18 abril 2009

 

A Crise e a oportunidade de mudança

A crise não cessa de crescer e de propagar a ruína por onde passa, à semelhança de um tsunami desencadeado pela onda da disrupção dos mercados financeiros mundiais, cujos fomentadores foram os responsáveis do neoliberalismo económico, que, em muitos casos, ainda conseguiram distrair em seu beneficio chorudos prémios das “ajudas” estatais destinadas a remendar a situação. Enquanto o barco se afundava por culpa sua, esses senhores banqueteavam-se à grande, gozando o panorama devastador a que tinham dado causa, como César Nero, tangendo a sua cítara e regougando versos de Homero, à vista do incêndio de Roma, que tinha ateado para seu recreio pessoal.
As ondas de choque desse tsunami continuam a fazer os seus estragos e a semear a tragédia por todo o lado. Portugal, claro, também não tem escapado à onda destruidora. Todos os dias vamos medindo os efeitos do descalabro através das notícias dos jornais, da rádio e da TV, contabilizando-os em empresas que fecham as portas, trabalhadores que são postos na rua sem trabalho, famílias cada vez mais endividadas, instituições que proclamam terem os cofres exauridos, doentes que deixam de poder ter acesso à dose diária de medicamentos, estudantes que se vêem impedidos de continuar os seus estudos, aumento das pessoas que recorrem à caridade pública, aprofundamento do fosso entre pobres e ricos, recuo ou mesmo anulação dos direitos sociais, económicos e culturais, que, sendo efeito de tudo isso, fazia já parte (esse recuo ou anulação) do programa ideológico neoliberal com a sua campanha conta os “direitos adquiridos”.
A crise, diz-se, é uma óptima oportunidade para mudar as coisas. Porém, a mudança que se anuncia é para manter as coisas na mesma quanto à sua essência. Nem isso é escondido, da esquerda à direita, com raríssimas excepções, que constituem vozes isoladas. A palavra de ordem é restaurar o que estava, com introdução de algumas regras limitadoras – regressar a uma espécie de “capitalismo social”, se faz sentido esta expressão. Contudo, o que importaria era mudar o sistema de cima a baixo, criando alternativas aos modelos que nos têm regido, quer o capitalista, quer o socialista, este na sua forma distorcida que campeou por todo o lado onde se impôs e que não foi outra senão a forma totalitária estalinista, ou, se quisermos, leninista-estalinista. O que se imporia era mudar a ideologia produtivista, que tem sido comum aos modos de produção capitalista e socialista e que assenta no crescimentos sem entraves, com esgotamento dos recursos naturais, destruição do meio ambiente, perda da qualidade de vida e, a prazo, liquidação do planeta. É nesse sentido que se tem orientado, por exemplo, a chamada «filosofia do decrescimento». Viver melhor com menos coisas, reorientando o sistema produtivo em benefício de todos, redistribuindo melhor a riqueza, que se acumula nas mãos de poucos e mudando completamente os hábitos sociais e todo o nosso imaginário, de forma a darmos mais importância ao que realmente interessa – a vida, a felicidade de viver num mundo equilibrado, a redescoberta do “ser” contra o “ter”. O decrescimento “significa crescer em humanidade, isto é, tendo em conta todas as dimensões que constituem a riqueza da vida humana”. Significa «não ter por objectivo obsessivo o poder aquisitivo (que a miúdo é enganoso e reduz o homem à única dimensão de consumidor), mas buscar o poder de viver. Trata-se de mudar a actual organização da produção e repartir melhor o trabalho: utilizar os benefícios obtidos para que todos trabalhem moderadamente e todas as pessoas tenham um emprego» e não se realizem apenas profissionalmente, mas também na vida familiar, associativa, actividade política, prática das artes, etc. (Nicolas Ridoux, “Por uma vida más frugal”, El País, de 21/03/2009 e ainda LeMonde Diplomatique, sobre A Ecodemocracia, Novembro de 2005).





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