09 fevereiro 2008

 

Uma resposta a Swift?

Dá a impressão que o antigo ministro das Finanças do governo de José Sócrates pretendeu reagir contra as ideias que Jonhatan Swift expendeu numa carta dirigida a um “amigo do coração” aqui publicada há dias e retirada de uma antologia do autor das Viagens de Gulliver, recentemente dada à estampa. Na verdade, o ideário aí expresso pelo velho escritor irlandês, que os surrealistas apadrinharam como um dos seus antecessores, é um tanto ou quanto de se lhe torcer o nariz. A menos que se tome como manifestação daquele “humor negro”, de que André Breton diz ter sido ele o verdadeiro iniciador.
Seja como for, eis aqui as palavras de Luís Campos e Cunha, publicadas no “Público” de ontem, 8 de Fevereiro:

“As instituições democráticas, e, com elas, a democracia, estão a resvalar para a demagogia, dirigida por representantes sem ideias em lugar de líderes com horizontes. Com aqueles, algumas liberdades começam a estar em causa e até no futuro (espero que não), pondo em causa a própria liberdade. Tudo isto, por absurdo, em nome da liberdade. A liberdade já hoje não é grátis e corremos o risco de vir a ser muito cara: só para ricos e heróis.
(…)
A crise das instituições que leva a esta estirpe de políticos (seja em Portugal, seja no Reino Unido ou na América) não seria demasiado preocupante não fora o arrastar com ela a liberdade, valor essencial da nossa existência.
A liberdade traduz-se, no dia-a-dia, em várias liberdades: de escrever; de falar; de nos organizarmos; de protestar; de apoiar; de votar, etc. Uma dessas liberdades, por vezes esquecida, é a de estar errado, de falhar, de não ter razão e, mesmo assim, de poder opinar, falar e escrever.
Mas, no actual estado de coisas, aqui como lá fora, retira-se a responsabilidade moral de não fumar para não incomodar o próximo, para se passar à proibição da existência do ser imperfeito, ou seja, do fumador. Daí chega-se à raça superior, que hoje não vem dos genes, mas da proibição e do politicamente correcto consagrado em lei. A possibilidade de errar está proibida e, dentro em pouco, não frequentar um ginásio da moda será tão grave como fugir ao fisco.
E, especialmente entre nós, em que a ausência de liberdade ainda está muito presente, é muitas vezes esquecido que o exercício da liberdade não deve ser um acto heróico, mas uma banalidade.
(…)
Para já, são pequenas liberdades que estão em causa. Os ataques às liberdades foram fruto da demagogia e do politicamente correcto, mas uma outra linha de ataque à liberdade é bem mais grave e, supostamente, em defesa da liberdade.
(…)
Cada vez mais os políticos-representantes, com o pragmatismo elevado a ideologia, põem em causa a política e os princípios. A liberdade já não é grátis, mas devia sê-lo, e pode vir a ter um preço que pode ser a própria liberdade.”


Que me dizem a isto? Não parece uma resposta, taco a taco, à carta de Jonathan Swiftt? Uma visão sombria do futuro, contraposta à visão ridente do velho escritor irlandês?





<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)