11 fevereiro 2008

 

Abortos: muitos ou poucos?

Nos últimos tempos repetidas notícias nos jornais vêm dando conta de que o número de IVG's realizadas legalmente desde a entrada em vigor da nova lei despenalizadora não ultrapassam mil por mês, "desmentindo" assim as estimativas avançadas pelos partidários da despenalização, que situavam os abortos clandestinos acima dos 20 mil anuais.
Fica-se com a sensação que essas notícias, aparentemente meramente informativas, são lançadas de forma a que o leitor fique a pensar que, afinal, não valia a pena mudar a lei, já que as "expectativas" ficaram "defraudadas".
Tal ponto de vista seria (ou será) completamente absurdo. Ainda que as IVG se venham a "limitar" a 12 mil por ano, esse número é suficientemente impressivo para impor a obrigação de alterar a lei. Mais do que isso: independentemente dos números que venham a apurar-se, mesmo que estes venham a descer acentuadamente, sempre o reconhecimento do direito de opção da mulher constitui o necessário reconhecimento de um direito que é possível (e correcto) enquadrar constitucionalmente no direito ao livre desenvolvimento da personalidade, no direito a uma maternidade consciente e responsável, que é um direito que faz parte do "património" inalienável das mulheres numa sociedade livre, laica e pluralista.
Os números são, pois, indiferentes, do ponto de vista jurídico-constitucional.
Em todo o caso, sempre se dirá que não há quaisquer "expectativas defraudadas", pois as únicas expectativas dos partidários da despenalização eram as de permitir que as mulheres que optassem pela IVG o pudessem fazer em condições de segurança e dignidade. E essas expectativas cumpriram-se.
Aliás, é cedo para adiantar com certezas quanto aos números. A aplicação integral da nova lei exige uma mudança cultural que poderá levar anos ou até mais de uma geração a concretizar-se. Muitas mulheres, dos meios rurais ou dos estratos sociais marginalizados, desconhecem ou tendem a desconfiar do novo quadro legal e preferirão recorrer aos "circuitos tradicionais". Muitos outros facores haverá a ponderar e a investigar.
Enfim, é cedo para esgrimir números. É, sim, tempo de saudar o primeiro aniversário do referendo que veio a viabilizar uma conquista histórica da cidadania das mulheres.





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