18 abril 2009

 

Justiça portuguesa

Numa pequena local, inserida na secção “Sobe e Desce”, com setas para baixo e para cima indicando positivo e negativo, na última página do «Público» de ontem, sexta-feira, está contido todo um método de informação.
O caso diz respeito ao processo respeitante às indemnizações aos familiares das vítimas da queda da ponte de Entre-os-Rios. As famílias foram condenadas a pagar 55 mil euros de custas, por improcedência (total?, parcial?) dos respectivos pedidos. Diz-se que é um escândalo, e não contesto (face à lei, que é geral e abstracta e não contempla isenções deste tipo, acho que não haveria outra solução, embora podendo ser, no caso, lamentável). Diz-se depois que «houve incúria do Estado na conservação do património público» e também não contesto. Esse é um facto que me parece evidente. O problema vem a seguir, quando se afirma que «o mesmo Estado cobra custas porque foi de novo incompetente a encontrar responsáveis directos.»
Ora, aqui, «Estado» só pode designar o órgão de administração da justiça, visto que cobrar custas, no âmbito de um processo judicial, é uma função exclusiva dos tribunais, ou seja, do poder judicial. E, quando se afirma que «o Estado foi de novo incompetente a encontrar responsáveis directos», o referente dessa afirmação continua a ser o mesmo poder judicial. De forma que o que está afirmado é que o poder judicial foi “incompetente a encontrar responsáveis directos». Todavia, há aqui uma deturpação, que se analisa em vários níveis. Em primeiro lugar: o problema não está em não terem sido encontrados responsáveis directos, visto que os pedidos de indemnização cível foram dirigidos contra certas e determinadas pessoas, tidas como responsáveis e que, creio, até foram acusadas pelo Ministério Público. O que sucedeu, a avaliar pelo normal desenvolvimento destes processos, foi que o tribunal não deu como provados e procedentes (na totalidade ou parcialmente) os pedidos formulados pelos familiares das vítimas contra certas e determinadas pessoas apontadas como responsáveis. É, pois, um problema de prova e não de incompetência (pelo menos, da incompetência aludida no escrito). Afirmar essa incompetência seria o mesmo que dizer que, em todos os casos em que os tribunais dão como não provadas e procedentes as acções de indemnização por força de um facto alegadamente ilícito, são incompetentes, o que seria um manifesto absurdo, para além de uma total incongruência, pois a incompetência, a ter lugar, pode situar-se justamente do lado de quem tem a seu cargo a prova dos factos.
Em segundo lugar, é óbvio que não é de excluir, nesses casos, erro de julgamento quanto à apreciação e valoração da prova, ou erro de direito, quanto à aplicação das normas pertinentes (para isso é que há os recursos para os tribunais superiores), mas tal não acarreta, necessariamente, «incompetência». Para se afirmar esta, em situações que tais, teria de concluir-se que o erro seria manifesto ou grosseiro, implicando crasso desconhecimento das normas aplicáveis. Ora, ninguém afirmou esse tipo de erro, nem é a ele que pretende aludir-se.
A “incompetência” a que pretende referir-se o escrito é a pressuposta “incompetência” dos tribunais portugueses – uma “incompetência” convertida em axioma, que não carece já de prova ou de discussão, uma “incompetência” totalmente despida das características dos casos singulares. Estes aparecem apenas como exemplo acrescido, banalizado, de uma verdade de todos conhecida e irrefutável. Daí o título que encima o escrito: “Justiça portuguesa”. Eis como um caso particular se converte, por artes do jornalista, em caso universal. Eis como se informa, manipulando subtilmente a linguagem.





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