23 agosto 2008

 

O ouro olimpico

Caramba! Foi preciso o triplo salto de Nelson Évora para o país arrebitar e rejubilar. Agora, toda a comunicação social fala do ouro até à exaustão, todos os jornais enchem as primeiras páginas com o ouro. Era a sede do ouro, o auri sacra fames, que precisávamos de satisfazer. Temos, enfim, o ouro a fazer reluzir a Pátria. Até aqui, todos caíam em cima dos atletas, por não corresponderem às ambições com que partimos para Pequim. Eles é que tinham a obrigação de pôr a Pátria a reluzir por nós. E como isso não estava a acontecer, rapidamente foram transformados em bodes expiatórios dos nossos seculares fracassos. Chamaram-lhes mandriões ou coisa parecida, turistas, irresponsáveis, oportunistas, porque apenas tinham querido ir dar um passeio a Pequim. À nossa custa, à custa do nosso suor e do nosso trabalho, à custa dos nossos impostos, vejam lá! Somos uns portuguesitos fracassados, que tanto se exaltam até à lágrima comovida com o mais ligeiro sucesso (o que não é o caso do simpático e digno Nelson Évora, cujo sucesso não foi ligeiro e talvez nem merecêssemos), como se empertigam com o falhanço daqueles que têm o ónus de carregar com as nossas ambições, todos se achando então no direito de botar faladura e prosápia doutoral, malhando forte e feio em quem não tem competência por nós, incompetentes profissionais. Nessas alturas, a primeira coisa que nos acode é pormo-nos a bradar pelos nossos impostos, pelo nosso dinheirinho esbanjado, porque todos nós, afinal, somos gente exemplar e pontualmente cumpridora de todas as obrigações tributárias e fiscais.
Nelson Évora subiu ao pódio, fazendo içar a bandeira lusa e tocar o hino pátrio. Todos nos sentimos grandes, grandes, com uma lagrimazinha terna ao canto do olho. E sentimo-nos reconciliados e ganhámos alento para o porvir. Um porvir que será sempre o mesquinho porvir que nos compete. Nelson Évora, como é evidente, não tem nada a ver com isto. Ele triunfou, apesar de tanta lamúria e de tanta recriminação aparvalhada. Triunfou desportivamente, numa época em que o desporto olímpico não é desporto nenhum, mas um “stress” medonho para quem o pratica ou sofre.





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