27 setembro 2008

 

Teixeira Gomes e a pedofilia

Há uma coisa muito engraçada de que só há pouco tempo me dei conta e que estou para escrever há pelo menos duas semanas. Fui passar umas curtas férias àquela zona do Algarve que o escritor Teixeira Gomes muito gostava de equiparar «à paisagem marítima grega, tal como os poetas da antiguidade a conceberam» - a que vai da Ponta da Piedade à Ponta do Altar e que, no tempo dele, estava apenas adulterada por algumas fábricas de conservas de peixe e, sobre as rochas, «por essa linha de chalés que desonra e conspurca a natureza…». Oh, se ele a visse agora! Pois levei comigo um livro do escritor que me acompanha infalivelmente sempre que vou para essas bandas – Agosto Azul. Reli para aí pela décima vez quase todas as narrativas que o compõem, muitas delas escritas em forma epistolar (cartas dirigidas ao seu amigo, o poeta João de Barros).
Quando voltei, falei com um meu amigo jornalista acerca do escritor algarvio, injustamente pouco lido. Ele atalhou-me quase de imediato: «Deixei de o ler, desde que soube que ele era pedófilo». Fiquei tão embatucado, que só consegui responder: «Nesse tempo, a pedofilia era quase uma elegância literária». Um exagero, evidentemente. Mas fiquei com o ferrete, só por si um sinal dos tempos, a remoer no cérebro. E não é que acordei no dia seguinte com uma das narrativas da colectânea a fazer-me pisca-pisca? Trata-se da narrativa que tem por título, justamente, «Sobre a paisagem grega», uma narrativa de que eu particularmente gosto e sobre a qual anotei, num apontamento rabiscado, «que é onde está o conto divinal da sua 1.ª relação amorosa com uma mulher madura». Aí o escritor conta a sua iniciação sexual com uma jovem mulher casada, que o atraíra a sua casa e o convidara a dormir uma sesta com ela. Narra o escritor com uma requintada sobriedade : «Estendida a um canto da casa, que estava muito fresca, e tinha o chão caiado, havia uma grande esteira de empreita, com o travesseiro da cama de casados. Tudo rescendia a manjerona: a casa, o travesseiro, o seio de Senhorinha… Uma hora depois, quando de lá saí, todo o ar me parecia pouco para encher o peito, e sentia bater-lhe dentro um novo coração, um coração de herói… E no entanto o vencido fora eu.».
Pela primeira vez – palavra de honra! – me dei conta do crime que aquela tal Senhorinha teria cometido, se fosse hoje. Nada mais, nada menos do que um abuso sexual de crianças, punido com uma pena de 3 a 10 anos de prisão. É que o escritor tinha apenas 12 anos.
Telefonei ao meu amigo: «Sabes uma coisa? Afinal, Teixeira Gomes não era pedófilo; foi é vítima de pedofilia».





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