa norma só pode pretender-se, numa leitura constitucionalmente conforme, que preserve a presunção da inocência, impedir que os suspeitos fujam à Justiça, porque uma das formas de efectivar esta, ultimamente muito esquecida, é a absolvição. Acresce que os detidos com armas são desapossados delas, mesmo quando postos em liberdade pelos juízes laxistas e que se dedicam a torpedear o trabalho da polícia. Assim sendo, o perigo que preocupa o MAI já não reside na (detenção da) arma. Ele recuou ainda mais ao próprio delinquente. É ele, o agente, a fonte de perigo e a prévia detenção da arma é tão só o inapagável indício dessa perigosidade; e é em função dele e não do que faz que a pena se justifica. A isso se chama direito penal do agente, que se usa contrapor ao direito penal das acções, próprios dos Estados liberais. Seja como for, e definitivamente, a possibilidade, aberta pela nova regulação, de poder ser aplicada prisão preventiva pela detenção de um aerossol de defesa com gás pimenta quando tal medida de coacção está vedada no caso de ofensa à integridade física simples (claro que o aerossol pode ser usado como objecto contundente…), põe bem a nu o caldo ideológico de que nutre o diploma: para o legislador, a ameaça, o risco, é mais importante do que o dano (lembram-se da função “preventivista”?).

Por fim, estando longe de mim imputar um tal desiderato ao MAI, não deixarei de sublinhar mais um ponto. A falada LA foi aprovada na sequência de um período em que os crimes violentos alegadamente aumentaram; não só aumentaram como responsáveis por serviços de segurança vieram a terreiro dizer que eles eram obra maioritária de imigrantes. Gasto o tema da pedofilia, aqueles, juntamente com os pais não afectivos, são-nos agora apresentados à hora da janta pelos gestores do pânico moral (leia-se: media) como os novos folk-devils que urge cozer em lume brando (lembram-se da função comunitarista?). É claro, isso não é feito de modo explícito, pois como disse importa não esquecer as lendas: em Portugal, como se sabe, não há xenofobia. Mas a realidade é que o timing da lei e o mais acima dito tornam legítimo pensar que ela terá sido ao menos precipitada. A isso responderá o tempo, quando aos juízes forem imputados, novamente, em jeito ciclotímico, excessos na aplicação da prisão preventiva.

Com tudo isto não quero dizer que discordo das incriminações que constam do direito penal das armas, até mesmo com a penalização da detenção. Quis apenas significar que tal ramo do direito penal é especialmente propício a devaneios securitários. E quem quer manter simultaneamente a ordem penal como uma ordem de liberdade e uma ordem de segurança, poderá iludir-se e não ter nem uma nem outra.

 

Novos horizontes de segurança e a arma como nova pauta axiológica

Apercebi-me há uns minutos do texto publicado no sítio electrónico do MAI da autoria do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna José Magalhães que, num saudável exercício de contraditório democrático, responde a um artigo de Eduardo Maia Costa publicado no último fim de semana no Sol crítico da recente alteração da lei das armas (a segunda de um vetusto diploma de 2006).
Não vou aqui analisar os argumentos expendidos por um e outro, mas apenas a clara informação prestada pelo secretário de Estado sobre a sua convicção relativamente ao regime normativo decorrente da anterior versão da lei das armas e do Código de Processo Penal revisto em 2007 e dos novos horizontes de liberdade e segurança abertos pela lei revista. Resulta do texto de opinião que para o autor apenas graças à nova lei é possível:
«Impedir o desgastante fenómeno da captura-libertação-captura-libertação de delinquentes armados, que tem gerado melindrosas situações de desafio à autoridade do Estado democrático e exaurido preciosos recursos. Além de desgastar o ânimo e a energia dos homens e mulheres que prestam serviço nas forças de segurança, o fenómeno infernal a que tenho chamado a “porta giratória” gera forte perplexidade na opinião pública, que, com muita razão, não compreende como tal absurdo possa ocorre.»
«Impedir que andem à solta almas armadas apanhadas em flagrante a cometer os crimes dos artigos 86.º, 87.º e 89.º da Lei das Armas ou a praticar,com arma, crimes puníveis com pena de prisão»
«Impedir que delinquentes fujam à aplicação de penas e cometam novos crimes dificultando a investigação dos anteriores.»
«Pôr um travão às tentações de assaltar em cadeia»

Embora não seja claro se a superação desse fenómeno gerador de insegurança expressa uma nova abordagem apenas dos crimes cometidos com armas, na opinião de José Magalhães a lei 17/2009 revela uma nova sensibilidade normativa a riscos antes sem tutela, daí que se interpele de forma empenhada o leitor: «Choca-vos que a detenção se mantenha até o detido ser apresentado a audiência de julgamento sob a forma sumária ou a primeiro interrogatório judicial? Ou seria o contrário que vos chocaria?».
Única questão que não é respondida relativamente à leitura de José Magalhães sobre o direito processual penal pré e pós lei n.º 17/2009 é a do motivo da separação do regime processual entre o crime «cometido sem armas» sem «travões», e o crime com «travões» praticado com armas. Ou seja, o porquê da «arma» como nova pauta axiológica.

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01 junho 2009

 

O Provedor de Justiça atirado lá para as calendas...

É absolutamente inacreditável, intolerável, etc., etc., o que a AR vem fazendo à figura institucional do PJ, mostrando-se incapaz, por teimosias recíprocas, de eleger o sucessor de Nascimento Rodrigues. Se este renunciar ao cargo, como "ameaçou", qual a solução da AR? Deixa o lugar vago indefinidamente? Mas pode um cargo daquela relevância institucional ficar assim "decapitado"?
É claro que a Provedoria não fecha. Mas, sem o Provedor, é óbvio que a Provedoria não tem a mesma força interventiva.
E a quem interessará uma tal situação? Não certamente aos cidadãos, que são os "utentes" daquele serviço, criado para defesa dos seus interesses "contra as acções ou omissões dos poderes públicos", como diz o art. 23º da Consituição. Um serviço, aliás, prestigiado e eficaz.
É uma manifestação de grande irresponsabilidade política este impasse que se gerou na AR. É urgente desbloquear a situação.

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