12 abril 2008

 

Em nome do pai, do filho e mesmo do egoísta

Proémio
Disse ao meu filho que podia escrever umas crónicas sobre a vida quotidiana das pessoas, do ponto de vista económico.
Eis o primeiro fruto desse convite. E já tem um blogue: www.tertuliasurbanas.com

Em nome do pai, do filho, e mesmo do egoísta
Todos nós já deparamos com situações de carros parados em segunda fila, em faixas de rodagem. É de perder a cabeça quando vemos um sinal verde a poucos metros de distância, mas temos um carro à nossa frente, estático, com luzes laranja intermitentes, e uma fila de carros na outra faixa a circular fervorosamente, que nos impede de seguir. Neste belo país existe sempre um papá, um marido, um estafeta, um preguiçoso, um comodista, ou um simples empata, que nos impede de seguir o nosso caminho e nos faz perder minutos, horas, dias ao longo da nossa vida, encravados dentro de uma caixa de metal a gesticular em todas as direcções.

Falta de civismo, preguicite aguda, comodismo, são boas explicações. Mas existe também uma outra, baseada na racionalidade económica.

Porque é que o papá, o marido, o estafeta, e o preguiçoso não estacionam a duzentos metros de distância, evitando assim impedir o trânsito de fluir?

A economia diz que estamos perante uma falha de mercado. Existe uma externalidade negativa, a qual não é internalizada, e leva a uma tomada de decisão que não tem em conta todos os custos envolvidos. Mas isto é palavreado maçador que não interessa ao comum dos mortais, de maneira que não perco mais tempo e passo a explicar.

O pai que vai buscar a criança ao infantário, confronta-se com duas opções, lá na sua cabeça:

- Ora bem! Vou; procurar um local para estacionar o carro, provavelmente a duzentos metros do infantário; fazer o percurso a pé; trazer o filho; e ir embora sem atrapalhar os outros carros, demorando quinze minutos neste ritual... - pensa o pai, não muito convencido.
- ...Ou parar mesmo em frente do infantário, abandonar o carro na via, ignorar as buzinas, e em 5 minutos voltar com a criança como se nada fosse e seguir para casa.

Já Adam Smith nos deu a resposta, quando diz que "Não é da bondade do homem do talho, do cervejeiro ou do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração em que eles têm o seu próprio interesse. Apelamos, não para a sua humanidade, mas para o seu egoísmo, e nunca lhes falamos das nossas necessidades, mas das suas vantagens." (A. Smith (1776) Riqueza das Nações I, 2 p.95). Ora, no seu egoísmo, no seguimento do seu próprio interesse, ou mesmo na racionalidade, o pai escolherá certamente a segunda opção, que é a que o faz perder menos tempo. Economicamente esta parece ser, de facto, a aposta certa. Mas, ao proceder assim, o nosso homem cria a tal externalidade negativa de que falei atrás.

Para se perceber melhor a atitude deste pai (e não lhe ficarem com rancor) vamos analisar a racionalidade subjacente às escolhas dele. Vamos tentar avaliar o tempo perdido por todos os envolvidos e o custo desse tempo (dito custo de oportunidade).

Imaginemos então que o custo de oportunidade de cada pessoa é em média de 5€ por hora. Este será o valor que se atribui ao seu tempo (bem sei que com a taxa de desemprego aí a chegar aos dois dígitos, vou receber centenas de emails de pessoas a oferecer os seus serviços por 5€/hora).

Ao decidir-se pela opção de estacionar o carro onde não incomode, o dito pai perde 15 minutos do seu tempo, o que representa um custo de 1,25€ (5 x 15 / 60). Ao optar pela segunda opção, o custo é de 0,42€ (5 x 5 / 60). Esta é a razão fundamental que o leva a decidir-se por estorvar o trânsito e fazer-se de surdo às buzinadelas.

O problema inerente a esta opção é que o custo total não é composto apenas pela perda de tempo do pai, mas também pela perda de tempo de provavelmente 200 outras pessoas que vão dentro dos carros em fila afunilada por causa do carro parado em segunda fila. Se o carro mal parado os fizer perder em média mais um minuto, temos um custo total de 16,67€.

Resumindo, temos:

1º caso - custo do pai é de 1,25€ / custo da sociedade é de 0€
2º caso - custo do pai é de 0,42€ / custo da sociedade é de 16,67€

O pai faz uma poupança de 0,83€ infligindo um custo de 16,67€ sobre a sociedade, ou seja, a tal externalidade negativa. Esta é obviamente uma falha de mercado. Se fosse possível fazer o pai pagar os 16,67€, certamente que a opção dele não seria a mesma.

Situações como esta ocorrem todos os dias na sociedade, e fazem com que sejam tomadas decisões erradas. Frequentemente vemos rios poluídos espalhados pelo nosso país. Muita dessa poluição vem de fábricas que vendem os seus produtos a um preço mais barato do que o que deviam, pois conseguem atirar o custo da diferença no preço sobre toda a sociedade, tal como o pai que estaciona em segunda fila.

No seu egoísmo natural, o Homem tem em conta apenas o seu custo e benefício, desprezando as externalidades. Um produto é barato. Foi feito na China com trabalho de crianças? Foram poluídos muitos rios? Polui o ambiente? É agradável para mim, mas não para o meu vizinho? Bah!! Sempre é mais barato, vou é comprar. Por isso, em nome do pai, do filho, e mesmo do egoísta, peço-vos que não lhes atirem pedras se andarem em carros com tejadilhos de vidro...

Filipe Costa





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