25 abril 2009

 

Hoje é o dia 25 de Abril

Parece que teria remorsos se deixasse passar este dia em branco. Poderia falar das nuvens negras que assolam o nosso presente; poderia falar dos tempos duros que se vivem e dos que virão, porventura mais ensombrados de negrume e frustrando as esperanças que o “25 de Abril” nos trouxe. O dia “25 de Abril é, no entanto, para mim, ainda, um dia de emoção, de festa e de esperança. Contrariamente ao depoimento de Vasco Pulido Valente, hoje publicado no «Público».
Acho que exprimi essa emoção de uma forma que não consigo superar numa crónica do Jornal de Notícias, de há 12 anos. Peço, por isso, licença, para reproduzir o seu início. Apenas substituo “23 anos” por “35 anos”:



Hoje é o dia 25 de Abril. Faz hoje trinta e cinco anos que a Revolução dos Cravos vibrou um golpe mortal num dos regimes mais odiosos da nossa História. Foi assim que, de um momento para o outro, se passou do cárcere à liberdade.
Este podia ser o começo de uma redacção escolar feita por um aluno que não tivesse vivido os acontecimentos, mas a quem um zeloso professor, preocupado com a transmissão às gerações mais novas de eventos históricos recentes, tivesse fornecido algumas ideias gerais acerca da referida Revolução dos Cravos. Eu, porém que vivi os acontecimentos, digo: Foi o dia mais extraordinário da minha vida. Esse dia e os seguintes.
Estava, então, no quartel de Mafra, como que num degredo, subtraído à família, aos amigos, a mim próprio e ao meu futuro. A preparar-me para uma guerra sem sentido, cortado de toda a esperança de realização humana e profissional.
Ao princípio do dia, as coisas não eram muito explícitas. Os rigores da instrução tinham abrandado, os oficiais eram estranhamente dóceis e conviventes, a rádio, tomada de loucura, transmitia muita música de Zeca Afonso. Alguma coisa se passava, de facto, mas só lá para o fim da tarde é que, conscientes da situação, nos deixámos inebriar pela loucura da liberdade. O próprio quartel já não era uma prisão sinistra, mas um local onde nos abraçávamos sem reserva, com a sentida emoção de pessoas que se descobriam outras e verdadeiramente amigas.
Fora, nas cidades, nas ruas, o clima era o mesmo. A mesma fraternidade, a mesma louca alegria, o mesmo encanto de viver. Todos os dias chegavam compatriotas do exílio forçado e pisavam o solo pátrio com a segurança e a alegria de quem regressa à casa paterna. E eram recebidos como irmãos que tinham sido injustamente escorraçados, cercados de carinho, festejados com vitória, protegidos por soldados armados de cravos.
Nas ruas, era uma festa permanente. Todas se olhavam com uma cumplicidade festiva, comunicavam sem medos nem constrangimentos, numa expansão alegre e colorida. Era o "enamoramento" de que fala o sociólogo Alberoni. O enamoramento da liberdade. O cárcere tinha, efectivamente, sido substituído pelo livre andar pelas ruas, pelo livre comunicar, pelo livre olhar, então restituído àquela inocência humana que vem à tona, quando se recobra a confiança. Por isso as gargalhadas se erguiam alto como foguetes e tinham uma sonoridade que nunca antes se ouvira.
Só quem viveu esses acontecimentos, quem conheceu a privação da liberdade, quem sentiu a sua falta ao nível da mais ínfima manifestação da comunicação humana pode ter o sentimento da grandiosidade da sua recuperação. A grata recordação desses dias singulares, em que a censura foi abolida e a PIDE deixou de nos vigiar os passos, de entrar dentro da nossa correspondência, das nossas íntimas conversas, das nossas consciências e deixou de se sentar ao nosso lado, na mesa do café e de levar-nos presos arbitrariamente e de torturar-nos para obter confissões ilegítimas.





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